Criação do IBGE ajudou a revelar as muitas facetas do Brasil
Estatísticas Decreto que instituiu o órgão foi assinado há 91 anos; advogado baiano é um dos idealizadores e criadores

Decifrar estatísticas é bem menos misterioso do que imaginamos. E a utilidade desses números abre infinitas possibilidades. Muito além das planilhas e gráficos, os dados estatísticos reunidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) retratam o Brasil e revelam o país para os brasileiros. Neste domingo, o decreto 24.609, que instituiu a criação do IBGE, completa 91 anos de sua assinatura, em 06 de julho de 1934. O órgão, ainda com outro nome, começou a funcionar dois anos depois, em maio de 1936. Na sua gênese está a mente de um baiano, o advogado e estatístico Mário Augusto Teixeira de Freitas, natural de São Francisco do Conde. Mas, afinal, para que serve o IBGE? Embora com tantas décadas de existência, pouca gente, ainda nos dias de hoje, sabe que o órgão faz mais do que o Censo.
Da mãe que busca os direitos para a sua criança neurodivergente, ao vereador que quer criar um espaço de lazer para os jovens de uma comunidade, passando pela simples curiosidade sobre o tamanho da população do país, os dados coletados pelo IBGE funcionam como indicadores sociais e servem, entre outras coisas, para balizar políticas públicas que possibilitam o atendimento da população em áreas como saúde, educação e emprego.

E essa preocupação em entender o Brasil está na origem do órgão. Na época em que Teixeira de Freitas, que também foi o primeiro Secretário Geral do IBGE, idealizou a criação do órgão, nos anos 1930, ele havia acabado de concluir um estudo estatístico sobre educação, para compreender a organização do sistema de ensino brasileiro e os entraves para garantir o ingresso, a frequência e a permanência das crianças na sala de aula.
Inicialmente, o IBGE foi chamado de Instituto Nacional de Estatística (INE), nome que manteve até 1938. A criação do então INE ocorreu no momento político após a Revolução de 1930, que marcou o fim da República Velha e o início da Era Vargas, como explica André Urpia, superintendente do IBGE na Bahia. Antes do INE, acrescenta, as informações sobre o país não eram sistematizadas, o que dificultava planejar o crescimento do país.
"Como planejar o Brasil sem conhecer a realidade dele? Sem saber onde investir, quem está crescendo e qual é o retrato da população como um todo? Foi aí que se percebeu a necessidade de ter informações para ‘fazer do Brasil as informações que ele consegue produzir’, como já dizia um dos fundadores do IBGE, Teixeira de Freitas”, complementa Urpia.

Desde a década de 1930, o órgão faz pesquisas e estudos que oferecem um panorama abrangente do país. Ao coletar os dados que permitem o planejamento das políticas públicas, o IBGE responde a perguntas como: Qual é a inflação do Brasil? E a taxa de desemprego? Quantos brasileiros são quilombolas e onde estão seus territórios? Quantos são indígenas? Quantas pessoas possuem rede wi-fi em casa? Quantas têm saneamento? A população está envelhecendo mais? Qual a taxa de juros da poupança? Qual é a escolaridade da população... E uma infinidade de outras perguntas.

