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Tricentenário da Ave Maria

Composição foi elaborada em 1722 pelo compositor alemão Johann Sebastian Bach

Publicado quarta-feira, 09 de novembro de 2022 às 17:36 h | Autor: Marcio Luis Ferreira Nascimento*
Imagem ilustrativa da imagem Tricentenário da Ave Maria
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Uma das mais conhecidas melodias celebra três séculos em 2022. Conhecida por “Ave Maria”, tal composição foi elaborada em 1722 pelo inigualável compositor alemão Johann Sebastian Bach (1685 - 1750).

Nas rádios de muitas cidades Brasil afora, em especial em Salvador, Bahia, há um admirável momento às 18 horas - um belo instante de fé e reflexão quando tais acordes de Bach são tocados, mais precisamente o conhecido Prelúdio número 1 em C maior, BWV 846, do Livro I da obra “O Cravo Bem Temperado”.

Um século depois do passamento de Bach, o compositor francês Charles Gounod (1818 - 1893), inspirado nos acordes bachianos, compôs em 1853 a obra de título: “Meditação do Primeiro Prelúdio de Piano de S. Bach”, esta sim conhecida popularmente como “Ave Maria”, pois trata-se de uma cantata.

Também chamada de “Saudação Angélica”, apresenta uma interessante estrutura musical. Seu tema (ou núcleo) principal é recorrentemente repetido, repetido e repetido, mas não do mesmo jeito. Tal estrutura em forma sonora tem similaridade com diagramas e esquemas visuais que os matemáticos denominam de fractais.

Tal termo provém do latim ‘fractus’, significando quebrado ou irregular, e foi definido pelo matemático franco-polonês Benoît B. Mandelbrot (1924 - 2010) no livro “A Geometria Fractal da Natureza” de 1982.

É possível construir fractais apenas utilizando lápis e papel. Para começar, pode-se partir de um simples triângulo equilátero (ou seja, com três lados iguais). Ao unir os pontos médios de cada lado do triângulo, formam-se quatro novos triângulos menores. Desconsiderando o triângulo menor e central, basta levar em conta apenas os três triângulos restantes. Ao se repetir, repetir e repetir o procedimento anterior em cada um dos novos triângulos obtidos obtém-se um fractal.

Esta propriedade recursiva consiste numa das principais dos fractais, denominada autossimilaridade, que significa basicamente uma semelhança em qualquer escala, ou seja, uma pequena parte representando o todo.

Muitos artistas de diferentes estilos, culturas e línguas ao longo de séculos têm gravado a “Ave Maria” de Gounod com base na melodia de Bach, incluindo a bela homenagem do maestro, cantor e compositor brasileiro Geronimo Santana Duarte (n. 1953), que acrescentou elementos africanos como agogôs, atabaques e pandeiros a esta composição clássica, dando à mesma novo vigor e acrescentando novos significados.

O fato interessante da “Ave Maria” consiste na repetição de um particular tema durante toda a canção, que os matemáticos reconhecem por autossimilaridade, ao repetir, repetir e repetir... como se fosse uma espécie de fractal sonoro. Em termos simples, todo fractal consiste em objeto que pode ser dividido em partes, cada uma semelhante ao objeto original, reduzido infinitamente em escala.

O mais curioso é que fractais podem descrever o mundo da forma como ele é, pois os objetos mundanos não são totalmente puros, macios e lisos. Muitos são ásperos, irregulares e descontínuos. Como já havia afirmado Mandelbrot em seu extraordinário livro, não existem laranjas esféricas, e a luz dos relâmpagos não viaja em linha reta, assim como a casca das árvores não é lisa. A natureza fractal se manifesta no gotejar das torneiras, nas batidas do coração, nas ramificações dos vasos sanguíneos, nas mudanças do clima ou do mercado financeiro, e mesmo na “Ave Maria”. Com os fractais podemos celebrar a verdadeira geometria da natureza, a anunciação de uma nova matemática a desvelar as belezas ocultas do universo. Agora e para todo sempre. Amém.

*Professor da Escola Politécnica, Departamento de Engenharia Química da UFBA e membro associado do Instituto Politécnico da Bahia

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