Santo Antônio de todos nós
Confira artigo publicado na edição desta quarta-feira do Jornal A TARDE
Com Deus eu me deito, com Deus me levanto. Me encomendo a Deus e à Virgem Maria, Santo Antônio na minha guia! Com estas palavras o meu bisavô Manoel Abílio de Jesus, caboclo nascido em 1886, fazendo o sinal da cruz sobre o seu travesseiro, costumava encomendar-se a Deus antes de deitar-se e também ao acordar. Confesso não preservar o mesmo hábito com tanta assiduidade, mas neste período de junho, que o nosso querido J. Veloso tão bem definiu, como “tempo sagrado na minha Bahia”, a lembrança do Taumaturgo Lisboeta ganha ainda mais brilho e intensidade.
Tamanha é a sua popularidade e múltipla identificação, que no passado, Antônio talvez tenha sido o único português a escapar totalmente incólume dos revanchistas movimentos de “Mata Marotos” seguidos após a independência em 1823 e sem precisar negar a sua origem nacional porque ele era sem nenhuma contradição amado e invocado por portugueses e baianos!
Mons. Elpídio Tapiranga em hino por ele composto diz ser Santo Antônio “o santo mais amado pelo povo brasileiro”. Na minha família, posso afirmar que, pelo menos há cinco gerações, a devoção a ele é mantida, sendo sempre atualizada, renovada e porque não adaptada aos novos tempos e às circunstâncias da vida. Recordo por exemplo, os dolorosos anos de 2020 e 2021, em que através de lives, feitas pela paróquia de Santo Antônio Além do Carmo, já que o isolamento em virtude da pandemia de Covid era a tônica, pude acompanhar e rezar todas noites da trezena, preservando a fé e a vida.
Outra peculiaridade é o fato de que o pacífico franciscano, há 400 anos invocado para defender a Bahia pelo imperador da língua portuguesa, Pe. Antônio Vieira, aqui ganhou fama de guerreiro e até patente de tenente-coronel, sentando praça a sua imagem no forte que batiza, no limite norte da Baía de Todos-os-Santos, para melhor guarnecer a sua gente. E houve quem jurasse tê-lo visto de espada à mão a expulsar os invasores holandeses! Naturalmente, disso não posso dar testemunho, mas é imenso o meu rosário de graças obtidas pela sua preciosa intercessão.
Nesta longa relação de devoção e amizade o “insigne taumaturgo” é às vezes, prosaicamente, por mim chamado de Toinho, tamanha a intimidade que o afeto permite. E para mim, depois de 21 de Itaparica, o lusitano enegreceu a sua face também atendendo pelo nome de Ogum. E antes que os patrulheiros anti-sincretismo venham com seus inflamados discursos, declaro: a mim pouco importa se um nasceu em Portugal e outro em África, porque no altar da minha baiana devoção eles tornaram-se um só e para mim está dando certo!
Dedico estas linhas a todos que mantém acesa em lares e templos tão linda e tão nossa devoção e ao meu sobrinho, Antônio Ayo, que, baianamente, une em seu nome Lusitânia e África. Amém! Axé!
*Advogado, pesquisador da história baiana, associado do IGHB, da Associação Maria Felipa e ex-presidente do Conselho de Cultura de Itaparica