A polêmica do voto impresso

Em junho de 2018, por oito votos a dois, o plenário do STF decidiu vetar o voto impresso para eventual conferência dos resultados da disputa nas eleições daquele ano. A decisão dos ministros visou suspender o artigo da minirreforma eleitoral de 2015 (artigo 2º da lei 13.165/2015), que estabelecia a impressão do voto de forma automática e sem contato manual do eleitor, em local previamente lacrado.
Durante séculos, o país foi um jogo combinado das elites coloniais escravocratas. Até 1821 o voto ficava restrito ao âmbito municipal, era aberto, e as eleições contavam apenas com o comparecimento de homens livres. Não existiam partidos. Na República Velha, as eleições a “bico de pena”, feitas na canetada, resultavam em fraudes para manutenção do poder dos coronéis de cada região, que mantinham controle ferrenho dos “currais eleitorais”, com voto de cabresto.
O Código Eleitoral previa apuração de votos com o uso de sistema eletrônico desde 1982; mas só a partir de 1994 o TSE elaborou um sistema eletrônico de votação que desse rapidez na apuração e segurança contra eventuais fraudes. A mudança na Lei 9.504/1997 permitiu a utilização de urnas eletrônicas, para aumentar a legitimidade e a qualidade da nossa democracia, assegurando o sigilo e a inviolabilidade do voto. E mais: o resultado de cada urna em sua respectiva seção é conhecido imediatamente ao final do horário de votação, com o boletim de urna, passível de fiscalização por parte dos candidatos, partidos e coligações.
Pesquisa recente do Datafolha (janeiro/2021) mostrou que 73% dos brasileiros apoiam a urna eletrônica, apesar da campanha patrocinada pelo presidente Jair Bolsonaro e por seus apoiadores contra as urnas digitais, que tem servido como retórica prévia voltada a deslegitimar as próximas eleições no Brasil. O presidente chegou a afirmar que as eleições passadas foram fraudadas por não permitirem a sua vitória já no primeiro turno.
Não é que todos os que defendem o retorno do voto impresso sejam apoiadores do presidente e de seus rompantes golpistas, mas o debate tomou um caminho ideológico sem volta, empobrecido, sem foco de análise do sistema que temos: rápido, seguro e estável no processo de totalização dos votos.
O debate sobre a PEC 135/19, que trata do retorno do voto impresso automático, como espécie de “recibo”, foi proposto pela deputada Bia Kicis (PSL-DF) e seguiria adiante, com exposição de argumentos sobre as vantagens e as desvantagens da medida; mas a estratégia bolsonarista de condicionar a legitimidade das próximas eleições à adoção do voto impresso revela o caráter das intenções em jogo. A melhor saída pode ser a realização de um plebiscito para que as urnas não fiquem reféns de grupos de pressão anti-democráticos.
*Cientista Político e professor Adjunto da Unilab, um dos organizadores do “Dicionário das Eleições”
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