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A Tarde Memória

Por Priscila Dórea*

ACERVO DA COLUNA
Publicado sábado, 06 de setembro de 2025 às 3:06 h | Autor:

A via que mudou Salvador: 110 anos da Avenida Sete

Inaugurada em 1915, objetivo era modernizar a cidade frente a outras metrópoles

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Vista da Avenida Sete nos anos 1970
Vista da Avenida Sete nos anos 1970 -

A Avenida Sete de Setembro, inaugurada em 1915, é uma memória viva de Salvador, um retrato síntese de tudo o que a cidade representa. Aberta como parte de um ousado projeto de modernização urbana, a via que completa 110 anos neste final de semana, conecta o Farol da Barra à Praça Castro Alves. Seus quase 5km cortam diferentes bairros da cidade, criando um passeio cultural que entrega história, tradição popular, construções centenárias, vista para o mar e um disputado comércio de rua.

Tradicional e de enorme valor simbólico, a Avenida Sete começa no Farol da Barra, sobe a Ladeira da Barra, percorre o Corredor da Vitória, passa pelo Campo Grande, corre lado a lado com a Avenida Carlos Gomes e termina na Praça Castro Alves, ali na beirada da antiga sede de A TARDE (onde hoje funciona o Hotel Fasano), no coração do Centro Histórico. Cada trecho tem características diferentes e muito próprias, fáceis de identificar até mesmo por quem não é muito versado em baianidade ou na cultura soteropolitana.

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Por causa da extensão e das muitas localidades que atravessa, durante décadas a Avenida Sete de Setembro - junto à Rua Chile -, foi o principal centro comercial da capital, mas também muito cobiçada pela elite, que encontrava nas ruas largas e arborizadas do Corredor da Vitória, por exemplo, o lugar ideal de moradia.

"E olha que nem havia essa valorização da vista para o mar que temos hoje. Mas a região tinha uma série de vantagens que as ruas estreitas de Nazaré e do Centro Histórico não tinham", explica Nivaldo Andrade, professor da Faculdade de Arquitetura da UFBA.

O Corredor da Vitória está entre os trechos da Avenida Sete que receberam nomes específicos, assim como a Ladeira da Barra. Popularmente, nos habituamos a chamar de Avenida Sete todas as ruas da área central, entre o Campo Grande e a Praça Castro Alves, ou seja, a parte mais comercial. Esses endereços mais chiques, no entanto, também são parte da via centenária.

Comparando com os tempos áureos após a inauguração, a parte 100% comercial da Avenida Sete decaiu nos últimos 50 anos, com o surgimento dos shopping centeres na cidade. Mas, a região ainda permanece agitada pelo comércio intenso, principalmente o mais popular.

Arquitetura eclética

Obras da Avenida Sete de Setembro em Janeiro de 1915
Obras da Avenida Sete de Setembro em Janeiro de 1915 | Foto: Cedoc A TARDE / 25-01-1915

A abertura da Avenida Sete em 1915 significou o fortalecimento da arquitetura eclética em Salvador, aponta o professor Nivaldo Andrade. "Construções neogóticas e com outras variações do ecletismo vão surgir ao longo da avenida, dando uma nova cara para a cidade, muito semelhante ao que havia acontecido 10 anos antes no Rio de Janeiro", explica o arquiteto.

Foi a remodelação do Rio de Janeiro que inspirou o então governador da Bahia, J. J. Seabra, a abraçar o projeto de abertura da Avenida Sete de Setembro, criando uma via alargada a partir de ruas menores já existentes no Centro antigo da cidade. Antes de se eleger mandatário da Bahia, Seabra fez parte do governo federal e ocupou o cargo de Ministro da Justiça e Negócios Interiores (1902 a 1906) e Ministro da Viação e Obras Públicas (1910 a 1912). Foi a partir da janela de seu escritório, no Rio de Janeiro, que ele viu as mudanças na então capital do país, no começo do século XX.

Na época, a América Latina como um todo queria se modernizar, deixar de lado o passado colonial português e espanhol. Em Salvador, essa herança era especialmente forte porque a cidade foi a primeira capital do Brasil e manteve esse posto por 237 anos, praticamente em toda a época colonial. As cidades latinas queriam respirar os ares de Paris e a capital baiana entrou na onda.

