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A Tarde Memória

Por Cleidiana Ramos

ACERVO DA COLUNA
Publicado sábado, 29 de outubro de 2022 às 6:00 h | Autor:

Bahia terá eleição para governador em segundo turno após 28 anos

Desde a redemocratização do Brasil, a disputa para o governo baiano só havia ocorrido em duas etapas em 1994

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Paulo Souto e João Durval Carneiro  disputaram o segundo turno da eleição para governador da Bahia em 1994
Paulo Souto e João Durval Carneiro disputaram o segundo turno da eleição para governador da Bahia em 1994 -

Neste domingo, 30, a experiência de escolher o governador da Bahia em segundo turno será pioneira para alguns eleitores. A última eleição com essa característica ocorreu em 1994 na disputa entre Paulo Souto (PFL) e João Durval Carneiro (PMN). Mas se hoje o resultado é conhecido na noite do mesmo dia da consulta, há 28 anos o anúncio sobre a necessidade de realização de uma segunda eleição ocorreu, de forma oficial, dez dias após o primeiro turno. E isso quando pesquisas indicavam que o eleito, em 15 de novembro, Paulo Souto, poderia conquistar a vitória na primeira rodada como vinha acontecendo com seus antecessores.

Em 1994, a disputa no âmbito nacional era entre PSDB, com Fernando Henrique Cardoso, eleito presidente em primeiro turno, e Luís Inácio Lula da Silva (PT). Foi a segunda participação de Lula como candidato a presidente. Já na Bahia, a disputa na eleição para governador ocorreu entre carlistas, grupo liderado por Antônio Carlos Magalhães, e candidaturas que foram se formando em oposição a esta corrente, mas que não conseguiram entrar em consenso para o primeiro turno.

“Na eleição de 1994 o grupo anticarlista entrou rachado na disputa eleitoral do primeiro turno. Esse grupo teve a candidatura de Jutahy Magalhães Júnior, Nilo Coelho e João Durval Carneiro. Era um contexto de polarização na política baiana praticamente em termos de um plebiscito com dois grupos duelando nas eleições e a impossibilidade de uma terceira via forçando, portanto, um segundo turno”, analisa Cláudio André de Souza, doutor em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Bahia (Ufba) e professor de Ciência Política da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab).

Segundo o professor, a polarização de 1994 é bem parecida, na Bahia, com o cenário de 2022 na disputa entre União Brasil, partido com integrantes do antigo PFL e depois DEM, e os membros do Partido dos Trabalhadores (PT). Aconteceu uma pequena alteração com a candidatura de João Roma, do Partido Liberal (PL).

“Houve a entrada de um terceiro grupo nessa disputa com a candidatura do ex-ministro do governo Bolsonaro, João Roma, o que levou a uma tendência de segundo turno que se confirmou, mas por ausência de pouquíssimos votos, pois faltou ao candidato do PT, Jerônimo Rodrigues, algo em torno de 40 mil votos para se eleger em primeiro turno. Na disputa para os governos estaduais há uma tendência à polarização e a força de quem está no governo”, diz o professor.

Em 1994, a força governista era a de Paulo Souto que quatro anos antes foi eleito vice-governador na chapa encabeçada por Antônio Carlos Magalhães. Seu maior oponente e adversário no segundo turno, João Durval, também esteve ligado ao carlismo e havia sucedido ACM na primeira eleição direta na Bahia após a ditadura militar em 1982 e com o seu apoio.

Mas uma diferença crucial entre o primeiro turno de 1994 e o que vai ocorrer agora em 2022 foi o sistema de votação. Naquele ano o método era com base nas cédulas de papel o que não apenas atrasou a apuração e a retomada da campanha para o segundo turno, como também alimentou as fraudes. Uma delas foi denunciada na edição de A TARDE de 4 de outubro de 1994. Três pessoas foram presas no município de Simões Filho, localizado na Região Metropolitana de Salvador (RMS), sob acusação de terem colocado votos em uma das urnas antes da votação começar. Os votos favoreciam a coligação de Paulo Souto.

“Uma das urnas continha 27 votos em favor da chapa majoritária da coligação "A Vitória que a Bahia quer" — Fernando Henrique Cardoso, Antônio Carlos Magalhães, Waldeck Ornelas e Paulo Souto e Otto Alencar, o mesmo ocorrendo com as demais urnas. A promotora de Justiça, Silvana Almeida, que foi chamada às seções onde se registrou as denúncias de fraudes, seguiu logo depois para a Polícia Federal em companhia dos autores da denúncia e dos acusados e terminou figurando no auto de prisão em flagrante como condutora dos presos”. (A TARDE, 4/10/1994, p.10).

Só a partir de quase dez dias após as eleições é que se teve a definição sobre o segundo turno com a proclamação oficial dos resultados pelo Tribunal Regional Eleitoral, seção Bahia, (TRE-BA), mas outra confusão esteve relacionada ao voto em papel. Waldir Pires, então no PSDB, perdeu a segunda vaga da Bahia no Senado para Waldeck Ornelas, do PFL. A outra ficou com Antônio Carlos Magalhães. As alegações de fraude feitas por Waldir Pires, que pediu recontagem dos votos, apontavam para seções em que Waldeck Ornelas venceu ACM. Esta disputa acabou se tornando um capítulo à parte e com mais lances polêmicos do que o resultado das eleições para governador.

“Para denunciar a transferência de votos de Antonio Carlos Magalhães para Waldeck Ornelas, Waldir Pires toma por base uma estatística que aponta, claramente, um incremento de votos para Ornelas e um decréscimo de votos para Antonio Carlos Magalhães a partir do último dia 6. Nesse dia, às 21h31 min. estudo estatístico já apontava um decréscimo de menos 0,51% no número de votos dados a ACM e um crescimento de mais 0,54% dos votos para Waldeck Ornelas. Daí em diante, os percentuais continuaram crescendo em favor de Waldeck Ornelas "Como se pode admitir que em uma urna na capital o Sr. Waldeck Ornelas tenha mais voto que o Sr. Antonio Carlos Magalhães? Quem é o Sr. Waldeck Ornelas politicamente na Bahia?'", questionou Waldir Pires, ao apontar a "necessidade" de recontagem. Ilustrou seus questionamentos com exemplo: na urna da Seção 0148 da 1ª Zona apurada no Bahiano de Ténis, Waldeck Ornelas arrebatou 217 votos, enquanto ACM conseguiu apenas 104 votos e Fernando Henrique Cardoso 159”. (A TARDE, 10/10/1994, p.7).

Waldir Pires recorreu, o debate prosseguiu, mas a vaga ficou mesmo com Waldeck Ornelas. Analisando o atraso e mais este caso, o professor Cláudio André destaca a potencialidade dos problemas se hoje ainda fosse utilizado o voto em papel e os resultados demorassem tanto para ser oficializados.

“Em tempo de disseminação de fake news, de redes sociais e de uma mobilização mais intensa em torno das intenções de voto, as instituições poderiam estar em risco, além do perigo de mais violência política em uma sociedade que não suporta tanto tempo de uma polarização que, como chamamos na ciência política, é uma polarização odiosa e que não deveria acontecer em uma democracia. Estamos observando a desconstrução discursiva e física do adversário. Ainda bem que as urnas eletrônicas trouxeram não só segurança institucional, ao dar credibilidade e confiabilidade ao resultado eleitoral, como também permitem a velocidade na divulgação dos resultados”, acrescenta o professor.

Mudanças de forças

No primeiro turno de 1994, Paulo Souto obteve 49,30% dos votos contra 25,29% de João Durval Carneiro. O terceiro colocado foi Jutahy Magalhães (PSDB) com 14,13% seguido por Nilo Coelho (PMDB) com 8,27% e Álvaro Martins (PRN) com 3%. O percentual de brancos foi alto: 27,01%. Os nulos somaram 9,38% e a abstenção foi de 26,67%.

