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A Tarde Memória

Por Cleidiana Ramos

ACERVO DA COLUNA
Publicado sábado, 04 de novembro de 2023 às 6:00 h | Autor:

Cedoc A TARDE revela aspectos diversos sobre a Baía de Todos-os-Santos

Reportagem de 1982 recuperou disputa, nas imediações de Salvador, entre embarcações norte-americanas

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Baía de Todos-os-Santos é um patrimônio que possui   diversidade ambiental, social e patrimonial
Baía de Todos-os-Santos é um patrimônio que possui diversidade ambiental, social e patrimonial -

Na edição de 8 de junho de 1982, A TARDE publicou uma reportagem com uma história interessante e que não é tão conhecida. Em 1864, as águas da Baía de Todos-os-Santos foram o palco de uma disputa entre embarcações envolvidas na guerra da Secessão Americana, o maior conflito interno vivido pelos EUA a partir da sua independência política em 1776. Um barco do lado Confederado, que queria a separação do estado norte-americano, atacou uma embarcação nortista violando as regras das águas territoriais brasileiras. Esse é um dos muitos registros nas coleções de reportagens e fotografias do Cedoc A TARDE sobre a Baía de Todos-os-Santos. No último dia 1º foi celebrado o aniversário desse acidente geográfico, mas na perspectiva do marco de colonização portuguesa, em 1501.

“O nome e a data são resultado da invasão portuguesa, afinal a Baía já estava conhecida e ocupada por grupos indígenas que a chamaram de Paraguaçu, no sentido de água grande, ou de Kirimurê, entendida como um grande mar interior”, avalia o doutor em antropologia Carlos Caroso. Professor do Departamento de Antropologia da Universidade Federal da Bahia (Ufba), ele é coordenador do Observabaía, um grupo de pesquisa multidisciplinar e que envolve outras instituições acadêmicas como Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) e Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB).

Águas da Baía de Todos-os-Santos guardam grandes acontecimentos históricos
Águas da Baía de Todos-os-Santos guardam grandes acontecimentos históricos | Foto: Data: 17/01/2000. Foto: Walter Carvalho | Cedoc A TARDE

Autor de artigos e livros, como Baía de Todos-os-Santos: aspectos humanos, publicado em 2011 e assinado em conjunto com a antropóloga Fátima Tavares e o antropólogo Cláudio Pereira, o professor Carlos Caroso explica as várias nuances desse patrimônio. O Observabaía, por exemplo, tem apresentado estudos sobre impactos ambientais, sociais, mas também a diversidade cultural em áreas, como as festas, saberes das populações tradicionais, patrimônio subaquático e o historiográfico que é a área do tema abordado na edição de A TARDE de 1982.

Violação de tratado

O texto foi uma continuação, o que se chama suíte na linguagem jornalística, de um relato anterior sobre o assunto. Na edição de 6 de junho de 1982, portanto, foram apresentadas informações a partir do trabalho de autores como Brás do Amaral e Arnold Wildeberger. De acordo com a reportagem, em 1864, o cruzador Florida, que era proveniente do sul dos EUA, aportou em Salvador para pedir água, um auxílio que, segundo as leis internacionais, não podia ser negado.

Na capital baiana estava ancorado o cruzador Wachusset, com bandeira do norte. O Florida atacou sem levar em consideração a neutralidade brasileira, o que provocou um incidente diplomático entre o governo oficial norte-americano chefiado por Abraham Lincoln (1809-1865) e o Império Brasileiro sob o comando de Dom Pedro II (1825-1891). Uma embarcação brasileira, a corveta Januária, precisou intervir. Foi também apurado que o cônsul dos EUA, que estava em Salvador, envolveu-se no conflito, o que provocou protesto de populares e suspensão das atividades da representação norte-americana.

Vista da Baía de Todos-os-Santos
Vista da Baía de Todos-os-Santos | Foto: Data: 5/3/2000. Foto: Wilson Besnosik | Cedoc A TARDE

“Lincoln tomou providências para desagravar a afronta praticada por seu navio. Terminada a guerra, mandou três corvetas, comandadas pela "Nípsic", para dar satisfação ao governo Imperial. O desagravo foram os 21 tiros de canhão e o desfile das tropas por nossas ruas, como está na matéria anterior. E reabriu o consulado”. (A TARDE, 8/6/1982, Caderno 2, p. 1).

Esta reportagem de 1982 é de um tempo em que as notícias sobre a Baía de Todos-os-Santos seguiam uma linha mais histórica e de descrição de esportes naúticos, como as regatas. Uma dessas competições foi descrita na edição de 4 de novembro de 1957. Com o patrocínio de A TARDE e organização do Iate Clube, diversas embarcações à vela disputaram a prova Baía de Todos-os-Santos no circuito Porto dos Tanheiros-Barra.

