Que ajuste fiscal o Brasil precisa?
Confira a coluna do economista Armando Avena
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As previsões sobre crise fiscal, crise cambial, estouro do déficit público e disparada da inflação não se concretizaram em 2024 — pelo contrário. No entanto, para que 2025 não comece com um novo embate entre narrativas e realidade, é preciso que o governo, o mercado, o Banco Central e os analistas econômicos ajustem suas expectativas.
Todos esses atores reconhecem a necessidade de um ajuste fiscal estrutural na economia brasileira, mas divergem em um ponto crucial: o tempo. O que parece estar gerando discordância e alimentando diversas narrativas é que o mercado deseja um ajuste fiscal ortodoxo de curto prazo, enquanto o governo defende uma política gradual.
Em situações de crise, o ajuste fiscal precisa ser imediato, ainda que seus efeitos colaterais sejam severos. Um exemplo é a Argentina de Javier Milei, que implementou um ajuste fiscal drástico, conseguindo equilibrar as contas públicas e reduzir um pouco a inflação. No entanto, isso ocorreu às custas de uma recessão profunda, que levou à falência de milhares de empresas, eliminou milhões de empregos e elevou para 53% a parcela da população vivendo abaixo da linha da pobreza.
O Brasil não enfrenta uma crise fiscal. O Ministério da Fazenda optou por uma política gradualista de longo prazo, baseada no arcabouço fiscal. Como resultado, cumpriu a meta de déficit zero para 2024 e manteve, para 2025, a previsão de superávit de 0,25% do PIB. Os efeitos dessa política gradual em 2024 foram positivos: crescimento do PIB de 3,5% (após 3% em 2023), a menor taxa de desemprego da história, inflação de 4,8% (ligeiramente acima da meta), PIB per capita crescendo 3,1% e investimentos em alta por quatro trimestres consecutivos.
A alta do dólar no fim do ano expôs o descompasso entre as previsões do mercado e a realidade. Quando a cotação do dólar atingiu quase R$ 6,22, muitos acreditaram que haveria uma disparada, atribuída à incerteza internacional e, sobretudo, à questão fiscal. No entanto, o que se viu foi que, passado o impacto do fenômeno Trump, a cotação recuou — como previsto por este economista — por sete semanas consecutivas, voltando ao mesmo patamar de dois anos atrás.
A divergência entre mercado e governo reflete uma disputa temporal e ideológica. O mercado defende um ajuste fiscal ortodoxo e imediato, enquanto o governo adota uma abordagem gradualista de longo prazo. Da mesma forma, o Banco Central busca trazer a inflação ao centro da meta imediatamente, mas o governo prefere um ajuste progressivo.
Dado que este governo foi eleito com uma plataforma social, um ajuste fiscal ortodoxo de curto prazo é inviável, mesmo diante da forte pressão do mercado. O que o governo tem feito — e continuará a fazer — é avançar com o pacote de corte de gastos já aprovado e as 25 medidas econômicas propostas por Fernando Haddad ao Congresso Nacional. Trata-se, portanto, de uma estratégia gradualista.
O Banco Central precisa reconhecer essa realidade e entender que não há espaço para forçar a convergência da inflação ao centro da meta no curto prazo, pelo menos não em um governo com um claro viés social. Para o governo, essa convergência pode ser feita gradualmente — como ocorreu nos Estados Unidos, que levaram três anos elevando os juros até atingir a meta.
Em resumo, se o Banco Central insistir em manter os juros elevados, como vem sendo sinalizado — com um possível aumento de 1% na próxima reunião do Copom —, o resultado será um processo recessivo, já perceptível no horizonte. Isso pode ser contraproducente, pois, diante de uma recessão iminente, o governo, por sua própria natureza, pode acabar ampliando os gastos para evitá-la.
Quanto ao mercado, que anseia por um ajuste fiscal ortodoxo e de curto prazo nos moldes de Javier Milei, precisa reconhecer que essa proposta não tem viabilidade dentro da atual correlação de forças políticas que elegeu este governo.