Menu
Pesquisa
Pesquisa
Busca interna do iBahia
HOME > colunistas > ARTIGOS
COLUNA

Artigos

Por Vitor de Athayde Couto*

Artigos
ACERVO DA COLUNA
Publicado sexta-feira, 14 de agosto de 2020 às 9:48 h | Autor:

Cumunirmo

Ouvir Compartilhar no Whatsapp Compartilhar no Facebook Compartilhar no X Compartilhar no Email
Vitor de Athayde Couto é economista e professor
Vitor de Athayde Couto é economista e professor -

No auditório de uma dessas IES rolava mais um desses cursos de especialização. Pra variar, era sobre desenvolvimento de alguma coisa. Curioso, entrei pra espiar e fiquei sentado na última fila. O palestrante do dia fazia o maior esforço, tentando apresentar os diversos conceitos, definições ou as infinitas ideias do senso comum que rondam o verbete desenvolvimento. De vez em quando fazia uma pausa e perguntava:

- Alguma dúvida? Algum comentário? – o silêncio era total.

Como os conceitos, em diferentes épocas, abrangem diversos autores, e requerem um mínimo de leitura, a turma permanecia muda. Ninguém comentava nada. Nem mesmo uma simples perguntinha, apesar de todo mundo ali já ser formado na área de Ciências Sociais Aplicadas. Afinal, especialização é “pós”, conforme se lê nos outdoors de propaganda, sempre que as uniqualquercoisa abrem “novas turmas” e vendem um corpo docente “altamente especializado”. Fico me perguntando o que significa “altamente”...

Mais uma pausa:

- Alguma dúvida? Algum comentário? Angústias...? (mais silêncio)

Era evidente o esforço do palestrante tentando valorizar qualquer intervenção, qualquer perguntinha, por mais simples que fosse. Mas foi justamente quando ele estava quebrando a cabeça para tentar definir desenvolvimento adjetivado (econômico, social, socioeconômico, sustentável, humano, tecnológico, ambiental, etc.) que surgiu a valiosa primeira pergunta de um estudante que se apresentou como Dyjalnneydisson:

- Professor, a Rússia é um país comunista?

O palestrante respirou fundo, contou até enquanto pôde e pensou: vou ter que tratar esta pergunta com o maior carinho. Só tem tu... pensou. Fiquei torcendo para ele não repetir o velho chavão, muito usado nessas situações de mudez coletiva: “a sua pergunta é muito importante, etc.” Respirou outra vez, mais fundo, e, depois de apelar para algum Anjo da Guarda ou qualquer outra energia cósmica da sua crença, respondeu:

- Não, Dyjalnneydisson. A Rússia não é um país comunista. É uma economia de mercado, com base na propriedade privada. Como existem setores estratégicos sob domínio estatal, semelhante ao Brasil, França e Alemanha, por exemplo, pode-se

considerar o modelo russo como um capitalismo monopolista de Estado. O governo é muito conservador e tem a Igreja Ortodoxa Russa como importante aliado. Resumindo, a Rússia passa bem longe do que a Ciência Política define como país comunista.

Em seguida olhou para Dyjalnneydisson, na expectativa de saber se a sua resposta foi satisfatória. Mas àquela altura Dyjalnneydisson estava conversando animadamente com duas colegas do lado. O palestrante, educadamente, observou:

- Dyjalnneydisson, você fez uma pergunta. Gostaria de saber se a minha resposta foi satisfatória, mas vejo que você não para de conversar.

Imediatamente Dyjalnneydisson deu aquela resposta clássica, típica dos universitários brasileiros:

- Estamos falando é sobre o assunto da aula, professor.

- Ah... tá...

Eis que, para minha surpresa, outro pós-graduando perguntou:

- Professor!

- Sim...?

- O que é cumunirmo?

Respirou... respirou... contou até o limite suportável, e, gentilmente, respondeu:

- Cumunirmo, eu não sei. Mas vou contar um causo que ouvi diretamente do Luiz Gonzaga, num show que ele deu na concha acústica da cidade de...

- Luiz Gonzaga? Quem é esse autor? – perguntou Jennyffer Pammella Allecssandra.

- Ah... disse o palestrante – é só um sanfonêro.

- Ah... tá...

- Então... Luiz Gonzaga estava passeando na feira de Caruaru quando reparou que, ao longe, vinha vindo uma velhinha com a sua bisneta de uns oito anos. Elas dirigiam-se à feira, e vinham caminhando ao lado da cerca do estacionamento dos jumentos...

Silêncio absoluto da turma, atenção total, como eu nunca tinha visto na vida. O palestrante prosseguiu:

- Dêrrêpente... Sim, foi dêrrêpente...

- ???

- Dêrrêpente começou a maior ventania! Lonas de barracas saíram voando, a poeira subiu. O vento era tão forte que levantou até saia comprida de crente e derrubou a cerca do estacionamento. Um jumento alterado, por nome Moacyr, estava de olho numa jumenta novinha, no cio, que vinha caminhando contra o vento. Aproveitando a cerca caída, saiu em disparada na sua direção. Quando Moacyr montou na jumenta, a bisnetinha, protegendo os olhos com o cotovelo, perguntou:

- Vovó, o que é aquilo?

A velhinha, tapando totalmente a visão da bisneta, bem ligeiro, respondeu:

- Não olhe não, Pryscylla. Aquilo é o cumunirmo!

E se benzeu.

*Economista, Doutor pelas Universidades de Paris I e de Toulouse. Professor Titular da Ufba, aposentado e professor voluntário. Foi presidente do Corecon-BA, conselheiro do Codes-BA, e consultor da FAO/ONU.

Compartilhe essa notícia com seus amigos

Compartilhar no Email Compartilhar no X Compartilhar no Facebook Compartilhar no Whatsapp

Assine a newsletter e receba conteúdos da coluna O Carrasco