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A Tarde Memória

Por Cleidiana Ramos*

ACERVO DA COLUNA
Publicado Saturday, 01 de June de 2024 às 6:00 h | Autor:

Câmara Cascudo fez inventário de riquezas culturais, como o São João

Período é marcado por eventos que reúnem elementos de diferentes tradições religiosas

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Luis da Câmara Cascudo recolheu e analisou diversas manifestações culturais brasileiras
Luis da Câmara Cascudo recolheu e analisou diversas manifestações culturais brasileiras -

O ciclo junino é o segundo mais importante do tempo festivo na Bahia. Por todo o Estado os grandes shows, em áreas públicas, vão animar as cidades especialmente durante os dias dedicados a São João Batista. Os eventos deste período resultam de uma construção cultural única sedimentada no Nordeste e que envolve elementos de tradições religiosas diversas costuradas pela devoção popular que, inclusive, desafia as ortodoxias. Características dessa rica experiência cultural serão o tema central dos conteúdos dos projetos de memória social do Grupo A TARDE: esta coluna e o REC, canal hospedado no Youtube, que está indo ao ar em forma de lives, durante este mês. O primeiro conteúdo é dedicado a Luís da Câmara Cascudo (1898-1986), autor, dentre outras obras, de Dicionário do Folclore Brasileiro, onde as festas juninas assim como várias outras manifestações da chamada cultura popular foram descritas.

“Em 1918 apaixonei-me pela cultura popular, vivendo-a, procurando-a, amando-a. Um colega de magistério pediu minha demissão ao governador Juvenal Lamartine porque era indignidade um professor do Ateneu Norte Rio Grandense andar indagando Lobisomem e estudar Catimbó, enrolado com os mestres e os juremais miríficos”. A citação é do próprio Câmara Cascudo no livro Voz de Nessus. O trecho integra a seção sobre trechos das suas obras e depoimentos no site do Instituto Câmara Cascudo, dedicado à sua memória. O repertório de pesquisa do autor foi vasto.

Seu interesse que causou tanta irritação no colega de magistério está na edição dessa coluna de 20 de agosto de 1922. O texto abordou a repercussão de uma reportagem de A TARDE de 1918 sobre um lobisomem que assombrou o Cabula. Segundo as informações reunidas por Câmara Cascudo e descritas no artigo há situações cruciais para alguém se tornar um lobisomem.

“A transformação de Alguém em lobisomem, no Brasil, está relacionada a uma maldição. Há, segundo Cascudo, alguns apontamentos em relação a incesto. Filhos de uma comadre e compadre ou de afilhada e padrinho, de acordo com o autor, correm este risco. Mas há também a crença de que o filho seguinte ao nascimento de sete filhas pode ter que carregar a maldição de se transformar em homem-bicho. Cascudo descreve a versão de que a transformação começa aos 13 anos quando o marcado para ter essa vida dupla passa por um lugar onde um jumento se espojou, ou seja, deitou-se para rolar pelo chão”. (A TARDE, 20/8/2022, p.A7).

  • Câmara Cascudo fez inventário de riquezas culturais, como o São João
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  • Luis da Câmara Cascudo recolheu e analisou diversas manifestações culturais brasileiras
    Luis da Câmara Cascudo recolheu e analisou diversas manifestações culturais brasileiras |
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Sabedoria do povo

Câmara Cascudo nasceu no Rio Grande Norte. Cursou medicina em Salvador, mas diante de problemas financeiros da família desistiu no último ano. No retorno para Natal se dedicou ao magistério e mais tarde, em Recife, concluiu o curso em Ciências Jurídicas e Sociais e continuou ensinando. Se tinha o sonho de fazer pesquisa em medicina acabou por fazê-la no campo das ciências sociais.

É autor de Dicionário do Folclore Brasileiro, Jangada, Superstições e Costumes, Folclore no Brasil, Rede de Dormir, Prelúdio da Cachaça, dentre várias outras publicações. Suas obras se destacam pela descrição minuciosa das manifestações culturais e suas muitas dimensões.

O São João, por exemplo, é apresentado em um verbete de Dicionário do Folclore Brasileiro, em que começa com a biografia do santo e avança pelas várias tradições culturais contidas na maior festa do Nordeste.

“Pregador de alta moral, áspero, intolerante, ascético, São João é festejado com as alegrias transbordantes de um deus amável e dionisíaco, com farta alimentação, músicas danças, bebidas e uma marcada tendência sexual nas comemorações populares, adivinhações para casamento, banhos coletivos pela madrugada, prognósticos de futuro, anúncio da morte no curso do ano próximo. O santo, segundo a tradição, adormece durante o dia que lhe é dedicado tão ruidosamente pelo povo, através dos séculos e países. Se ele estiver acordado, vendo o clarão das fogueiras acesas em sua honra, não resistirá ao desejo de descer do céu para acompanhar a oblação, e o mundo acabará pelo fogo”. (Dicionário do Folclore Brasileiro, p.104).

