Menu
Pesquisa
Pesquisa
Busca interna do iBahia
HOME > colunistas > A TARDE MEMÓRIA
COLUNA

A Tarde Memória

Por Andreia Santana*

ACERVO DA COLUNA
Publicado sexta-feira, 18 de outubro de 2024 às 9:57 h • Atualizada em 18/10/2024 às 22:06 | Autor:

Bahia tem histórico de décadas com avistamentos de luzes no céu

Há 30 anos, esferas luminosas foram investigadas em Mucugê. Edições de A TARDE nos anos 1990 destacam fascínio dos baianos por esses fenômenos

Ouvir Compartilhar no Whatsapp Compartilhar no Facebook Compartilhar no X Compartilhar no Email
Congresso Nacional de Ufologia na Casa do Comércio nos anos 1990
Congresso Nacional de Ufologia na Casa do Comércio nos anos 1990 -

No clássico Encontro com Rama, o matemático e autor de ficção científica Arthur C. Clarke descreve a incursão de seres humanos a uma nave alienígena em 2127, quando existiam colônias de terráqueos em Marte, Mercúrio e nas luas de Júpiter e Saturno. O contato imediato, no romance, ocorre depois de 50 anos da queda de um asteroide na Terra e da criação de uma patrulha espacial na Lua para monitorar novas ocorrências desse tipo.

Fora dos livros de ficção especulativa, nos anos 1990, mesma década da estreia de séries icônicas como Arquivo X, que é de setembro de 1993, os moradores de diversas cidades baianas alegaram ter vivido as próprias versões de contatos imediatos ao relataram avistamentos de luzes dançantes e objetos misteriosos no céu. Os fenômenos não eram uma novidade. Ao menos, desde os anos 1950 avistamentos foram relatados na Bahia.

Em novembro de 1994, há 30 anos, os moradores de Mucugê, na Chapada Diamantina, ficaram intrigados com o surgimento de luzes inexplicáveis no firmamento, na região da Serra do Capabode. Os relatos do período, registrados nas edições de A TARDE dos dias 05 e 08 daquele mês e ano, davam conta da presença de uma bola avermelhada grande circundada por duas outras menores, que adquiriam coloração diferente, variando entre vermelha e amarela, e luminosidade intensa, demorando-se alguns minutos no céu e desaparecendo em seguida.

O aparecimento das luzes ocorreu durante duas semanas e os avistamentos eram narrados em diferentes pontos da cidade. Na reportagem do dia 08, na página 02, o jornal descreve a jornada de três ufólogos por Mucugê para investigar as luzes que atraiam cada vez mais visitantes e curiosos ao município, em uma ‘corrida aos morros’ da cidade situada 1200 metros acima do nível do mar. O caso foi parar na imprensa nacional após a cobertura na TV, aumentando o interesse de aficionados por extraterrestres.

Em um dos relatos mais detalhados do fenômeno, um engenheiro elétrico aposentado conta que viu as luzes também durante o dia e a uma distância de pouco mais de 50 metros da sua fazenda, que ficava 15 quilômetros distante da sede do município. Na área citada, o mato estava queimado e a vegetação não crescia no semicírculo chamuscado.

“Segundo o engenheiro, no dia 2 de outubro deste ano, às 15 horas e 30 minutos, viu uma intensa claridade prateada, que estava a poucos metros da casa, às margens do rio que corta a fazenda. A cadela de estimação ficou assustada e começou a rosnar. ‘Cerrei os olhos por causa do forte clarão, e quando os abri, decorridos alguns segundos, tinha desaparecido. Na direção que olhei havia uma área com capim chamuscado’”, diz o texto.

Ufólogos

No mesmo ano das ocorrências em Mucugê, mas poucos dias antes dos primeiros relatos de avistamentos na cidade da Chapada, ocorridos entre o final de outubro e o começo de novembro de 1994, Salvador sediou, na Casa do Comércio, o III Congresso Nacional sobre Discos Voadores, no feriadão de 12 de outubro.

Na edição do dia 13, A TARDE trazia a cobertura do evento com os ufólogos cobrando do governo brasileiro a divulgação de dados sobre a presença de OVNIs (Objetos Voadores Não Identificados) no país. Segundo a reportagem, os participantes do evento sustentavam a teoria de que governos mundiais estavam envolvidos na ocultação de informações sobre UFOs [Unidentified Flying Object], sigla em inglês para OVNI.

