Arraiá da Capitá inaugurou modelo de convergência dos canais A TARDE
Há 35 anos o jornal A TARDE e A TARDE FM realizaram o Arraiá da Orla, evento que tinha uma proposta ousada: reproduzir em ambiente fechado a comemoração de São João. Naquele período, como ainda hoje acontece, as comemorações pelo interior da Bahia atraíam vários dos moradores da capital. As festas de São João em Salvador tinham a característica de festejos mais localizados, em bairros como a Ribeira, nos moldes das cidades que não têm os grandes espetáculos. A celebração dessa forma consiste na fogueira acesa na porta de casa e compartilhamento com os vizinhos dos pratos típicos da festa. Reproduzir esse modelo mais antigo aliado a shows era, portanto, algo novo. Uma prática parecida até então ocorria geralmente nas festas pré-carnavalescas, mas no âmbito dos festejos juninos consistiam em novidade. A proposta deu certo e, no ano seguinte, o evento estava sedimentado e com nome que se tornaria uma referência em produtos culturais: Arraiá da Capitá.
Outra característica marcante do Arraiá da Capitá foi o seu surgimento no contexto de uma empresa de comunicação que tem um jornal como âncora. Para os grupos que têm nessa condição uma emissora de TV, a experiência costuma ser mais comum devido à proximidade maior com o campo de espetáculos. Além disso, numa época em que ainda não se falava em convergência entre canais de um mesmo grupo de comunicação, o Arraiá da Capitá tornou-se uma realização conjunta entre A TARDE e a rádio do mesmo grupo: A TARDE FM. Os dois canais alternavam-se para cobrir a produção e a realização do evento, entre o jornalismo de serviço e o mais voltado ao entretenimento.
No jornal, as reportagens concentravam-se nas informações sobre infraestrutura, segurança, trânsito, dentre outros conteúdos nessa linha, além da realização do registro da memória das atrações de cada dia da festa. Já A TARDE FM concentrava-se na cobertura dos shows e dos seus bastidores. Ao longo das edições, o Grupo A TARDE também experimentou a parceria com TVs locais, como a Aratu na primeira edição e anos depois com a TV Bahia.
Desde o início, o cuidado do evento foi equilibrar os shows de grandes artistas, mas ao mesmo tempo manter elementos antigos das festas juninas, especialmente as quadrilhas. A cenografia ocupou um papel central com a reprodução de um conjunto de casas típicas das cidades do interior, bandeirolas e fogueiras. A primeira edição foi concebida pelo então gerente de marketing e eventos do Grupo A TARDE, Nelson Cadena, com o apoio do produtor Eduardo Ramos e do empresário especializado em agência de viagens José Alves.
“O Arraiá da Orla foi aberto, ontem, com apresentação das seis primeiras equipes que participam do concurso de quadrilhas que terá continuidade hoje, a partir das 20 horas, no antigo Aeroclube de Salvador. Além do forró, animado por um equipamento de 10 mil watts de potência, das barracas de bebidas e comidas típicas e da grande pista de dança – uma das maiores já construídas no Brasil – o arraiá contará, hoje, com a presença de Marinês e sua Gente, que promete fazer todo mundo dançar até o dia nascer”. (A TARDE, 22/6/1986, p. 3).
A grade de shows da primeira edição do evento reuniu Luiz Gonzaga, Dominguinhos, Clemilda e outras estrelas do forró e suas variações, mas também já tinha espaço para os gêneros musicais que iam ganhando evidência a cada época, como a nascente axé music, que foi representada pela cantora Sarajane.
No ano seguinte, com o nome de Arraiá da Capitá, o evento experimentou a consolidação de sucesso de público. Tanto que o show de Genival Lacerda acabou prolongando-se devido aos pedidos dos fãs. O texto também registrou a emoção do artista com essa receptividade a sua apresentação.
“Na madrugada do dia 23, O palco do Arraiá virou plateia e a plateia virou palco, e Genival Lacerda assistiu, emocionado, à multidão cantar um dos maiores sucessos do seu repertório sertanejo, o ‘Fio Dental’. O show de Genival, com duração prevista para uma hora e meia, teve que ser estendido por igual tempo, porque a plateia não se conformou e exigiu a volta do cantor”. (A TARDE, 25/6/1987, p. 3).
