Do drama ao riso: relembre os filmes de Natal que fizeram história
Rudolf - a rena do nariz vermelho faz 60 anos em 2024. Em Salvador, Esqueceram de Mim e O grinch levaram os baianos ao cinema
Um bicho com uma característica peculiar resgata brinquedos quebrados da ilha onde eles estavam esquecidos. Um homem que diante de uma grande dificuldade pensa em uma solução radical para os problemas e, na hora agá, recebe a ajuda de um anjo. Um avarento visitado por três fantasmas que o levam a rever a própria vida. Uma família que sai de férias em meio ao caos de malas e crianças e, já dentro do avião, em pleno voo, a mãe se dá conta de que deixou um dos filhos sozinho em casa. Um monstro verde e ranzinza que deseja acabar com a festa dos vizinhos.
Se você nomeou os cinco filmes descritos acima na ordem em que eles aparecem no texto: Rudolf - A rena do nariz vermelho (Larry Roemer, 1964), A felicidade não se compra (Frank Capra, 1946), Os fantasmas de Scrooge (Robert Zemeckis, 2009), Esqueceram de mim (Chris Columbus, 1990) e O grinch (Ron Howard, 2000). Parabéns! Sua carteirinha de cinéfilo foi renovada com sucesso.
As cinco produções contam histórias diferentes, mas com um traço em comum, todos são ‘filmes de Natal’. Cada um na sua época alcançou grande audiência no cinema ou nas reprises na TV. Até hoje, os cinco são lembrados por plateias de todas as gerações, quase como se assistir algum deles se configure em um ritual integrado ao clima das celebrações de final de ano. Histórias comoventes, edificantes e engraçadas para ver com todo mundo junto, na festa que celebra a união familiar.
A estreia dessas produções sempre foi tão esperada quanto a inauguração da decoração natalina nas ruas ou shoppings. Nem os streamings conseguiram mudar a tradição. Ao contrário, aderiram à tendência e até criaram produções próprias, misturando gêneros como romance e clima natalino em comédias românticas especiais para a época, com os casais vivendo seus eternos dilemas amorosos em meio à correria para comprar o pinheiro a ser enfeitado ou os ingredientes da ceia.
“O filme de Natal não é exatamente um gênero, é mais um recorte temático que cabe em qualquer gênero”, explica o professor Lucas Ravazzano, mestre e doutor em Comunicação e Cultura Contemporânea, além de pesquisador da área de cinema.
Seguindo a definição do professor, nesse guarda-chuva chamado Filme de Natal cabem desde os dramas mais comoventes e densos como A felicidade não se compra ou as muitas adaptações do clássico Um conto de Natal, do autor britânico Charles Dickens - Os fantasmas de Scrooge é uma dessas adaptações -; até as comédias pastelão como Esqueceram de mim; as comédias românticas como Uma segunda chance para amar; as fábulas infantis, como O grinch, inspirado em personagem literário de Dr. Seuss (o escritor e ilustrador estadunidense Theodor Seuss Geisel) e até histórias com o toque sombrio e fofo de Tim Burton, como O estranho mundo de Jack, que apesar de ter estreado no Halloween de 1993, conta uma história natalina.
“Agora, a gente tem nos cinemas Operação Natal, com The Rock [o ator Dwayne Johnson], que é filme de ação com temática natalina. A indústria vai se abrindo para várias possibilidades porque vê que tem apelo, que o público se interessa. Toda série dos Estados Unidos tem um episódio de Natal, séries animadas tem episódio de Natal, a animação do Batman, nos anos 1990, teve um episódio de Natal. A indústria hollywoodiana valoriza muito porque tem demanda”, enumera Ravazzano.
Cinecartaz
Esqueceram de Mim estreou nos cinemas em dezembro de 1990, mas em fevereiro de 1991, ainda estava em cartaz em Salvador, para aproveitar as férias escolares. O filme foi bem recomendado em reportagem de A TARDE de 02 de fevereiro daquele ano:
“Esqueceram de Mim agrada a crianças dos 8 aos 80 anos. É impossível resistir ao talento de Macaulay Culkin (o ator) e à obstinada gracinha pestinha Kevin (o personagem). Ele tem que cuidar da casa e protegê-la de dois ladrões atrapalhados, pois seus pais viajam e o esquecem”, diz trecho da reportagem que elencou outros três filmes infantis em cartaz na capital naquele ano.
Os filmes natalinos sempre tiveram seu espaço nas páginas do jornal. Tanto na programação semanal das salas de exibição quanto com reportagens anunciando estreias importantes, como a de O Grinch, em 8 de dezembro de 2000, quando o filme chegou à Salvador. A produção, estrelada por Jim Carrey interpretando o monstrinho verde que quer roubar o Natal da cidade de Quemlândia, estreou por aqui já surfando a onda do sucesso internacional.
