Construção da Avenida Sete foi marco do projeto da modernização
Projeto de Seabra começou em cenário político tumultuado que resultou no bombardeio da capital

A Avenida Sete é, talvez, o maior símbolo da fase inicial do projeto de requalificação urbana de Salvador. Dentre as obras iniciadas pelo governador J. J. Seabra, a via tem muitas marcas que vão desde a polêmica por conta das demolições de prédios históricos para o seu surgimento, além de ter características de alargamento associadas aos ideais de salubridade vigentes na época. O projeto de construção da avenida foi de Gerônimo Teixeira. Ele foi apresentado em 1910, mas só começou a ser desenvolvido em 1912 e a conclusão ocorreu três anos depois.
“O município seria o responsável pelo alargamento e alinhamento das ruas, mas foi o Governo do Estado que assumiu essa responsabilidade quando decidiu patrocinar a abertura da Avenida Sete de Setembro”, diz o historiador e professor da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), Rinaldo Cesar Nascimento Leite. Doutor em história, ele é autor da dissertação E a Bahia Civiliza-se... Ideais de Civilização e Cenas de Anti-Civilidade em um Contexto de Modernização Urbana, Salvador, 1912-1916 e da tese A Rainha Destronada - Discursos das Elites Sobre as Grandezas e os Infortúnios da Bahia nas Primeiras Décadas Republicanas, apresentada em 2005 ao programa de pós-graduação em História da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
A construção da Avenida Sete é uma amostra das ideias que sustentaram as ações de requalificação do espaço urbano de Salvador que estão conectadas a um ideal de modernidade, principal característica do contexto em que circulou a primeira edição de A TARDE em 15 de outubro de 1912 (ver texto sobre esse assunto nessa edição). A via que liga o centro antigo da cidade, então o espaço de governo e de negócios, à Barra, que em 1912 era área de veraneio ou um dos “arrabaldes” como se dizia, requereu financiamento estrangeiro.
Na capa da edição de estreia de A TARDE, uma pequena nota, definida como especial e vinda do Rio de Janeiro, registrou a notícia sobre a disputa de instituições estrangeiras para oferecer o empréstimo destinado aos projetos de modernização da cidade defendidos por Seabra:
“Posso afirmar que, na semana passada, ao governador deste Estado, foi dirigido um telegramma por um grupo de banqueiros ingleses, offerecendo um empréstimo para a Bahia a typo de 87/½ resgatavel no prazo de sessenta anos. O nosso informante acrescenta que o dr. J. J. Seabra deu conhecimento dessa offerta aos banqueiros franceses Hirsch&Comp. de Pariz”. (A TARDE 15/12/1912, capa).
As obras de modernização também causaram polêmica por conta da demolição de prédios antigos. Parte do complexo onde está sediado o Mosteiro de São Bento, a Igreja de São Pedro – a atual localizada em frente à Praça da Piedade foi a substituta da que ficava no espaço onde foi instalado o Relógio de São Pedro – , a Igreja da Ajuda, dentre outros imóveis estavam na lista dos que deveriam abrir espaço para os projetos de requalificação urbana do centro antigo. Mas houve oposição. Uma das mais enérgicas foi a desencadeada por Dom Maiolo de Cagny, abade da Ordem Beneditina em Salvador que conseguiu conter a demolição do complexo beneditino, mas uma parte da estrutura que se projetava em direção ao traçado para passagem da avenida foi eliminada.
“A Avenida Sete de Setembro foi inaugurada em 7 de setembro de 1915. Essa obra Seabra conseguiu concluir, mas a sua extensão, que é a Avenida Oceânica ficou para depois. Outras edificações, como o prédio da Imprensa Oficial também foram concluídos, mas o Palácio de Governo, o hoje Rio Branco, só em 1919”, lista o professor Rinaldo Leite.
Política em ebulição
A efervescência dos debates relacionados ao projeto de requalificação da área urbana de Salvador foi mais um ingrediente no conturbado período do início do governo de J. J. Seabra em 1912. Vale ressaltar que a eleição de Seabra esteve na base do conflito que culminou com o bombardeio da capital baiana pelas tropas federais em janeiro daquele ano.
Seabra teve um importante papel na vitória do marechal Hermes da Fonseca sobre Ruy Barbosa, na eleição de 1910 em Salvador mesmo que por um placar apertado: 342 votos.
“Sendo o grande vencedor da campanha pela eleição do marechal Hermes na Bahia, J. J. Seabra consolidou o espaço político conquistado fundando o Partido Republicano Democrata (PRD), logo instalado em sessão solene no Teatro Politeama”. (História da Bahia, Luís Henrique Dias Tavares, p. 322).
Seabra tornou-se ministro de Viação e Obras Públicas, o que lhe possibilitou conseguir os recursos para a construção do porto de Salvador. Desta forma começou a ganhar corpo a sua candidatura para o governo da Bahia. Logo começaram as articulações do grupo que lhe fazia oposição para inviabilizar a sua eleição. O plano teve lances como a renúncia do governador Araújo Pinho, que alegou doença faltando 45 dias para a eleição, a transferência da capital da Bahia para Jequié numa manobra para retirar os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário de Salvador e a ocupação por forças policiais ligadas ao poder estadual do prédio da Câmara Municipal onde funcionava a Assembleia Legislativa.
Com o pedido do partido de Seabra à Justiça Federal para que a situação fosse normalizada e a consequente desobediência à decisão do juiz Paulo Fontes que atendeu a demanda do grupo, o governo federal resolveu intervir. O general Sotero de Menezes, inspetor da 7ª Região Militar avisou que se a decisão judicial não fosse cumprida usaria força militar.
“Como advertência às 13h40 o forte de São Marcelo disparou dois tiros de pólvora seca. Vinte minutos depois (14 horas) começou o bombardeio da cidade do Salvador. Comandada pelo tenente José Bina Fonyat, a artilharia instalada no forte do Mar visou a base do Palácio (trecho da ladeira da Montanha), paredes do fundo e o seu interior, a torre da Câmara Municipal, sua fachada e salas internos. Calcula-se que os canhões dispararam vinte tiros em vinte minutos”. (História da Bahia, Luís Henrique Dias Tavares, p.325).
Terminado o bombardeio começou uma série de conferências para restituir a normalidade. No dia 28 de janeiro foi realizada a eleição para governador da Bahia. J. J. Seabra foi o único candidato. Ele recebeu 66.956 votos. Na avaliação de Luís Henrique Dias Tavares a reforma urbana de Seabra esteve conectada a, como também aponta o professor Rinaldo Leite, minorar os efeitos dos traumas desse episódio.
“Para que a cidade perdesse a memória do bombardeio, a reforma urbana começou com a construção de um novo palácio do governo, agora totalmente diferente do que existira antes do 10 de janeiro. Também iniciou a construção da nova Biblioteca Pública, do prédio da Imprensa Oficial, do Fórum, da Secretaria da Fazenda (Tesouro) e do Hospício João de Deus, para doentes mentais. Não se limitando à Cidade Alta, a reforma urbana se estendeu até a Cidade Baixa (Comércio) com a derrubada de sobrados do século XIX. Também iniciou o aterro do mar, indispensável para as obras de construção do porto”. (História da Bahia, Luís Henrique Dias Tavares, p. 333).
O contexto para o surgimento de A TARDE foi, portanto, desafiador. Definido como um jornal independente, político e noticioso, realmente, o periódico criado por Ernesto Simões Filho (1886-1957) não era relacionado a um partido político, como geralmente acontecia. Além disso, A TARDE chegou com a característica de buscar a inovação tecnológica a ponto de em julho de 1913, antes de completar um ano, anunciar a atualização de suas oficinas. Um trecho do editorial da primeira edição dá essas indicações da proposta do jornal que, por meio de campanhas de interesse público, prosseguiu acompanhando de forma consistente as ações da administração pública especialmente a do primeiro governo de Seabra, de quem Simões Filho se tornou adversário político:
“A lucta pelos mais nobres deveres da civilização não pode deixar de ser a nossa preocupação assídua e constante sem embargo da feição principal de A TARDE ser de um jornal de informações. Imparcial ela não será, contudo, indiferente aos embates do direito; neutra não se esquivará das controvérsias partidárias quando interessarem ao bem estar collectivo; ponderada, não provocará rixas pessoaes ao paladar dos farejadores de escândalos affeitos a barrear a honra alheia, mas também não cederá um passo na reação ininterrupta, enérgica e viril”. (A TARDE 15/12/1912, capa).