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A Lógica do Amor

Já que a matemática busca explicar o mundo ao nosso redor, o que ela teria a dizer sobre o amor?

Publicado quinta-feira, 04 de maio de 2023 às 19:28 h | Atualizado em 04/05/2023, 19:33 | Autor: Marcio Luis Ferreira Nascimento*

Imagem ilustrativa da imagem A Lógica do Amor
  

Haveria lógica no amor?

Tal questão é de difícil resposta. Mas é possível tratá-la por meio de uma das mais poderosas ferramentas elaboradas pela humanidade: a matemática.

Como a matemática reconhecidamente lida com diversas questões, algumas de difícil trato, vamos expô-la à lógica de predicados tão caros aos relacionamentos amorosos. Dito de outra forma: já que a matemática busca explicar o mundo ao nosso redor, o que ela teria a dizer sobre o amor?

Cabe lembrar que todo predicado consiste em tudo aquilo que se diz ou o que se declara sobre um sujeito, ou tudo aquilo que se informa sobre um sujeito, vinculado ao termo com o qual o verbo concorda.

Considere “te amo” e “quero casar contigo” como exemplos. Para simplificar, bem ao gosto dos(as) matemáticos(as), vamos denominar o primeiro de p (“te amo”) e o segundo de q (“quero casar contigo”), e denominar tais predicados de proposições ou ainda variáveis.

Em lógica, as proposições representam pensamentos completos e indicam afirmações de fatos ou ideias. Pode-se elaborar tabelas-verdade entre p e q. Estas foram propostas em seu formato mais moderno pelo filósofo austríaco Ludwig Josef Johann Wittgenstein (1889 - 1951) na obra “Tractatus Logico-Philosophicus” (“Tratado Lógico-Filosófico”) de 1922. Por meio de tais tabelas é possível definir o valor lógico de uma proposição, isto é, saber quando uma sentença é verdadeira ou falsa.

Utiliza-se da tabela-verdade no uso de proposições compostas, ou seja, sentenças formadas por proposições simples como p e q, observando que o resultado do valor lógico depende apenas do valor de cada proposição. Para combinar proposições simples e formar proposições compostas são utilizados conectivos lógicos. Estes conectivos representam operações lógicas tais como a negação (~), a conjunção (^, onde lê-se “e”) e a disjunção (v, onde lê-se “ou”).

Tomando um dos mais simples exemplos, é fácil perceber como se elabora a negação de cada variável. A negação de “p” é a proposição “~p”, de maneira que se “p” é verdade então “~p” é falsa, e vice-versa. Assim, se “te amo” é verdadeiro, “não te amo” é falso.

Ao combinar p e q em termos lógicos (i.e., p ^ q), que é equivalente a analisar a conjunção “te amo” e “quero casar contigo”, há quatro situações a considerar envolvendo p verdadeiro-falso e q verdadeiro-falso. Se for p verdadeiro com q verdadeiro, p e q é verdadeiro; se for p verdadeiro com q falso, p e q é falso; se for p falso com q verdadeiro, p e q é falso; se for p falso com q falso, p e q é falso.

Enquanto resultado, toda conjunção é verdadeira se e somente se ambos, p e q, forem verdadeiros. De fato, a análise de “te amo” e “quero casar contigo” somente pode ser verdadeira se ambas proposições, ou predicados, forem verdadeiros.

Já ao se combinar p ou q em termos lógicos (i.e., p v q), que é equivalente a analisar a disjunção “te amo” ou “quero casar contigo”, há também quatro situações a refletir envolvendo p verdadeiro-falso ou q verdadeiro-falso. Se for p verdadeiro com q verdadeiro, p ou q é verdadeiro; se for p verdadeiro com q falso, p ou q é verdadeiro; se for p falso com q verdadeiro, p ou q é verdadeiro; se for p falso com q falso, p ou q é falso.

Enquanto resultado, toda disjunção é falsa se, e somente se ambos, p ou q, forem falsos. De fato, a análise de “te amo” ou “quero casar contigo” somente pode ser falsa se ambas proposições, ou predicados, forem falsas. Logicamente, é possível perceber que existem casamentos sem amor verdadeiro – algo estranho, mas possível, com diversas situações a servirem de exemplo na história da humanidade.

Há outras operações lógicas possíveis de serem analisadas. Certamente, das poucas ilustrações acima, pode-se depreender que a matemática corresponde a uma linguagem que pode descrever relacionamentos. Talvez nem todos, pois o amor não é uma ciência, muito menos exata. Mas, no coração da matemática está a lógica, um assunto aparentemente frio e racional. O mundo da lógica é regido por métodos axiomáticos, ou seja, por declarações auto consistentes, e a derivação da verdade é quase mecanicamente calculada.

Na lógica clássica, estabelecida pelos matemáticos gregos há mais de dois mil anos, nada pode ser verdadeiro e falso ao mesmo tempo. No entanto, como a lógica está até hoje se expandindo, progredindo e se aperfeiçoando, eventualmente poderá abranger inclusive as diversas situações e contradições somente conhecidas pelos amantes. A vida, o romance e o amor guardam algo de surpresa. O que resguarda o futuro em termos de novas lógicas e da inteligência artificial?

Um indício foi dado pelo lógico e matemático austríaco Kurt Friedrich Gödel (1906 - 1978) há um século. Ele afirmou num importante artigo científico que em qualquer sistema lógico consistente sempre haverá afirmações cuja veracidade ou falsidade não poderão ser provados, ou seja, estão fora do poder do raciocínio formal.

Logo, pode-se concluir que a matemática é essencialmente humana, assim como o amor e a lógica.

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