“A prova teve início à hora marcada, 13 horas, quando se ouviu o tiro de partida, precedido 5 minutos do tiro de preparo. A linha inicial estava repleta de embarcações de vários tipos e portes destacando-se duas velozes canoas, “Cedro” e “Borracha”, representando os ágeis e valentes pescadores de Ponta de N. Senhora e da Ilha de Maré, respectivamente”. (A TARDE, 4/11/1957, p.13).

Tradições e vulnerabilidades

A referência a pescadores de outras localidades em uma competição esportiva é um registro que resgata a memória dos povos tradicionais que ao longo da história ocupam o entorno da Baía de Todos-os-Santos resistindo a um processo de ataque à sua forma de organização social e, portanto, sobrevivência. Ainda hoje, pescadores, construtores de embarcações, marisqueiras, quilombolas, dentre outros destes grupos, estão em situação de vulnerabilidade diante de problemas como as várias fases de contaminação da Baía.

Baía de Todos-os-Santos é espaço de resistência dos povos tradicionais
Baía de Todos-os-Santos é espaço de resistência dos povos tradicionais | Foto: Data: 24/8/1980 | Cedoc A TARDE

“Ao longo do tempo a Baía de Todos-os-Santos virou um depósito de rejeitos de metais pesados como chumbo e mercúrio em um processo em que não houve o tratamento adequado por parte de indústrias e dos governos em seus vários âmbitos”, destaca o professor Carlos Caroso.

Essa análise do ponto de vista ambiental passou a ser feita pelo jornal de forma mais constante a partir da década de 1990 e com mais vigor no início dos anos 2000. Este é um reflexo do que aconteceu nas organizações da própria sociedade civil que passaram a ter mais interesse na preservação ambiental. Como mediadores de variados segmentos que debatem e tensionam, os jornais acabam por refletir esses momentos quando o seu conteúdo cotidiano é avaliado em uma determinada linha do tempo.

Em 2001, no âmbito da comemoração do aniversário da Baía, mas da perspectiva da ocupação portuguesa, o destaque na capa de A TARDE foi para as questões ambientais.

“Boa parte da Baía de Todos os Santos ainda preserva, talvez esconda, toda a beleza que os navegadores portugueses encontraram há 500 anos, quando a ela chegaram. Cercada por indústrias, núcleos urbanos e loteamentos que nela despejam seus dejetos, a baía ainda sofre com a pesca predatória e com a devastação dos seus manguezais. Hoje, porém, é dia de festa e ela receberá homenagens mais do que merecidas, inclusive com um grande show no histórico Forte São Marcelo”. (A TARDE, 1/11/2001, capa).

Desafios

O professor Carlos Caroso explica que a Baía de Todos-os-Santos reúne, em seu entorno, 14 municípios com características diferentes. São disparidades socioeconômicas, como a alta arrecadação de São Francisco do Conde, e a extrema pobreza em Jaguaripe. Para ele, em questões cruciais para esses municípios não ocorre uma discussão ampla. Um desses casos, em sua avaliação é a construção da ponte Salvador-Itaparica.

“O que teremos caso esse projeto se concretize será uma grande cicatriz cortando a Baía com invisibilidade para os outros municípios que não os dois diretamente envolvidos. E Itaparica corre o risco de se tornar mais um subúrbio de Salvador. O problema é que nesses casos há pouca discussão com pesquisadores daqui, pois geralmente são os de fora que elaboram projetos. Além disso não há esforço para ouvir a parte da população que será diretamente afetada por uma obra como essa. Há até hostilidade governamental em relação a nós, pesquisadores locais, e mais ainda em relação às questões das populações tradicionais”, diz o professor.

Baía de Todos-os-Santos é objeto de pesquisas e consequente produção de conhecimentos
Baía de Todos-os-Santos é objeto de pesquisas e consequente produção de conhecimentos | Foto: Data: 3/6/1999 | Cedoc A TARDE

E isso quando há produção científica em vários aspectos especializada, como a que tem ocorrido no âmbito do Observabaía desde 2012. O material- banco de dados, pesquisas, livros, dentre outros- é compartilhado de forma gratuita por meio digital. Todos estes cuidados são para que os vários aspectos da Baía de Todos-os-Santos, sobretudo dos povos que a conhecem ainda de forma mais íntima, como indígenas e descendentes de africanos, possam auxiliar um tratamento mais próximo do que esse recurso crucial para o estado necessita cada vez mais.

Confira as imagens e textos que abordam a Baía de Todos-os-Santos (Fonte: Cedoc A TARDE):

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Cleidiana Ramos é jornalista e doutora em antropologia

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