“São informações fundamentais, sobretudo nos dias de hoje, em um mundo onde ninguém mais sabe o que é ou não verdade”, reflete André Urpia.
Quantos somos?
Da contagem populacional à análise do consumo, o IBGE traduz o Brasil em números que ajudam a sustentar as escolhas que mudam o presente e antecipam futuros. São dezenas de linhas de estudo que caminham em paralelo e abrangem áreas como demografia, economia, trabalho, saúde e educação, entre outras. No entanto, a maior e mais conhecida pesquisa realizada pelo órgão é o Censo Demográfico que, em média, a cada 10 anos, levanta dados sobre a população, buscando identificar o número de habitantes, sua distribuição espacial, perfil e condições de vida.
O primeiro Censo Demográfico sistematizado e realizado pelo IBGE ocorreu há 85 anos. Foi o de 1940, o quinto do país. As contagens populacionais anteriores, ainda chamadas de Recenseamento da População do Império do Brasil, aconteceram nos anos de 1872, 1890, 1900 e 1920.
No segundo semestre de 1939, pouco antes do Censo de 1940, a Junta Regional de Estatística se reuniu para definir o que era necessário descobrir com a coleta de dados. Os preparativos para o recenseamento foram publicados na imprensa como forma de sensibilizar a população. Uma reportagem em A TARDE, datada de 3 de setembro de 1939, anuncia a aprovação da realização da coleta de informações e detalha o que seria preparado para a pesquisa:
"Organização de taboas itinerárias; levantamento do quadro administrativo do Estado desde 1920, como as alterações soffridas referentes a desmembramentos e annexações de municipios, etc; confecção do quadro comparativo da população de 1920 e da calculada para 1940; levantamento da estatística das industrias; preparo do plano da divisão do Estado para effeitos censitarios; pedido de colaboração na campanha ao cléro, magistrados e professores", enumera o texto.
Outra reportagem de A TARDE sobre os primórdios do recenseamento, essa de 25 de maio de 1950, explicava à população que os dados do Censo eram invioláveis. “A Inviolabilidade das informações é um dos preceitos legais característicos do Recenseamento. Ninguém, sem risco de crime, poderá utilizar as declarações prestadas ao Censo para outros fins afora os estatísticos”, diz a abertura do texto.
Mais adiante, na mesma matéria, o jornal chamava a atenção para o fato de que diante da inviolabilidade das informações prestadas, não havia necessidade das pessoas omitirem dados dos recenseadores: “Por que, então, ocultar a verdade, quando ninguém a individualizará, em possível prejuízo do informante? Por que negar, por que deliberadamente obscurecer as respostas ao Censo, que devem exprimir fielmente a realidade para globalizarem resultados verdadeiros e claros?”, questionava o texto.
De 10 em 10 anos
A partir de 1940, o Censo Demográfico do Brasil passou a acontecer a cada 10 anos, com apenas duas exceções. A primeira foi em 1990, quando a pesquisa foi adiada para 1991 devido a cortes no orçamento do IBGE e por desconfiança da população em relação ao governo, que havia confiscado economias durante o Plano Collor. A outra exceção ocorreu mais recentemente, em 2020, quando o censo foi adiado para 2022 por causa da pandemia de Covid-19.
Apesar das intercorrências, o IBGE ao longo das décadas consolidou-se como o principal produtor e analista de dados estatísticos e geográficos do país e muito por conta da tecnologia. Um dos importantes marcos tecnológicos da história do instituto aconteceu no Censo de 1960, quando o supercomputador Univac 1105, da empresa norte-americana Remington Rand, foi usado para acelerar a apuração dos dados. Chamado de “cérebro eletrônico”, o equipamento causou grande repercussão, inclusive em A TARDE, que em 5 de março de 1960, apontava que o supercomputador era destinado "ao Recenseamento Geral de 1960 e a pesquisas científicas".
O uso de equipamentos sofisticados e os investimentos nas pesquisas de contagem da população não pararam em 1960. Em 2007, no Censo Agropecuário, por exemplo, o IBGE implantou pela primeira um questionário digital. Três anos depois, no Censo Geral de 2010, todos os recenseadores do país usaram computadores de mão equipados com GPS - os "PDAs".
“Foi um grande avanço [em 2007] deixar de uma vez por todas o questionário em papel. Uma inovação que nenhum outro instituto de pesquisa, mesmo internacional, tinha feito. O IBGE foi o primeiro a fazer isso e chegou a ganhar prêmios por causa dessa inovação. A partir daí todas as outras pesquisas foram sendo incorporadas a esse equipamento e continuamos procurando formas de inovar”, afirma o superintendente André Urpia.
Dados qualificados
Um bom exemplo de estudo feito pelo IBGE e que traz dados sobre indicadores essenciais para o planejamento do país é a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), focada na saúde dos estudantes das redes pública e privada até o 9º ano. “É uma pesquisa riquíssima, que vai desde o bullying e consumo de álcool, até a iniciação sexual desse público. É uma pesquisa muito particular, com características bem distintas, pois os estudantes respondem as perguntas digitalmente, sem nenhum entrevistador, com ele [estudante] mesmo abrindo o questionário para preencher. Isso permite que perguntas pessoais sejam feitas e retrata muito bem como a nossa sociedade avança”, explica André Urpia, que complementa que a junção das pesquisas do órgão constrói o Produto Interno Bruto (PIB), ou seja, tudo o que o país produz.
Para formar profissionais qualificados na análise dos dados coletados, foi criada a Escola Brasileira de Estatística, em 1953, e rebatizada, em 1954, com o nome de Escola Nacional de Ciências Estatísticas (ENCE). O objetivo era atender à crescente demanda do próprio IBGE na medida em que as pesquisas cresciam e ficavam mais complexas. O ENCE segue como parte do IBGE até hoje, oferecendo pós-graduação lato sensu e stricto sensu, cursos de atualização e extensão, atividades de capacitação e treinamento de servidores desse e de outros órfãos federais.
"Há, inclusive, uma disputa antiga sobre se a ENCE é a mais antiga [escola de estatística] do Brasil ou da Bahia, mas está entre as pioneiras. Muitos profissionais que hoje atuam no IBGE vieram da ENCE e estão nas diretorias e coordenações do instituto. Com toda a política de mestrado e doutorado, a escola retroalimenta também quem já está aqui, ampliando e melhorando a qualificação dos servidores", complementa André Urpia.
POPULAÇÃO DO BRASIL AO LONGO DAS DÉCADAS:
Censo 1940
41.236.315
Censo 1950
51.944.397
Censo 1960
70.070.457
Censo 1970
93.139.037
Censo 1980
119.002.706
Censo 1991
146.825.475
Censo 2000
169.799.170
Censo 2010
190.755.799
Censo 2022
203.080.756
Fonte: IBGE
*Colaboraram Andreia Santana e Tallita Lopes
*Os trechos retirados das edições históricas de A TARDE respeitam a grafia da época
*Material elaborado com base em edições de A TARDE e acervo do CEDOC/A TARDE