Para o segundo turno, realizado em 15 de novembro, João Durval recebeu o apoio dos outros candidatos da esfera anticarlista. Ao final, Paulo Souto venceu com 58,64% contra 41,36% obtido pelo candidato da oposição. Dessa vez, a apuração foi mais rápida e com o resultado da vitória de Souto já estipulado no dia seguinte à realização da eleição.

“O candidato Paulo Souto (PFL) já pode ser considerado o governador eleito da Bahia. Até a zero hora e trinta minutos de hoje, computados 34,32% dos votos, Paulo Souto tinha 767.826 votos contra 584.025 dados ao candidato João Durval, com 24.770 votos brancos e 220.660 nulos. Os percentuais sobre o total de votos, incluindo-se os nulos e brancos, davam uma vantagem de 48,07% para Souto contra 36,19% de Durval”. (A TARDE, 16/11/1994, capa).

Quatro anos depois o grupo carlista venceu mais uma eleição com César Borges eleito em primeiro turno. A partir dos anos 2000 começou a disputa opondo o carlismo e o PT. Em 2002, Paulo Souto (PFL) venceu Jaques Wagner por 53,69% a 38,47%, respectivamente, já em primeiro turno.

Quatro anos depois, Souto e Wagner voltaram a se enfrentar na disputa pelo governo da Bahia. Mas dessa vez, mesmo com projeções apontando a vitória em primeiro turno para o candidato do PFL, ocorreu a primeira das reviravoltas na disputa pelo governo baiano: Jaques Wagner foi eleito, em primeiro turno, com 52,89% dos votos contra 43,03% do seu adversário. Wagner foi reeleito em 2010 com 63,83% dos votos contra 16,09% de Paulo Souto e 15,56% de Geddel Vieira Lima.

Para a sucessão de Jaques Wagner, em 2014, o PT apresentou um candidato que as estimativas iniciais consideravam desconhecido, embora tivesse atuado como secretário nos governos de Wagner: Rui Costa. Em mais uma das reviravoltas que contrariaram análises políticas e pesquisas, Rui Costa foi eleito governador em primeiro turno com 54,53% dos votos. Foi mais uma derrota de Paulo Souto que obteve 37,39% quando era considerado favorito para vencer no primeiro turno.

Rui Costa teve uma reeleição tranquila em 2018 derrotando o candidato do DEM, José Ronaldo, por 75,47% a 22,30%. No início daquele ano, ACM Neto era o candidato cogitado para o DEM, mas recuou, preferindo manter o segundo mandato como prefeito de Salvador.

Independentemente do vencedor dessa batalha que será travada amanhã, há muitas projeções sobre como ficarão as forças políticas da Bahia. A estabilidade do PT será mantida ou surgirão novas correlações de forças? É um cenário, segundo o professor Cláudio André, em que não houve novidades ainda tão significativas, mesmo com a saída do Partido Progressista (PP) do campo de alianças do PT com a migração do vice-governador João Leão para o arco de apoio à candidatura de ACM Neto. Também

houve a saída de João Roma (PL) do grupo aliado ao ex-prefeito de Salvador durante o primeiro turno.

“Do ponto de vista do comportamento eleitoral dos baianos nos últimos anos eu vejo uma certa estabilidade em relação ao PT e União Brasil, que já foi Democratas e PFL, duelando como vem ocorrendo desde 2002. Essa estabilidade foi colocada em xeque com a candidatura de João Roma agora em 2022, mas está ainda longe de se configurar como um terceiro grupo. Isso precisará ainda ser testado e observado nas próximas eleições”, analisa o professor Cláudio André.

Cleidiana Ramos é jornalista e doutora em antropologia

*A reprodução de trechos das edições de A TARDE mantém a grafia ortográfica do período.

Fontes: Edições de A TARDE, Cedoc A TARDE

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