Essa tendência prosseguiu em décadas posteriores com a inserção de ritmos como o MPB, as grandes estrelas da axé music, do sertanejo e do pagode. Em 1993, por exemplo, o soul e MPB de Tim Maia marcaram a noite em uma mistura de ritmos que incluiu a participação do Ilê Aiyê:
“A apresentação de Tim Maia, na madrugada de sábado, para ontem, foi precedida de um show do grupo llê Aiyê. Liderados por Vovô, os percussionistas, acompanhados de dançarinos e da Deusa do Ébano, mostraram ao público por que o llê é ‘bonito de se ver’. Vovô contou que a princípio o grupo ficou ansioso pela participação no Arraiá da Capitá, pois achava não ser o público das madrugadas de Carnaval e das ruas da Liberdade. Mas, a receptividade e participação da plateia foram ótimas, transformando o Arraiá numa festa afro”. (A TARDE, 28/6/1993, p. 3).
Já em 1999, o destaque foi para a ascensão ao posto de grande estrela de Daniela Mercury. No ano seguinte Gilberto Gil e Ivete Sangalo fizeram os shows de maior repercussão na noite de encerramento. Mas ao longo de todas as edições sempre havia destaque para os elementos centrais da festa junina, como os espaços reservados para os trios de forró e a pista especialmente preparada para dançar esse ritmo:
“A penúltima noite do Arraiá da Capitá foi também de muita movimentação na ‘Praça do Forró’ e no forródromo, sempre lotado de curtidores do mais autêntico som junino, proporcionado, entre outros, pelos grupos ‘Os Laranjeiras do Norte’, ‘Zé Grilo e sua Gente’ e ‘Juventude do Forró’, este integrado por alguns dos mais jovens forrozeiros a participar da festa: Joseval Gonzaga, Roque Conceição Gonzaga e Josenilton dos Santos, todos de Salvador, integram o grupo, que é uma revelação do próprio Arraiá da Capitá”. (A TARDE, 26/6/2000, p. 3).
Sérgio Simões consolidou união entre radiojornalismo e entretenimento
A experiência institucional do Grupo A TARDE na organização do Arraiá da Capitá por meio do diálogo entre dois dos seus canais – o jornal e a rádio – fez parte de uma estratégia adotada pelo empresário Sérgio Simões. Diretor de A TARDE FM, também conhecida como 104, ele imprimiu uma gestão que combinava a informação com o entretenimento.
Arquiteto formado pela Faculdade Integrada Bennet, da Escola de Arquitetura e Urbanismo, localizada no Rio de Janeiro, com passagem pelo escritório Oscar Niemeyer Arquitetos, Sérgio Simões participou de projetos arquitetônicos na Itália e na Argélia. Ao chegar a Salvador, assumiu a direção de A TARDE FM identificando um espaço para divulgação especialmente dos ritmos locais.
Com o aumento da corrente chamada de axé music, A TARDE FM passou a produzir programas que não apenas divulgavam o trabalho dos artistas, mas também apostavam na interação com o público, como o Show das Praias. Além disso, A TARDE FM passou a ter seções especiais nos suplementos de A TARDE, como a Revista da TV e Lazer & Informação, o que era uma forma de reforçar a convergência de conteúdo entre dois dos canais do mesmo grupo de comunicação.
Além do Arraiá da Capitá, a experiência de produção de grandes eventos relacionados à cultura baiana, na interação entre A TARDE e A TARDE FM, produziu o Troféu Dodô & Osmar. A premiação vinculada ao Carnaval se tornou uma das maiores celebrações após a grande festa da Bahia.
Sérgio Simões nasceu em 16 de maio de 1951, no Rio de Janeiro. Era filho de Sylvio C. da Graça de Mello Leitão e Regina Simões de Mello Leitão e irmão de Sylvio Simões. Teve três filhos: Tiago Santos de Mello Leitão, João Candido Santos de Mello Leitão e Regina Salles de Mello Leitão. Devido a complicações de um câncer no pulmão, Sérgio Simões morreu em 2003. Sua morte provocou comoção especialmente entre artistas, produtores culturais e empresários da área de entretenimento e turismo na Bahia.
“Produtores culturais e radialistas afirmaram que Sérgio Simões deu feições modernas à rádio da Bahia, com ênfase na matéria-prima local, dando espaço para os artistas da terra. Seu trabalho à frente da FM 104 foi muito elogiado. A criação do Troféu Dodô & Osmar, que, além de resgatar os dois ícones da folia baiana, incentivou a participação de estrelas consolidadas e emergentes na festa, é considerada por todos uma ideia extraordinária”. (A TARDE, 23/3/2003, p. 3).