"Quando J. J. Seabra assumiu o governo da Bahia, em 1912, começou a implementar algo parecido com o que vinha sendo feito em várias cidades brasileiras. Paris era a grande referência e esse planejamento passa por um ideal de modernização que está ligado à ideia de civilização: ruas mais retas e largas, pensando na questão do fluxo, estética, embelezamento, vegetação e iluminação pública, que quase não existia até então", explica Nivaldo Andrade.

Endereço cobiçado

Movimentação para compras de final de ano na Av. Sete
Movimentação para compras de final de ano na Av. Sete | Foto: Shirley Stolze / Cedoc A TARDE / 24-12-1995

Com a obra da Avenida Sete em andamento, aquela área do Centro de Salvador entrou no radar de entidades como a Associação dos Empregados do Comércio. No dia 30 de setembro de 1913, reportagem de A TARDE noticiou um flagra em meio ao canteiro: "Encontramos hontem à tarde, nas proximidades da área onde foi a igreja de São Pedro, hoje demolida, o sr. Alberto Martins Catharino, examinando, medindo a passos, ora de um, ora de outro lado, os terrenos daquellas visinhanças, por entre os quaes está feito o traçado de uma nova avenida 7 de Setembro. Era o presidente da Associação dos Empregado no Commercio quem ali estava e estudava o local aonde seria edificada a nova sede social da prospera corporação", informa o texto.

Perguntado se o edifício seria grandioso, o então presidente respondeu: "Grandioso não direi. Mas que não desapparecerá ao lado dos demais da Avenida, em construção". Alguns anos depois, no dia 30 de dezembro de 1917, ele inaugurou a sede da Associação dos Empregados do Comércio da Bahia (AECB) onde hoje está o Palacete Tira-Chapéu.

Nem tudo, no entanto, deu certo de primeira na abertura da Avenida Sete. Outro flagra de A TARDE, esse de 3 de abril de 1915, traz uma fotolegenda mostrando uma cratera enorme aberta em um trecho da obra que estava em vias de ser finalizada. Na imagem preservada na página do jornal daquele dia, operários posam ao lado do buraco imenso aberto pela força no mar após um temporal. A legenda diz: “A força do mar agitado botou abaixo 30 metros da Avenida Sete, no trecho que levava ao Pharol da Barra”.

Demolições em nome do progresso

Registro raro em edição de 1915 mostra cratera aberta em pista pela força da maré durante obra no trecho do Farol da Barra
Registro raro em edição de 1915 mostra cratera aberta em pista pela força da maré durante obra no trecho do Farol da Barra | Foto: Cedoc A TARDE / 03-04-1915

Apesar do desejo por modernidade marcar o ritmo das obras da nova avenida, as reformas para criar a Avenida Sete de Setembro na década de 1910 causaram também alguma comoção e reclamações por causa da derrubada de mais de 300 imóveis, incluindo igrejas e sobrados históricos.

No estudo de caso "As Gran Vías Espanholas e as Grandes Avenidas Brasileiras: Entre Projetos, Reconfigurações e Transformações Urbanas", a mestre em arquitetura Isadora Novaes Schefler Barbosa Costa explica que muitos proprietários resistiram às demolições no Centro de Salvador. "Foi uma dificuldade constantemente enfrentada por J. J. Seabra (...), pois consideravam as indenizações de valores muito aquém do que os imóveis valiam", explica a arquiteta, citando como exemplo um proprietário na região das Mercês, que só permitiu a derrubada de metade de um imóvel, "pois alegava ter recebido apenas metade da indenização devida e temia sofrer um calote".

Entre as construções históricas totalmente demolidas para a passagem da Avenida Sete de Setembro está a Igreja de São Pedro Velho, que deu lugar à Praça Barão de Rio Branco, onde hoje está o Relógio de São Pedro. Uma nova igreja dedicada ao padroeiro foi construída na Praça da Piedade.

Já entre as parcialmente demolidas estão a Igreja do Rosário (1746) e o Convento das Mercês (1735). Uma história curiosa é a do Mosteiro de São Bento, que somente permaneceu de pé pela luta dos monges e expoentes da alta sociedade da época. Para preservar o monumento, o traçado da avenida contornou o complexo beneditino.

“O Mosteiro de São Bento tem um abade que era uma liderança religiosa e social, na época, muito importante. Com o apoio de parte da elite soteropolitana, da sociedade, ele conseguiu impedir a demolição. E aí foi a avenida que teve que se adequar às edificações existentes”, conta o professor Nivaldo.

Segundo ele, na época em que as obras da Avenida Sete ocorreram não havia ainda a noção de preservação de patrimônio histórico. O Iphan, na época Sphan – Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional -, só foi criado entre 1936 e 1937.

Nas páginas do jornal

Vista da Avenida Sete nos anos 1980
Vista da Avenida Sete nos anos 1980 | Foto: Cedoc A TARDE / 24-03-1908

A TARDE acompanhou em detalhes as obras da Avenida Sete, que começaram em 1912 e se estenderam por quase três anos. O jornal manteve os leitores informados de cada etapa, relatando as demolições, novas construções, embargos aos quais as obras eram submetidas, as intempéries e o custo para os cofres públicos.

Um dia antes da inauguração, em 6 de setembro de 1915, chamada de capa apontava que a avenida "custou-nos os olhos da cara”, em referência ao preço final da obra. O jornal também fala do quanto a abertura da via mobilizou a população, que acorreu em peso ao evento realizado em meio às comemorações da Independência do Brasil.

"A data da emancipação política do Brasil teve, hontem, solemnes e ruidosas commemorações. [...] Toda a gente passou o dia alegremente, achando as festas muito boas e a avenida muito melhor (...) A iluminação, então, esteve digna de todos os elogios e chegou mesmo a nos embasbacar", diz trecho da reportagem publicada no dia 8.

A partir dos anos 1940, de modo incipiente, mas, principalmente, nos anos 50, 60 e 70, a avenida se tornou um dos eixos de verticalização de Salvador. "Temos marcos como o edifício Fundação Politécnica, que liga a Avenida Sete com a Carlos Gomes e com uma galeria que permite você atravessar de uma para outra. Há o edifício Barão de Rio Branco, próximo ao relógio de São Pedro, que foi feito pelo maior arquiteto brasileiro dos anos 1950, Oscar Niemeyer. [Um projeto] que ele nem assina, pois na época estava envolvido em vários projetos como o Copan em São Paulo, mas sabemos que é dele", conta o professor Nivaldo Andrade.

Da maresia do Porto da Barra à brisa arborizada da Vitória, passando pela efervescência do comércio de rua e caindo nos braços do poeta no meio da praça, a Avenida Sete de Setembro concentra grande parte dos equipamentos culturais da cidade. "Temos uma série de cinemas de arte e museus, o Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, o Gabinete Português de Leitura, a Aliança Francesa, o Instituto Cervantes, o Teatro Castro Alves, o Teatro Vila Velha... E muitos outros equipamentos ao longo ou a poucos passos. É o nosso corredor cultural", afirma o arquiteto e professor da Ufba.

Um corredor cultural que também é palco de muitas festas, incluindo a maior de todas na cidade, o Carnaval. "Embora tenha decaído há alguns anos, o Carnaval do Centro está retomando o fôlego e sempre foi um circuito extremamente importante. A Avenida Sete se transforma todo ano durante alguns dias para receber essa grande festa. Ela é virada ao avesso e vira uma outra coisa, que não é a avenida do passado, nem a do presente ou do dia a dia, mas é uma Avenida Sete de Setembro que é recriada, temporariamente, a cada ano", reflete Nivaldo Andrade.

Chamada de capa sobre o custo da abertura da Av. Sete para os cofres públicos

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Crédito: Cedoc A TARDE / 06-09-1915

Manchete com as inaugurações de 7 de Setembro de 1915, incluindo a obra da Av. Sete

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Crédito: Cedoc A TARDE / 08-09-1915

*Com as colaborações de Andreia Santana e Tallita Lopes

*Os trechos retirados das edições históricas de A TARDE respeitam a grafia da época em que as reportagens foram originalmente publicadas

*Material elaborado com base no acervo do CEDOC/A TARDE

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