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A Tarde Memória

Por Cleidiana Ramos*

ACERVO DA COLUNA
Publicado sábado, 07 de agosto de 2021 às 6:02 h | Autor:

Com mais de 100 reportagens, A TARDE registrou o passo a passo da canonização de Irmã Dulce

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Carinhosamente chamada de Anjo Bom da Bahia, Santa Dulce acolheu a todos | Foto: Cedoc A TARDE | 27.05.1981
Carinhosamente chamada de Anjo Bom da Bahia, Santa Dulce acolheu a todos | Foto: Cedoc A TARDE | 27.05.1981 -

Ainda adolescente, li O Advogado do Diabo. O livro é um dos romances de Morris West, conhecido como um especialista em temas relacionados ao Vaticano (vaticanólogo), especialmente por As Sandálias do Pescador, onde muitos viram a antecipação do que se tornaria real com a ascensão do polonês Karol Wojtyla ao papado. Como João Paulo II, ele se tornou o primeiro chefe da Igreja Católica originário de um país que estava no coração da influência da então poderosa URSS.

Em O Advogado do Diabo, acompanhei com fervor a saga do clérigo Blaise Meredith, que vê a sua fé pragmática ser testada enquanto tem a missão de encontrar defeitos na trajetória de Giacomo Nerone, um candidato a santo. Meredith funciona como um promotor no processo, atribuição que João Paulo II extinguiu no seu projeto de flexibilizar as regras para acelerar o reconhecimento dos chamados “santos modernos”, ou seja, pessoas que viveram em tempos mais próximos, como o século XX.

O livro me deu o primeiro contato com o fascinante e complexo caminho para uma canonização, intimidade que veio anos depois, como repórter de A TARDE. O jornal registrou o passo a passo do processo que transformou a baiana Maria Rita de Souza Brito Lopes Pontes em Santa Dulce dos Pobres, que terá a sua festa litúrgica celebrada no próximo dia 13 com atividades concentradas em ambiente digital, devido à pandemia do novo coronavírus.

Imagem ilustrativa da imagem Com mais de 100 reportagens, A TARDE registrou o passo a passo da canonização de Irmã Dulce
Reportagem marcou início do processo de canonização || 18.01.2000

Em 13 de junho de 1999, A TARDE publicou uma reportagem sobre o primeiro passo: um edital do então arcebispo de Salvador, dom Geraldo Majella, pedindo que fossem realizadas as manifestações favoráveis ou contrárias à fama de santidade de Irmã Dulce. O jornal publicou até 21 de outubro de 2019, edição com a cobertura da primeira missa celebrada no Brasil para a nova santa, um conjunto de 111 reportagens. Neste número incluem-se cadernos especiais e o conteúdo que tive a sorte de produzir mesmo já não mais como repórter da equipe de A TARDE, mas colaboradora e enviada especial do jornal a Roma para acompanhar a cerimônia de canonização presidida pelo papa Francisco na Praça de São Pedro, como normalmente ocorre. Os anos com maior número de reportagens sobre a chamada “causa de Irmã Dulce” foram 2011, com 41, e 2019 com 51. Estes foram os períodos da beatificação e canonização, respectivamente.

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Edições marcaram canonização e primeiras missas | Foto: Arquivo A TARDE

Atenção especial

Mas não entraram neste cômputo, resultante de uma pesquisa mais rápida nas edições do Cedoc A TARDE, menções à causa de Irmã Dulce em outras ocasiões especiais, como durante o conteúdo preparado para celebrar a beatificação de Irmã Lindalva Justo, em 2007.

A causa de Irmã Lindalva ainda caminha, mas a sua elevação a beata ocorreu antes da beatificação de Irmã Dulce devido à característica de martírio. Como este é considerado um milagre, não há exigência para a apresentação de um antes da beatificação, mas apenas para garantir a canonização.

Foi através da cobertura jornalística que aprendi sobre cada um dos passos, como a aprovação da positio, que é a biografia especial; e a elevação à condição de Venerável, que é o reconhecimento de virtudes heroicas, um passo importante para o prosseguimento da causa.

O milagre, critério fundamental tanto para a beatificação como para a canonização, necessita atender a características como ser preternatural (não ter uma explicação científica); instantâneo (ocorrer assim que for feito o pedido); perfeito (não deixar traço da doença, por exemplo); e duradouro (ter efeito continuado).

A TARDE registrou o perfil de Cláudia Cristiane Santos Araújo, que foi a protagonista do milagre validado para a etapa de beatificação de Irmã Dulce: “Na pequena cidade de Malhador, a 49 quilômetros de Aracaju, capital de Sergipe, a funcionária pública, Cláudia Cristiane dos Santos Araújo, 41 anos, tornou-se, ontem, uma celebridade. É ela a agraciada com o milagre atribuído a Irmã Dulce que foi reconhecido pelo Vaticano e possibilitou a beatificação da religiosa em cerimônia que será o próximo dia 22”. (A TARDE, 14/05/2011, p.A7).

Em 2019, o jornal registrou a história de José Maurício Moreira, o músico que voltou a enxergar após todos os prognósticos médicos apontarem a impossibilidade da recuperação de sua visão devido a uma doença degenerativa: “Quando acordou, quatro horas após o pedido, José Maurício conseguiu enxergar as mãos. Sem acreditar no que acontecia, ele ligou para a esposa, Marise Araújo Jorge Mendonça, 54, e, em algumas horas, conseguiu voltar a vê-la. Na época, o oftalmologista que o acompanhava não conseguiu explicar como a recuperação da visão foi possível. “Em exames feitos na época, o nervo continuava danificado”, conta. Em maio deste ano, cinco anos depois, o Vaticano reconheceu que houve um milagre” (A TARDE 03/10/2019, A6).

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Edição anunciou 1ª brasileira elevada à honra dos altares | Foto: Arquivo A TARDE | 15.05.2019

Fé determinada

Mas além dos registros relacionados ao processo, nas coberturas de que participei, conheci outras perspectivas ou milagres de Irmã Dulce, como a conquista do respeito que ela inspirou e continua a inspirar.

No especial Anjo do Mundo, publicado em 22 de maio de 2011, dia da cerimônia de beatificação, foi abordada a devoção a Irmã Dulce em países da América Latina à Ásia.

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Beatificação em 2011 foi a primeira conquista | Foto: Arquivo A TARDE

Foi possível também entender o porquê de João Paulo II, também tornado santo em cerimônia celebrada cinco anos antes da que elevou Irmã Dulce à honra dos altares, ter lutado para a identificação de santidade em biografias contemporâneas.

Alguém que ainda está na memória coletiva é mais próximo da realidade dos devotos. A dedicação e persistência da mulher que acolhia aqueles que geralmente ninguém quer se ocupar - pobres que estão doentes - comove até mesmo quem é de outra fé.

Além disso, a cada novo conteúdo sobre Irmã Dulce, foi possível ir descobrindo novas de suas faces, como a do humor refinado que a levava a colocar de castigo a imagem de Santo Antônio, a quem chamava de padrinho, porque, em um dia específico, a dificuldade para conseguir os donativos direcionados aos seus doentes estava maior. Como quase sempre era atendida, ficou a lição de que a fé é mais eficiente quando une o plano físico, ou seja, o esforço pessoal, com o sobrenatural.

Testemunhei também a cobertura de Irmã Dulce ir acompanhando a revolução digital. Do registro no jornal, os conteúdos foram sendo levados para novas plataformas como o portal e o podcast. Tanto que Para Sempre Dulce, o projeto desenvolvido para celebrar a canonização, a partir de agosto de 2019, foi multimídia com conteúdos relacionados, o que se chamaconvergência, mas em linguagens diferentes: texto e fotografia no jornal; áudios para A TARDE FM e até quiz e memes para o portal.

De Roma, nos dias anteriores à canonização, pude registrar o impacto de presenciar o estandarte com a imagem de Irmã Dulce na fachada da Basílica de São Pedro, antecipando a festa que foi aguardada durante quase duas décadas pelos baianos.

“O estandarte com a imagem de Irmã Dulce está ao lado dos que trazem a representação dos outros beatos que serão canonizados no próximo domingo, 13, sob a presidência do papa Francisco: o cardeal John Henry Newman, fundador do Oratório de São Felipe Néri na

Inglaterra; Giuseppina Vannini, fundadora das Filhas de São Camilo; Maria Teres Chiramel Mankidiyan, fundadora da Congregação das Irmãs da Sagrada Família; e Margherita Bays, da Ordem Terceira de São Francisco de Assis. Mas, a posição em que foi colocado o de Santa Dulce- à esquerda de quem chega- atrai o olhar de forma mais precisa na nossa forma de leitura gráfica ocidental”. (A TARDE, 11/10/2019, p.A7).

Na edição do dia 14 de outubro, foi publicado o ápice de um processo que deu a uma brasileira, pela primeira vez, a condição de ser celebrada como exemplo de trajetória no catolicismo. “Com a anuência do papa, foi entoada a Ladainha de todos os santos, que os novos canonizados agora passarão a integrar.

Em seguida, a fórmula jurídica de canonização foi anunciada por Francisco no momento mais emocionante da cerimônia e de maior manifestação do público. Tanto que, durante a oração eucarística, Santa Dulce e os demais já foram proclamados como intercessores, categoria exclusiva dos santos”. (A TARDE, 14/10/2019, p.A4). Além dos registros por meio de textos, pude gravar vídeos, inclusive com comentários, para as redes sociais do Grupo A TARDE, como Instagram.

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Edições mostraram missas em Roma e em Salvador || 14.10.2019

Se participar da cobertura continuada de uma canonização era um privilégio e algo difícil de conquistar há mais ou menos 50 anos, devido à demora dos processos, poder fazê-lo experimentando vários gêneros do jornalismo valorizou ainda mais essa experiência. Desculpem a falta de modéstia, mas este foi o milagre particular que Santa Dulce dos Pobres me deu.

A reprodução de trechos das edições de A TARDE mantém a grafia ortográfica do período.

Fontes: Edições de A TARDE, Cedoc A TARDE. Para conferir a programação em homenagem a Santa Dulce dos Pobres consulte o site da Osid: https://www.irmadulce.org.br/portugues/noticia/religioso/2021/julho/festa-de-santa-dulce-marca-homenagens-a-santa-brasileira-no-mes-de-agosto.

*Cleidiana Ramos é jornalista e doutora em antropologia

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