Cascudo prossegue no verbete explicando que a data para o nascimento de São João no catolicismo coincide com o solstício de verão na Europa quando as populações dos campos festejavam a chegada do período de colheita e faziam os ritos para afastar energias que atrapalhassem a fertilidade ou provocassem escassez.

“Toda a Europa conheceu essa tradição de acender fogueiras nos lugares altos e mesmo nas planícies as danças ao redor do fogo, os saltos sobre as chamas, todas as alegrias do convívio e os anúncios de messes abundantes. Os deuses que recebem essas homenagens são vários, mas a época é a mesma para a Ásia, África, Europa. O fogo, afugentador dos demônios da fome, do frio e da miséria é deus fecundador, purificador e conservador, ligado e mesmo representante vivo dos cultos larários, penates, antepassados”. (Dicionário do Folclore Brasileiro, p.404).

Não foi difícil para o caminho das tradições portuguesas entrelaçarem-se às indígenas e africanas promovendo manifestações de origens diferentes, mas com possibilidade de diálogos, o que faz de festas como a de São João um evento cheio de nuances. Para Câmara Cascudo, as heranças africana e indígena tiveram um papel central na formação cultural do Brasil sobretudo pela resistência para manter seus repertórios.

“Indígenas e africanos recolheram no recesso das memórias uma teimosa e pequenina capela para os seus deuses depostos. Não defendiam, psicologicamente, sua Fé, mas a maneira de ser devoto às novas crenças, o caminho pessoal para a Divindade”, disse Câmara Cascudo em mais um trecho do livro Voz de Nessus.

  • As festas juninas reúnem elementos de diferentes tradições religiosas
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Conexões

Nas páginas de A TARDE, Câmara Cascudo esteve bem presente. Na edição de 12 de maio de 1930 foi publicado um texto destacando uma obra do autor:

“O sr. Luis da Camara Cascudo é um erudito e paciente pesquizador de cousas do nosso passado, já tendo revelado o seu gosto e aptidão em trabalhos que mereceram da crítica as melhores referências. Agora editado pela Companhia Editora Nacional está sendo divulgado seu novo livro “O Marquez de Olinda e seu tempo” em que é estudada através de preciosa e honesta documentação a figura austera de Pedro de Araújo Lima. Prefaciando o livro do sr. Camara Cascudo, o conde de Affonso Celso assim se externa. “É uma biografia artística e sólida”. (A TARDE, 12/5/1938, p.3).

Na edição de 13 de maio de 1960 foi o próprio Câmara Cascudo quem assinou um texto. O artigo intitulado “O português mais brasileiro de Portugal” é um elogio ao escritor Gastão de Bettencourt.

“Os nossos Embaixadores são mudados. Gastão é uma permanente, como a Torre de Belém, portada dos Jerônimos, Terreiro do Paço. Já publicou trinta e dois livros. Vinte e quatro sobre o Brasil. História, sociologia, tradições, literaturas, música brasileira são assuntos que Gastão dispensa consulta e responde perguntas de qualquer patrício meu desconhecedor da matéria”. (A TARDE, 13/5/1960, p. 4).

Na edição de 30 de dezembro de 1978, a homenagem foi aos seus 80 anos.

“Desde os primeiros dias deste mês, o Rio Grande do Norte se acha em festa com razão, pois o maior monumento vivo daquele Estado- Luiz da Câmara Cascudo- está completando hoje, 80 anos, de vida, grande parte da qual dedicada fielmente ao estudo da cultura popular”. (A TAREDE, 30/12/1978, Caderno 2, p.1).

E foram muitas outras ocasiões, como a chamada na capa da edição de 1º de agosto de 1991 que anunciou a impressão da imagem de Câmara Cascudo na cédula dos 50 mil cruzeiros, a moeda brasileira em vigência no período. No Caderno Cultural, edição de 1992, o destaque foi para a troca de correspondência entre ele e Mário de Andrade e seis anos depois uma análise da sua obra. Os assuntos são tão diversos como foi a paixão da sua vida: as diversas faces das culturas brasileiras.

Confira as páginas de A TARDE:

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*Cleidiana Ramos é jornalista e doutora em antropologia

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cultura popular Festas juninas Folclore brasileiro Luís da Câmara Cascudo Memória Cultural Tradições Nordestinas

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