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A Tarde Memória

Por Andreia Santana*

ACERVO DA COLUNA
Publicado sábado, 22 de março de 2025 às 6:00 h | Autor:

Circo Picolino chega aos 40 anos mirando o futuro sem esquecer de onde veio

Escola circense fundada em 1985 pelos atores Anselmo Serrat e Verônica Tamaoki tem parte de sua história preservada no acervo de A TARDE

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Lona do Picolino já esteve armada na área do antigo Aeroclube
Lona do Picolino já esteve armada na área do antigo Aeroclube -

“O asfalto virou picadeiro”, diz a legenda da foto. As ruas do Centro se encheram de malabaristas, acrobatas, dançarinas, cantores, equilibristas, noivas, o rei Arthur e o mago Merlin, palhaços, artistas plásticos, estudantes de artes cênicas, personagens de tragédias clássicas reinventadas à moda baiana, diretores consagrados na cena local. Em 20 de setembro de 1994, a Passeata Dramática fez história em Salvador e o abre-alas do desfile ficou a cargo da Escola de Circo Picolino, na época prestes a completar sua primeira década de existência.

Os artistas reunidos naquele grande protesto lúdico convocaram a população para frequentar as galerias, ir ao teatro, ao cinema e ao circo, pediram ao poder público apoio às artes na cidade. Hoje, 30 anos depois, o Circo Picolino, nos seus 40 anos de fundação, renova a convocação na voz de Luana Tamaoki Serrat, filha dos artistas Anselmo Serrat e Verônica Tamaoki, os criadores da escola de circo: “É importante que vocês venham, estejam presentes no Circo Picolino, estejam presentes nos circos”.

Escola de Circo Picolino
Escola de Circo Picolino | Foto: Fernando Amorim | Cedoc A TARDE 07-12-95

Luana é atualmente uma das coordenadoras do Picolino, que após a morte de Anselmo Serrat, em março de 2020, e dos revezes da pandemia de covid-19, precisou se reestruturar e reinventar o futuro. Atualmente, a gestão é feita por um coletivo de artistas, a maioria cria do próprio Picolino, e os planos são muitos para, como diz Luana, “termos mais 40 anos de histórias”.

Antes de olhar para a frente, o Picolino relembra a própria trajetória e comemora as quatro décadas de atividades ininterruptas, lembra Nina Porto, também artista e coordenadora de atividades. Ela e Luana, além de outros artistas, se revezam como professoras de artes circenses para crianças e adultos. No mês do circo, março [27 é o Dia Nacional do Circo], o Picolino está com atividades comemorativas pelos 40 anos e, no próximo dia 29, fará apresentação no Teatro Sesc Casa do Comércio.

O espetáculo ‘Circo Picolino - 40 anos’, com ingressos a preços populares (R$20 e R$10) ainda à venda no Sympla, promete reunir artistas que fizeram a história da escola de artes circenses. No palco da Casa do Comércio, a ideia é reunir números típicos de circo, música e as histórias sobre o legado do Picolino. Parte dessa trajetória também sobrevive no acervo de A TARDE, onde há uma coleção de fotografias dos anos 1980 e 1990 mostrando as muitas metamorfoses do Picolino.

Aula de circo no Picolino em 1996
Aula de circo no Picolino em 1996 | Foto: Fernando Amorim | Cedoc A TARDE/ 29-09-1996

O começo

Anselmo Serrat e Verônica Tamaoki foram pioneiros na criação do conceito de circo social na Bahia. A Picolino, que ainda é considerada uma referência no ensino das artes circenses, também foi a primeira escola de circo do Estado. O projeto de circo social nasceu da parceria com o Projeto Axé e a Fundação italiana Ágata Esmeralda.

O trabalho de arte-educação era voltado para ensinar artes circenses e profissionalizar adolescentes em vulnerabilidade social, que já eram atendidos pelo Projeto Axé. Em paralelo, a Companhia Picolino, da qual muitos artistas egressos do Axé faziam parte, também fez turnês dentro e fora do Brasil ao longo de sua história. Luana Tamaoki Serrat lembra que artistas formados na Picolino foram depois incorporados a importantes grupos nacionais e de fora do país, como o Cirque du Soleil.

A parceria do Picolino com o Projeto Axé foi tema de uma reportagem de capa e página inteira do Caderno 2, suplemento cultural de A TARDE, em 02 de Setembro de 1997. O texto traz relatos dos adolescentes que faziam as aulas de circo e se apresentavam em diversos eventos para os quais o Picolino era convidado. Naquele mesmo ano, A TARDE também registrou a presença dos jovens do Projeto Axé na troupe que se apresentou durante uma semana, em um shopping do Centro de Salvador, durante as férias escolares, recebendo crianças para ‘brincar de circo’.

“O Circo Picolino ocupa a praça principal com shows diários pela manhã e à tarde. Trapezistas, palhaços, acrobatas e uma variedade de números são executados por 17 artistas jovens, dirigidos por Anselmo Serrat e vindos do Projeto Axé e de ações do Unicef em escolas públicas dos bairros da Boca do Rio e Pituaçu”, diz a matéria publicada em 06 de julho de 1997. A escola já funcionava há 12 anos.

Picolino armou a lona em Pituaçu há 29 anos. Em 1997, a escola de circo virou uma associação
Picolino armou a lona em Pituaçu há 29 anos. Em 1997, a escola de circo virou uma associação | Foto: Carlos Santana | Cedoc A TARDE/ 02-04-1997

Luana conta que os pais vieram de São Paulo para Salvador em 1984/85 para uma apresentação. Anselmo Serrat era do Rio e Verônica Tamaoki de São Paulo. Os dois se conheceram no Teatro Oficina, centro de formação em artes cênicas de vanguarda nos anos 1960 e que teve importante papel na resistência à Ditadura Militar a partir de 1964. “Eles se encontraram lá no Teatro Oficina e vieram para Salvador com o Grupo Tapete Mágico, que era um grupo de circo e teatro, para se apresentar”, acrescenta.

Uma vez na capital baiana, o casal de atores teve a ideia de montar uma escola, o que aconteceu em 1985. “A escola começou dentro do circo Troca de Segredos. De lá, a gente deu uma rodada, foi para o Espaço Xisto, na época era Espaço Xis, na Biblioteca Central dos Barris, depois passou rapidamente pelo Vagão, no Rio Vermelho. E, com a nossa primeira lona, chegamos ao antigo Aeroclube. Ficamos lá em torno de sete anos e aí viemos para Pituaçu, onde já estamos há 29”, acrescenta Luana.

O Troca de Segredos, por sua vez, era um espaço cultural de Salvador, criado em 1983 como uma derivação baiana do tradicional Circo Voador, do Rio de Janeiro, inaugurado no ano anterior. Além de Salvador, havia também outra base em Pernambuco. O Troca de Segredos abrigava espetáculos teatrais e shows. Pelo seu picadeiro passaram grandes nomes das artes cênicas e da música baiana.

Criadas no picadeiro

Aula de Equilibrismo na Escola de Circo Picolino
Aula de Equilibrismo na Escola de Circo Picolino | Foto: Paulo Munhoz | Cedoc A TARDE / 25-03-1998

Luana começou no Picolino com 8 anos e ela recorda de seu pai dizendo que o circo era o seu quintal. Basicamente, ela cresceu como pessoa, como artista, como professora e, até mesmo, como uma gestora de circo, no picadeiro.

“Tem essas mudanças que a gente passa durante a vida e o circo, eu acho que acompanha um pouco isso também. Porque a gente, a princípio, é uma escola, com crianças e, ao mesmo tempo que vai crescendo, vai se formando artista, se formando instrutor, a companhia se profissionaliza, então a gente tem um momento que a companhia explode e tem muitos espetáculos bonitos, viaja pelo mundo. Com a partida de Anselmo, a pandemia, é hora de repensar, quem fica, quem volta, como diria ele: ‘quem vai assumir isso’. Então, a gente está hoje comemorando 40 anos e repensando e tentando se redescobrir nesse novo mundo”, afirma.

Nina Porto também está no Picolino desde criança. Começou aos 7 anos, como aluna particular da Escola de Circo. “É a minha casa, minha vida”, brinca a artista e professora, atualmente à frente da coordenação de atividades. Ela faz questão de enfatizar a perenidade do Picolino, que nas quatro décadas de atividades nunca parou de funcionar, nem na pandemia. Naquele período de restrições, a companhia lançou mão da tecnologia e dos recursos audiovisuais.

“No Youtube do Circo Picolino tem muita coisa que a gente produziu nesse formato audiovisual, que foi o que a pandemia nos permitiu. E seguimos, com todos os contextos políticos e sociais que são apresentados para a gente, e a gente segue nessa batalha, nessa luta e nessa forma escolhida de viver, de transformar, de fazer a diferença”, enfatiza Nina.

Segundo ela, a Escola Picolino formou centenas de artistas e profissionais. Também já recebeu milhares de crianças em projetos como o Todo Mundo Vai ao Circo (TMVC), que aconteceu durante 10 anos em parceria com a Coelba, recebendo 100 mil espectadores ao longo do período de vigência.

“A Escola Picolino é fundada em 85, como uma escola de circo particular, primeiramente. A partir dos anos 1990, muda um pouco o caráter com a chegada do Projeto Axé e de outros projetos significativos que abraçam pessoas em vulnerabilidade social e é onde o Circo Picolino também se entrega e ganha seu carro chefe, que é transformar as pessoas usando a linguagem circense, para possibilitar que todo mundo tenha oportunidades melhores de vida. Foi um momento também que mesclou alunos particulares com alunos vindos de projetos sociais e deu essa cara da Companhia Picolino, com artistas vindos de realidades diferentes, mas que se encontram no picadeiro. E isso faz a potência de grupo”, define Nina Porto.

A escola de circo continua com esse perfil de formar artistas, pretende manter-se fiel ao trabalho de circo social iniciado por Anselmo e Verônica, mas também recebe alunos particulares que usam as aulas de circo como atividade física, terapia, condicionamento físico e auto expressão, espaço para expandir-se e movimentar o corpo, oxigenar as ideias e até mudar a perspectiva. Já imaginou o quão diferentes os problemas parecem do alto de um trapézio? Para quem quer esvaziar a cabeça dos apertos de mente de cada dia, o picadeiro é um santo remédio.

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*Colaboraram Priscila Dórea e Tallita Lopes

*Os trechos retirados das edições históricas de A TARDE respeitam a grafia da época

*Material elaborado com base em edições de A TARDE e acervo do CEDOC/A TARDE

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