O Pix, as fintechs e o País da ‘renda financeira improdutiva’
Confira a coluna de Armando Avena

No Brasil, o mercado financeiro segue obtendo super lucros e “absurdos econômicos” são cometidos para beneficiá-lo. O Pix, por exemplo, é uma inovação brasileira, considerada um avanço no mundo inteiro, pois viabilizou um meio de pagamento, rápido, seguro e simples e, o mais importante, gratuito para todos os brasileiros –, mas só para brasileiros pessoa física.
O sistema bancário conseguiu, com a anuência do Banco Central, obrigar que as pessoas jurídicas paguem cada vez que fizerem uma transferência via Pix. E, assim, as empresas produtivas pagam aos bancos pelo uso de um instrumento governamental que não gera qualquer despesa para a instituição financeira.
E o Banco Central não só admite, como deixa a cobrança sem critérios, de modo que há bancos que cobram um percentual 1,75% sobre as transferências de R$ 100 e apenas 1% para quem transfere R$ 10 mil ou mais. É como um Robin Hood ao contrário, cobrando mais dos pobres do que dos ricos, tirando do setor produtivo para dar ao setor financeiro.
Outro absurdo é o spread bancário – a diferença entre o que o banco paga ao captar dinheiro e o que ele cobra ao emprestar. O Brasil tem o maior spread do mundo e é tão absurdo que o banco – que paga a um investidor 11% ao ano para que ele deixe seu dinheiro num CDB ou Fundo de Renda Fixa – empresta esse mesmo dinheiro a outro cliente cobrando 80%, 100% ou até 400% ao ano.
Quem rola a dívida no cartão de crédito, por exemplo, continua pagando 450% de juros ao ano, embora o governo tenha prometido que iria limitar esses juros.
Segundo o Banco Mundial, o spread bancário médio no Brasil gira em torno de 25%, mas na ponta é muito mais que isso, enquanto em países desenvolvidos é de apenas 3% a 6%. É uma diferença brutal e o crédito produtivo para pequenas e médias empresas, torna-se inviável.
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Enquanto isso, o projeto de lei 5266/23, que prometia uma limitação específica para o spread abusivo, continua nas gavetas de deputados e senadores. E as medidas do Ministério da Fazenda para impedir que o spread não fosse tão alto não deu resultados.
Os bancos continuam com a mesma cantilena, afirmando que os juros são resultado dos impostos altos e da inadimplência. Mas os impostos são altos para todas as empresas e quanto a inadimplência, mesmo quando ela é a mais baixa, o spread permanece alto.
A explicação é outra e passa pelo oligopólio bancário, com cinco grandes bancos concentrando mais de 80% do crédito. A tão propalada criação das fintechs, os bancos digitais, que iriam aumentar a concorrência, não obteve resultados.
Na verdade, as fintechs viraram intermediárias dos grandes bancos. Não romperam a dependência estrutural e a maioria pega dinheiro emprestado dos bancos tradicionais ou de investidores institucionais, pagam caro por isso, e mais caro ainda para emprestar.
Por isso, as fintechs desviaram o foco e migraram para serviços de pagamento, contas digitais e cartões pré-pagos, onde o retorno é rápido e o risco menor. Além disso, os grandes bancos criaram suas próprias fintechs e assim o sistema bancário brasileiro mudou para que tudo continuasse igual.
O resultado é que, embora os bancos digitais tenham ampliado o acesso bancário e acelerado a digitalização, o coração do sistema financeiro brasileiro continua intocado: crédito caro, spread escandaloso e lucros bancários entre os maiores do planeta.
E assim seguimos: com o Banco Central trincando os dentes para não baixar os juros; a imprensa especializada favorável ao mercado financeiro; as pequenas e médias empresas sem poder investir e sem poder tomar empréstimos para capital de giro; as grandes empresas com receitas financeiras muitas vezes maiores que a receita operacional; as obras de infraestrutura cada vez mais caras por conta do custo financeiro; e o povo brasileiro sem acesso ao crédito barato, que é o instrumento primordial para estimular o consumo e fazer o país crescer rapidamente.
O economista Delfim Netto tinha razão: estamos condenados à “renda financeira improdutiva”. No Brasil, o dinheiro gira dentro dos bancos, não na economia real.
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