“Mesmo governos de países frágeis ou economicamente instáveis têm suas comissões oficiais de pesquisa de observações de UFOs em seus territórios, para suprir arquivos de nações maiores e mais potentes, e nessas nações maiores, especialmente nos Estados Unidos, o assunto é tratado como objeto de segurança nacional", afirmou na reportagem uma fonte ouvida no evento de 30 anos atrás.

A cobrança dos ufólogos por dados governamentais, ocorreu no rastro de um evento nacional que se passou quase 10 anos antes do III Congresso de Discos Voadores. Na noite de 19 de maio de 1986, o surgimento de luzes e objetos misteriosos em diversas cidades tirou o sono da Força Aérea Brasileira (FAB).

A chamada ‘Noite dos OVNIs’, como o evento ficou conhecido, registrou 21 UFOs sobrevoando quatro estados: São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Goiás. A situação inexplicável foi testemunhada por cadetes e oficiais, de binóculo ou mesmo sem o uso de nenhum equipamento. Algumas das luzes chegavam a 100 metros de diâmetro, aumentando a desconfiança da presença de discos voadores.

Reportagens da época relatam que os objetos foram detectados pelo Cindacta - Centro Integrado de Defesa Aérea e de Controle de Tráfego Aéreo - e que cinco caças da FAB chegaram a perseguir os objetos brilhantes descritos pelos pilotos como ‘luzes multicoloridas que voavam em ziguezague’.

Em 23 de maio de 1986, o então ministro da Aeronáutica, brigadeiro Octávio Júlio Moreira Lima, deu entrevista coletiva para acalmar os ânimos e confirmou que os cinco caças da FAB perseguiram 21 UFOs, sem, no entanto, afirmar que se tratavam de extraterrestres.

Nem todo OVNI

Os avistamentos na Bahia foram mais frequentes ao longo da década de 1990, bem depois das ocorrências registradas em 1986, na Noite dos OVNIs. E não ficaram restritos a Mucugê. Na edição de 13 de maio de 1996, na página 3, A TARDE noticia a ocorrência de fenômenos semelhantes em Amargosa:

“Um número cada vez maior de pessoas acredita haver, no interior do estado, portais para outros planetas e dimensões. Um desses ‘portais’ estaria em Amargosa, a cerca de 200 km de Salvador, onde estranhas luzes e ‘aparelhos’ aparecem no céu”, diz trecho do texto.

Em 1998, o jornal publicou um especial sobre os avistamentos na Bahia, trazendo dados de ocorrências desde 1959 e enfatizando o aumento nos anos 1990: “Os testemunhos e fatos mais estranhos aumentaram consideravelmente a partir de 1995”, diz a reportagem, que faz, ainda, uma linha do tempo com os anos de destaque para a ufologia baiana.

De acordo com o texto, as datas emblemáticas teriam ocorrido em: 1959, com um avistamento na Orla de Salvador; 1972, também na orla da capital, no mesmo ano do lançamento de Encontro com Rama, o livro citado no começo da reportagem; 1976, com um ataque de ‘chupa-cabra’ em São Gonçalo dos Campos [os chupa-cabras no interior da Bahia foram tema da edição de 24 de agosto deste ano do A Tarde Memória]; 1979, 1982 e 1987, com ocorrências em todo o país; 1995, na Chapada; 1996, com aparições em Amargosa e um objeto misterioso encontrado por pescadores na Pituba, em Salvador; 1997, com o relato de avistamento de uma ‘frota estelar’ no bairro de São Caetano e, finalmente, 1998, com OVNIs avistados em Salvador, Riachão do Jacuípe, Lauro de Freitas, Feira de Santana, São Gonçalo dos Campos, Ilhéus e Santo Amaro.

Um dos responsáveis pela criação do Observatório Antares há 50 anos, em Feira de Santana, o matemático César Orrico, também astrônomo amador há quase seis décadas, revela que nos anos 1980 e 1990, os funcionários do Antares, um centro científico e de pesquisa de astronomia ligado à Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs), acabavam tendo de investigar também, a pedido de moradores de cidades do interior, a ocorrência de fenômenos estranhos no céu.

“Lá no Observatório, a única instituição que tinha aqui na Bahia para as pessoas tentarem saber o que elas estavam vendo, recebíamos ligações de todo o estado. Isso era com uma frequência muito grande e nós tínhamos muitas solicitações no sentido de identificar o que as pessoas viam”, conta.

Atualmente consultor do Planetário de Salvador, na Universidade Federal da Bahia (Ufba), Orrico também fundou o primeiro planetário digital da América do Sul, da Zeiss, uma marca alemã, no Museu Parque do Saber, em Feira de Santana. Ele acrescenta que na era pré-internet, ele e os colegas do Antares anotavam as ocorrências e investigavam com base nos métodos científicos.

Vale lembrar que OVNI é uma sigla que não descreve necessariamente discos voadores, mas qualquer objeto que aparece voando no céu e que inicialmente não tenha sua identificação comprovada. Segundo o matemático, a maioria dos avistamentos relatados ao Antares, cerca de 90%, eram de luzes.

“Alguns diziam que viam objetos, mas era avião ou algum balão meteorológico. Isso tudo era qualificado como Objetos Voadores Não Identificados. Não tinha ainda a tecnologia que tem hoje, que é muito fácil de comprovar, uma vez que você pede fotografias de satélites de alta resolução e consegue identificar objetos de até 40 centímetros de diâmetro”, acrescenta o matemático.

Orrico diz ainda que após o advento dessas tecnologias sofisticadas de investigação do céu e após a criação dos satélites, as aparições reduziram muito. “Na época, nós não tínhamos satélites, então a gente não podia pedir uma imagem que pudesse comprovar. Apesar da minha visão diária do universo durante quase 60 anos, particularmente, nunca vi nenhum disco voador e pelo que eu tenho lido, o mais importante, que é o Projeto Blue Book, americano [EUA], não comprou nada ainda”.

Clarão na Chapada

Apesar de toda a tecnologia apontada por César Orrico, clarões no céu ainda causam surpresa e até medo nos baianos. No ano passado, em dezembro, um estrondo e um forte clarão em cidades como Seabra e Livramento de Nossa Senhora, na Chapada Diamantina, provocaram especulações na internet sobre novas ocorrências de OVNIs na região. Mas, segundo os centros de pesquisa em astronomia da Bahia e de estados como a Paraíba, o fenômeno se tratava de um meteoro do tipo bólido.

Os centros de pesquisa astronômica da Bahia, como o Planetário de Salvador, diz César Orrico, estão em pé de igualdade com institutos mundiais. “Todo tipo de pesquisa que é desenvolvida aqui dentro da Universidade utiliza sempre tecnologia de ponta e o mesmo software que roda em diversas universidades do mundo”, acrescenta.

Ainda de acordo com o especialista, mais de 180 escolas já visitaram o planetário e aprenderam sobre o universo com base em dados científicos. Para Orrico, a humanidade sempre foi fascinada pelo céu e pelo universo, desde os primórdios.

“Não só como aspecto de beleza e de navegação para se localizarem. Mas, principalmente, para saber o que é que tem além da nossa visão. E esse além da nossa visão é a época que nós estamos vivendo, com o advento primeiro do Telescópio Hubble e, ultimamente, com o Telescópio James Web”, enumera.

Para o matemático, com a internet e o consequente ‘encolhimento’ das distâncias entre a Terra e o espaço, o interesse das pessoas em desvendar os mistérios do cosmos é cada vez maior. “O interesse é muito grande e é cada vez mais constante na mídia a divulgação dos projetos tanto na área de astronomia como de astronáutica, com o desenvolvimento de novas tecnologias para o espaço. O desconhecido atrai e essa busca pelo desconhecido foi que levou a toda essa tecnologia que nós temos hoje”, analisa.

Com tanto avanço científico em ritmo acelerado, não tem como saber se algum dia os humanos vão, de fato, colonizar tantos planetas quanto os citados no romance de Arthur C. Clarke e, muito menos, se vão investigar uma nave alienígena batizada de Rama para estabelecer um intercâmbio intergaláctico. Mas, em uma coisa, a ficção, a astronomia e a ufologia concordam: o universo é um tema fascinante.

*Colaboraram Priscila Dórea e Tallita Lopes.

Compartilhe essa notícia com seus amigos

Compartilhar no Email Compartilhar no X Compartilhar no Facebook Compartilhar no Whatsapp

Assine a newsletter e receba conteúdos da coluna O Carrasco