Átomos, Música e o Prêmio Nobel 2023
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Ora (direis) ouvir átomos! Certo, perdeste o senso!
Parafraseando o canto XIII do famoso soneto “Via Láctea”, da lavra do jornalista e poeta brasileiro Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac (1865 - 1918), o Prêmio Nobel de Física de 2023 foi concedido a três cientistas que ouviram a curtíssima melodia dos átomos. Pierre Agostini (n. 1941, francês), Ferenc Krausz (n. 1962, húngaro-austríaco) e Anne L’Huillier (n. 1958, francesa) desenvolveram técnicas utilizando velocíssimos pulsos de luz para estudar o comportamento dos elétrons, partículas fundamentais da matéria.
A palavra elétron provem do grego lepton, que significa leve, ou ainda, ligeiro. O trio realizou pesquisas no campo da física dos attosegundos. Tal unidade equivale a um quintilionésimo de segundo, um número extremamente pequeno, equivalente a um milionésimo de um milionésimo de um milionésimo, ou ainda dividir a unidade pelo algarismo 1 seguido de dezoito zeros. Um segundo equivale a um piscar de olhos, uma batida do coração, ou ainda a sexagésima parte do minuto. Existem tantos attosegundos dentro de um único segundo quanto o número de segundos que representam a idade do universo, considerada como algo próximo de dezenas de bilhões de anos, e que também representa o tempo para um vidro de janela escoar à temperatura ambiente, conforme ensinava o físico brasileiro Shigueo Watanabe (1924 - 2023).
A capacidade de medição de tempos tão curtos e com altíssima precisão podem trazer novas e importantes aplicações em diversas áreas da ciência, em especial a eletrônica, a ótica e a físico-química de novos materiais, dada a necessidade de compreender e controlar como os elétrons se comportam na matéria, mas isto não deve parar por aí, pois os elétrons foram descobertos em 1897 pelo físico inglês e Prêmio Nobel em Física de 1906, Joseph John Thomson (1856 - 1940), e desde então as pesquisas e aplicações nunca pararam.
O Júri da Real Academia de Ciências da Suécia reconheceu que tais contribuições estabeleceram “métodos experimentais que criam pulsos de luz de attossegundos para o estudo da dinâmica de elétrons na matéria.” Também “demonstraram uma maneira de criar pulsos de luz extremamente curtos que podem ser usados para medir os processos rápidos nos quais os elétrons se movem ou mudam de energia.” Por fim, os membros da Academia de Ciências assim decidiram, pois “as contribuições dos laureados permitiram a investigação de processos tão rápidos que antes eram impossíveis de acompanhar”.
Há vinte anos, ainda em 2003, L’Huillier e seu grupo de pesquisadores(as) conseguiu a proeza de estabelecer um pulso de laser curtíssimo, de apenas 170 attosegundos. Enquanto comparação, uma nota lá vibra meras 440 vezes num segundo num violão ou numa guitarra, algo extremamente lento comparado com os experimentos laureados com o Nobel. Apenas para se ter uma ideia, espera-se que um feixe de luz percorra a distância de uma ligação química entre átomos da molécula de hidrogênio (que consiste de dois elementos H assim unidos) em 0,247 attosegundos. Nestas ordens de grandeza está sendo possível compreender os mecanismos últimos da natureza, ou seja, como átomos e moléculas se encaixam, se combinam e se comportam.
Desde 1986 L’Huillier, apenas a quinta mulher a receber tal honraria na área da física desde 1901, realiza experimentos na área de attosegundos, chegando a observar que tons muito diferentes de luz surgiam quando ela transmitia luz laser infravermelha num gás nobre. Tais tons podem ser vistos como um comportamento musical dos átomos, em termos sonoros, como notas musicais de enorme frequência (petahertz) e altas energias.
As pesquisas independentes de Krausz, Agostini e L’Huillier abriram novas possibilidades para o estudo da matéria em escalas de tempo e espaço extremamente pequenas. Num mundo cada vez mais lépido e ligeiro, é preciso entender, compreender e respeitar cada vez mais as regras da natureza. A física do attosegundo deverá prover novas oportunidades de compreensão dos mecanismos governados pelos elétrons. O passo seguinte será saber como utilizá-los em prol da humanidade.
Novamente, parafraseando o celebre soneto de Bilac, poderíamos encerrar dizendo: Amai para entendê-los! Pois só quem ama pode ter ouvido - Capaz de ouvir e de entender átomos...
*Professor da Escola Politécnica, Departamento de Engenharia Química da UFBA e membro do Instituto Politécnico da Bahia
Em memória do físico brasileiro Shigueo Watanabe (1924 - 2023), professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo.