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Por Lize Borges, Carolina Dumet e Andreza Santana*

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ACERVO DA COLUNA
Publicado quinta-feira, 09 de fevereiro de 2023 às 12:22 h | Autor:

O que aprendemos com o caso Luana Piovani?

Atriz e seu ex, Pedro Scooby, duelam na Justiça em caso que expõe negligência paterna e hostilidade no litígio

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Com as recentes notícias que envolvem os alimentos, a guarda e a convivência dos filhos comuns de Luana Piovani e Pedro Scooby [1], bem como a possível tentativa de silenciamento para que as situações não sejam trazidas à público [2], mais uma vez vieram à tona assuntos que estão na ordem do dia da advocacia feminista, quais sejam: as dificuldades enfrentadas por mães solo, as negligências paternas e a hostilidade do processo litigioso na seara familista.

É importante esclarecer que não são conhecidos detalhes acerca do caso além daqueles relatados pela atriz em suas redes sociais, tampouco tivemos acesso ao processo judicial, que certamente corre em segredo de justiça, de modo que o presente texto se limita a tratar sobre a realidade de muitos casos que se repetem nas famílias brasileiras. Afinal, o relato da atriz infelizmente não representa nada novo sob o sol.

Isto porque, no Brasil o abandono (seja afetivo, material, intelectual) e falta de comprometimento paterno é uma realidade cotidiana, naturalizada pela sociedade machista e patriarcal que nos é bastante conhecida. No ano de 2022, dos 2.568.943 de registros de nascidos vivos, 165.308 não constam o nome dos pais em seus documentos [3] — isso sem contar os inúmeros casos de pais que registram, mas não prestam nenhuma assistência. Além disso, o número de prisões por dívida de pensão alimentícia aumentou nos últimos anos, sendo que, em alguns estados, como São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, o número de prisões ocorridas no primeiro semestre de 2022 superaram todas as ocorridas durante o ano de 2021 [4].

Tendo esse cenário em vista, nota-se a relevância de disseminar o conhecimento sobre alimentos e guarda no Brasil, a ausência de pagamento da pensão alimentícia já fixada, o uso das redes sociais como forma de denúncia e do judiciário como forma de revanchismo contra a genitora, com o objetivo silenciar que mulheres que se encontram em situação semelhante possam reivindicar seus direitos.

No Brasil, o direito da guarda e convivência de filhos menores está disciplinado no Código Civil, consistindo no exercício do poder familiar, cujo regime poderá ser fixado de forma consensual ou mediante decisão judicial. A guarda — que não se confunde com convivência — poderá ser unilateral ou compartilhada, sendo a primeira a atribuição a apenas um dos genitores ou alguém que o substitua, e a segunda a guarda conjunta, com a responsabilização de ambos no exercício de direitos e deveres dos filhos comuns.

Isso significa que o sustento, o cuidado e a educação devem ser assumidos por ambos os pais, haja vista que o artigo 5º do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069 de 1990) prevê de que nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.

A convivência, por sua vez, é um direito da criança de convívio com ambos os pais, o que não necessariamente quer dizer que o tempo da criança será igualitariamente dividido entre eles e esse tempo de qualidade poderá acontecer de forma presencial e/ou virtual a depender do caso concreto.

Caso a guarda e convivência não sejam bem delineadas entre os pais, poderá acontecer sofrimento dos próprios filhos — como quando há promessas nunca cumpridas para a criança ou expectativas frustradas de convivência — podendo representar um verdadeiro instrumento de poder e controle sobre as mulheres, que exercem o trabalho de cuidado com os filhos de forma quase que exclusiva.

Recentemente, veio à tona mais uma polêmica no que diz respeito ao descompromisso paterno com uma postagem do ator Luis Navarro ao anunciar a separação da dançarina Ivi Pizzotti, casados há sete anos, tendo duas filhas, Kali (4 anos) e Zuri (4 meses) — tendo sido a filha mais nova fruto de planejamento do casal [5]. Ao revelar a separação nas redes sociais, escreveu:

"Eu me encontro confuso com a vida e tomei a decisão de reencontrar a minha essência e pra isso precisei dar um tempo no relacionamento. Não lembro a última vez que fiquei sozinho para refletir, que li um livro ou que me olhei no espelho e me orgulhasse de mim. Preciso me reconectar comigo para poder voltar mais forte. Talvez seja tarde, mas tudo bem [6]."

De acordo com a pesquisa Primeiríssima Infância: Cheche [7], cerca de 89% das crianças de 0 a 3 anos são cuidadas pelas mães, somente em 5% dos casos o pai é o responsável e em outros 5% o responsável não é um dos pais (avó, tia, outros). Isso significa que atividades como brincar, alimentar, cozinhar, dar banho, trocar a fralda, levar ao médico, lavar as roupas, arrumar a casa, levar à escola, ajudar nas tarefas escolares, dentre outras atividades que contemplam o trabalho de cuidado são, em sua maioria, desempenhadas por mulheres em flagrante disparidade de gênero.

O trabalho de cuidado que é atribuído às mulheres em relação as tarefas domésticas, a criação dos filhos, o cuidado com os idosos, apesar de integrar substancialmente a carga de trabalho semanal das mulheres, não é tido como trabalho propriamente dito, posto não ser dotado de valor de trabalho, notadamente por ser historicamente desenvolvido pelas mulheres no seio de uma sociedade patriarcal que invisibiliza o trabalho de cuidado — afinal, como afirmou a autora Silva Frederic, "o que eles chamam de amor, nós chamamos de trabalho não pago" [8].

Ademais, no que se refere aos alimentos, tanto o Código Civil quanto a Lei 5.478/1968 (Lei de alimentos) tratam sobre o assunto. Em suma, os alimentos devem ser fixados respeitando a capacidade financeira de quem pode fornecê-los e a necessidade de quem deles precisa, nos termos do artigo 1.694, §1º, Código Civil.

O valor de alimentos deve abarcar, não apenas o caráter alimentar em si, como também visa garantir a educação, moradia, lazer, saúde, transporte, vestuário, sobretudo quando se trata de uma criança muito nova — cuja necessidade é presumida — que gera despesas expressivas em razão do excessivo roupas, remédios, brinquedos, médicos não cobertos pelo plano de saúde, além da possibilidade de querer apoio de uma babá para que a mãe possa seguir inserida no mercado de trabalho, mensalidade escolar e material escolar.

É importante esclarecer que não são conhecidos detalhes acerca do caso além daqueles relatados pela atriz em suas redes sociais, tampouco tivemos acesso ao processo judicial, que certamente corre em segredo de justiça, de modo que o presente texto se limita a tratar sobre a realidade de muitos casos que se repetem nas famílias brasileiras. Afinal, o relato da atriz infelizmente não representa nada novo sob o sol.

Isto porque, no Brasil o abandono (seja afetivo, material, intelectual) e falta de comprometimento paterno é uma realidade cotidiana, naturalizada pela sociedade machista e patriarcal que nos é bastante conhecida. No ano de 2022, dos 2.568.943 de registros de nascidos vivos, 165.308 não constam o nome dos pais em seus documentos [3] — isso sem contar os inúmeros casos de pais que registram, mas não prestam nenhuma assistência. Além disso, o número de prisões por dívida de pensão alimentícia aumentou nos últimos anos, sendo que, em alguns estados, como São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, o número de prisões ocorridas no primeiro semestre de 2022 superaram todas as ocorridas durante o ano de 2021 [4].

Tendo esse cenário em vista, nota-se a relevância de disseminar o conhecimento sobre alimentos e guarda no Brasil, a ausência de pagamento da pensão alimentícia já fixada, o uso das redes sociais como forma de denúncia e do judiciário como forma de revanchismo contra a genitora, com o objetivo silenciar que mulheres que se encontram em situação semelhante possam reivindicar seus direitos.

No Brasil, o direito da guarda e convivência de filhos menores está disciplinado no Código Civil, consistindo no exercício do poder familiar, cujo regime poderá ser fixado de forma consensual ou mediante decisão judicial. A guarda — que não se confunde com convivência — poderá ser unilateral ou compartilhada, sendo a primeira a atribuição a apenas um dos genitores ou alguém que o substitua, e a segunda a guarda conjunta, com a responsabilização de ambos no exercício de direitos e deveres dos filhos comuns.

Isso significa que o sustento, o cuidado e a educação devem ser assumidos por ambos os pais, haja vista que o artigo 5º do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069 de 1990) prevê de que nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.

A convivência, por sua vez, é um direito da criança de convívio com ambos os pais, o que não necessariamente quer dizer que o tempo da criança será igualitariamente dividido entre eles e esse tempo de qualidade poderá acontecer de forma presencial e/ou virtual a depender do caso concreto.

Caso a guarda e convivência não sejam bem delineadas entre os pais, poderá acontecer sofrimento dos próprios filhos — como quando há promessas nunca cumpridas para a criança ou expectativas frustradas de convivência — podendo representar um verdadeiro instrumento de poder e controle sobre as mulheres, que exercem o trabalho de cuidado com os filhos de forma quase que exclusiva.

Recentemente, veio à tona mais uma polêmica no que diz respeito ao descompromisso paterno com uma postagem do ator Luis Navarro ao anunciar a separação da dançarina Ivi Pizzotti, casados há sete anos, tendo duas filhas, Kali (4 anos) e Zuri (4 meses) — tendo sido a filha mais nova fruto de planejamento do casal [5]. Ao revelar a separação nas redes sociais, escreveu:

"Eu me encontro confuso com a vida e tomei a decisão de reencontrar a minha essência e pra isso precisei dar um tempo no relacionamento. Não lembro a última vez que fiquei sozinho para refletir, que li um livro ou que me olhei no espelho e me orgulhasse de mim. Preciso me reconectar comigo para poder voltar mais forte. Talvez seja tarde, mas tudo bem [6]."

De acordo com a pesquisa Primeiríssima Infância: Cheche [7], cerca de 89% das crianças de 0 a 3 anos são cuidadas pelas mães, somente em 5% dos casos o pai é o responsável e em outros 5% o responsável não é um dos pais (avó, tia, outros). Isso significa que atividades como brincar, alimentar, cozinhar, dar banho, trocar a fralda, levar ao médico, lavar as roupas, arrumar a casa, levar à escola, ajudar nas tarefas escolares, dentre outras atividades que contemplam o trabalho de cuidado são, em sua maioria, desempenhadas por mulheres em flagrante disparidade de gênero.

O trabalho de cuidado que é atribuído às mulheres em relação as tarefas domésticas, a criação dos filhos, o cuidado com os idosos, apesar de integrar substancialmente a carga de trabalho semanal das mulheres, não é tido como trabalho propriamente dito, posto não ser dotado de valor de trabalho, notadamente por ser historicamente desenvolvido pelas mulheres no seio de uma sociedade patriarcal que invisibiliza o trabalho de cuidado — afinal, como afirmou a autora Silva Frederic, "o que eles chamam de amor, nós chamamos de trabalho não pago" [8].

Ademais, no que se refere aos alimentos, tanto o Código Civil quanto a Lei 5.478/1968 (Lei de alimentos) tratam sobre o assunto. Em suma, os alimentos devem ser fixados respeitando a capacidade financeira de quem pode fornecê-los e a necessidade de quem deles precisa, nos termos do artigo 1.694, §1º, Código Civil.

O valor de alimentos deve abarcar, não apenas o caráter alimentar em si, como também visa garantir a educação, moradia, lazer, saúde, transporte, vestuário, sobretudo quando se trata de uma criança muito nova — cuja necessidade é presumida — que gera despesas expressivas em razão do excessivo roupas, remédios, brinquedos, médicos não cobertos pelo plano de saúde, além da possibilidade de querer apoio de uma babá para que a mãe possa seguir inserida no mercado de trabalho, mensalidade escolar e material escolar.

É importante mencionar que o não pagamento da pensão alimentícia já fixada dá ao alimentante (leia-se, aqui, criança ou adolescente, representada por seu responsável) a possiblid/ade de pleitear a execução de seus direitos pelo rito expropriatório ou sob o rito da prisão civil do devedor (artigo 528 do CPC). Além disso, em muitos casos o atraso ou não pagamento dos alimentos, sem justa causa, poderá incorrer no crime de abandono material (artigo 244 do CP) [9], além das perdas e danos, já tendo o STJ se manifestado favoravelmente a fixação de danos morais passíveis de compensação pecuniária [10].

Não se pode esquecer ainda que, para além de prejudicar o pleno desenvolvimento de crianças e adolescentes, o atraso injustificado e ausência de pagamento de pensão alimentícia pode ser caracterizada como violência patrimonial (prevista na Lei Maria da Penha, em artigo 7º, IV, como "qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades) também contra a mãe, já que compromete diretamente a subsistência de mulheres que acabam sobrecarregadas e são obrigadas a investir tudo o que tem no custeio integral (seja financeiro, energético e emocional) na criação dos seus filhos, sem qualquer tipo de suporte — muitas sequer têm condições de buscar ou se manter em empregos formais (o que atinge, na maioria das vezes, mulheres negras), tendo sérios e visíveis impactos psicológicos e físicos".

Sobre o assunto, destaca-se o Enunciado nº 34 do Instituto Brasileiro de Direito de Família (Ibdfam) que orienta:

É possível a relativização do princípio da reciprocidade, acerca da obrigação de prestar alimentos entre pais e filhos, nos casos de abandono afetivo e material pelo genitor que pleiteia alimentos, fundada no princípio da solidariedade familiar, que o genitor nunca observou [11].

Ademais, no que tange ao uso das redes sociais para denunciar a ausência do pagamento de pensão alimentícia — sobretudo nos casos em que o responsável em dívida não deixa de ostentar na internet [12] —, não há, no Brasil, proibição. No entanto, a mãe precisa se atentar para não expor o devedor ao ridículo, nem ter a intenção de prejudicá-lo, sob pena de incorrer em danos morais ou ser indiciada por calúnia e difamação.

É indispensável que a denúncia online se limite — de forma expressa — a reivindicação dos direitos dos filhos comuns, não ao prejuízo proposital do devedor.Por fim, esclarecido o panorama acima, é preciso que mães solos e juristas atuantes na área (a quem se dirige o presente texto) se atentem para a possibilidade de estar havendo, em casos concretos, a utilização do judiciário para violentar mulheres.

Para além das formas de violências elencadas no artigo 7º da Lei Maria da Penha — quais sejam física, psicológica, patrimonial, moral e sexual — muito se tem falado sobre o assédio processual [13] e a litigância abusiva, sendo essa última atrelada a violência de gênero e até mesmo racial (já que mulheres negras sofrem ainda mais com a desqualificação das suas maternidades por todos os estereótipos racistas a elas impostos), que pode ser apresentar em ofensas pessoais que atacam diretamente a honra e a credibilidade de mulheres; ajuizamento de ações desnecessárias; disputa por guarda unilateral; acusações de alienação parental; ocultação de patrimônio; ameaças e intimidações como comportamentos comuns nos processos judiciais de família. Em suma, condutas atreladas a má-fé processual com enfoque em questões de gênero, raça e classe.

Apesar de pouco debatida no judiciário brasileiro, a litigância abusiva é objeto de diversas pesquisas internacionais, sobretudo quando se fala em violência contra a mulher e direitos humanos. A partir da coleta de informações dos estudos "In Her Words: Recognizing and Preventing Abusive Litigation Against Domestic Violence Survivors" e "Abusive litigation: when your abuser exploits the legal system", dentre as táticas de litigância abusiva existem as que tornam o litígio longo, caro e constrangedor para a mulher, o que as afeta emocional e psicologicamente.

Não por acaso é o que acontece corriqueiramente no judiciário brasileiro, onde a mãe é amplamente ofendida, tem sua imagem pintada como gananciosa, interesseira, insensata, leviana e irresponsável pelo simples fato de estar buscando ao menos informações sobre o que é seu por direito e, quando chega a reivindicar os seus direitos (ou os dos seus filhos), passa a ser ressentida, vingativa, louca (ditas como as que utilizam os seus filhos contra instrumento contra os seus pais) e tem até mesmo as suas sexualidades exploradas (tendo fotos nuas e/ou de biquíni, em festas ou com seus atuais companheiros juntadas aos autos) para a construção da narrativa de que são promíscuas sexualmente e, por isso, incapazes de cuidar dos seus filhos, vez que o "ideal materno" não comporta exibição de seus próprios corpos, atividades de lazer sem os seus filhos e muito menos envolvimento afetivo e sexual com outros parceiros e parceiras — tudo em reforços de estereótipos de gênero.

Sobre isto, é importante trazer que o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, do CNJ [14], afirma que estereótipos:

"[...] traduzem visões ou pré-compreensões generalizadas sobre atributos ou características que membros de um determinado grupo têm, ou sobre os papéis que desempenham ou devem desempenhar, pela simples razão de fazerem parte desse grupo em particular, independentemente de suas características individuais."

No mesmo sentido, este mesmo protocolo citado tem orientado os magistrados não apenas no julgamento em si, como na instrução processual. Vejamos:

"Por isso a importância da análise jurídica com perspectiva de gênero, com a finalidade de garantir processo regido por imparcialidade e equidade, VOLTADO À ANULAÇÃO DE DISCRIMINAÇÕES, PRECONCEITOS E AVALIAÇÕES BASEADAS EM ESTEREÓTIPOS EXISTENTES NA SOCIEDADE, QUE CONTRIBUEM PARA INJUSTIÇAS E VIOLAÇÕES DE DIREITOS FUNDAMENTAIS DAS MULHERES. As instituições devem se atentar para os princípios da igualdade e da dignidade da pessoa ao tratar dos direitos humanos de mulheres e meninas, como determinado na Constituição Federal. Analisar e julgar uma ação com perspectiva de gênero nas relações assimétricas de poder significa aplicar o princípio da igualdade, como resposta à obrigação constitucional e convencional de combater qualquer tipo de discriminação de gênero, garantindo o real acesso à justiça com o reconhecimento de desigualdades históricas, sociais, políticas, econômicas e culturais para a preservação do princípio da dignidade humana das mulheres e meninas."

É importante que profissionais do Direito entendam que estes estereótipos são construções sociais e que ocorrem também dentro dos núcleos familiares, se expandindo para como mulheres e mães são ditas e vistas também pelo poder judiciário, já que são capazes de fomentar a construção de julgados que atentam contra as suas dignidades.

Relembramos, que, o já citado Protocolo orienta e autoriza que, caso situações ofensivas, violentas e vexatórias como estas sejam verificadas em peças processuais ou no curso de audiências, pode o Juízo determinar que sejam riscadas/apagados as palavras ofensivas, interrompidos os atos processuais e até mesmo impor de restrição, multa e condenação por ato atentatório à justiça, sem prejuízo de ordem para que a peça ou imagem ofensiva seja retirada dos autos.

Nunca é demais também lembrar que o Brasil é signatário de diversos instrumentos internacionais que visam a proteção das mulheres, a exemplo a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará — Decreto 1.973/1996) e Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (Cedaw — Decreto 4.377/2002).

Acerca da Cedaw, é importante ressaltar que, em 2015, o seu Comitê publicou a Recomendação Geral 33 analisando os obstáculos que impedem as mulheres na busca e acesso à justiça. Esta recomendação sinaliza que as mulheres devem contar com um sistema de justiça livre de estereótipos e um judiciário cuja imparcialidade não seja comprometida por pressupostos tendenciosos, sendo um passo crucial para a garantia de igualdade e justiça para vítimas e sobreviventes.

Esse tipo de escárnio, de conduta misógina na prática familista com requintes de crueldade e sadismo contra as mulheres, não é compatível com a boa técnica e com os princípios fundamentais basilares da Constituição Brasileira e dos diversos Tratados Internacionais que versam sobre proteção às mulheres e direitos humanos, os quais o Brasil é signatário.

*Lize Borges é advogada, professora de Direito Civil de graduação e pós graduação, especialista em Direito Civil pela Faculdade Baiana de Direito, mestra em Família na Sociedade Contemporânea pela Universidade Católica do Salvador, doutoranda em direito pela Universidade Federal da Bahia, presidente da Comissão de Direito Internacional do IBDFAM/BA e presidente do Instituto Baiano de Direito e Feminismos (IBADFEM).

*Carolina Dumet é estudante de Direito da Faculdade de Direito da UFBa, secretária-geral e diretora de eventos do Instituto Baiano de Direito e Feminismos (IBADFEM).

*Andreza Santana é advogada, especializada em Direitos de Gestantes e Mães no Âmbito Familiar, Violência Obstétrica e Direitos do Ciclo-gravídico-puerperal, em Direito Civil e Direito Processual Civil e em Direito Médico e da Saúde pela Legale Educacional e membra do Instituto Baiano de Direito e Feminismos (IBDFEM).

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