“Uma mistura de mau humor e determinação para estragar o Natal são os atributos da superprodução O Grinch (How the Grinch Stole Christmas, EUA, 2000),de Ron Howard. A fita, uma comédia infantil estrelada por Jim Carrey, chega acompanhada por recordes de público. Custou US$120 milhões e vem superando expectativas [...]. Já arrecadou, só nos Estados Unidos, US$172 milhões”, diz trecho da reportagem de A TARDE anunciando a estreia de O Grinch por aqui.
Baseado em um conto de 1957, o filme já ganhou outras versões, inclusive em animação, em 2018, com o ator Benedict Cumberbatch, o Doutor Estranho da Marvel, fazendo a dublagem do monstro amargurado e que afirma odiar o Natal. Essa semana, em entrevista ao site ComicBook, Jim Carrey, intérprete do live action [filmes com atores de verdade] de 2000, admitiu com grande entusiasmo que toparia encarnar novamente o personagem sem hesitar, se um novo filme fosse produzido.
Embora não tenha sido exibido nos cinemas de Salvador em 1994, quando estreou no Brasil, O estranho mundo de Jack fez uma boa carreira em DVD e, mais recentemente, ganhou novos fãs graças ao catálogo do Disney+, o streaming da Disney, tornando-se um dos filmes tradicionais de serem assistidos no Natal e figurando nas listas de dicas de produções para ver nesse período.
Com roteiro e produção de Tim Burton e direção de Henry Selick, o filme entrou em cartaz no Halloween de 1993, nos Estados Unidos, mas contando uma história de Natal. O principal personagem da cidade de Halloween, Jack Skellington [ou Skeleton, para fazer o trocadilho com esqueleto, em português], fica fascinado com o Natal e o Papai Noel e decide, ele mesmo, entregar presentes para as crianças no lugar do ‘Bom Velhinho’. Só que a ideia de diversão de Jack é um tanto sombria para as crianças e os brinquedos macabros distribuídos por ele não agradam. No meio da confusão que o personagem provoca, o verdadeiro Papai Noel é sequestrado e Jack precisa resgatá-lo, sob o risco do Natal desaparecer para sempre.
Aniversário da rena
Quem era criança nos anos 1970/80 deve lembrar da animação em stop motion [aquela feita com bonecos e marionetes] Rudolf - A rena do nariz vermelho. A estreia aconteceu em um especial de televisão, em 1964, nos Estados Unidos, mas o fenômeno ultrapassou as fronteiras do país de origem e ganhou o mundo. No Brasil, o filme foi exibido anualmente, sempre na noite de Natal, por emissora de TV aberta, pelo menos até o começo dos anos 2000.
Rudolf, segundo Lucas Ravazzano, começou uma tendência de animações em stop motion, a ponto da produtora que fez o filme ter investido em outras animações natalinas com a mesma técnica, como Frost - o boneco de Natal, Uma verdadeira história de Natal e The Little Drummer Boy.
A história da rena, continua Ravazzano, teve várias versões ao longo do tempo, vários cortes diferentes, sendo que alguns mudaram canções de lugar ou diminuíram cenas e canções para dar mais espaço para os intervalos comerciais.
“Talvez, a mudança mais significativa seja do primeiro para o segundo ano de exibição, quando uma cena foi adicionada. Quando foi exibido pela primeira vez, o público questionava o fato do filme não mostrar o Papai Noel cumprindo a promessa para os brinquedos quebrados rejeitados, de consertar esses brinquedos e levar para as crianças. Na segunda versão, em 1965, eles filmaram uma nova cena mostrando o Papai Noel colocando os brinquedos rejeitados no saco para levar para as crianças”, detalha o pesquisador.
Ainda de acordo com o professor Lucas, Rudolf se insere em um contexto onde as emissoras de TV começaram a pensar em especiais de Natal feitos especialmente para agradar às crianças.
“Tem um ciclo de animação stop motion que fica muito forte a partir do sucesso de Rudolf, que vai seguir ao longo dos anos 60 e início dos anos 70. Nos anos 90, a gente já tem o lançamento de Esqueceram de mim, que é um filme que está nesse clima de união familiar e magia do Natal. Mas é um filme que tem uma comédia mais rasgada na coisa do garotinho que enfrenta os assaltantes, que é uma lógica meio Tom & Jerry, meio de desenho animado”, complementa.
*Colaboraram Priscila Dórea e Tallita Lopes
*Os trechos retirados das edições históricas de A TARDE respeitam a grafia da época
*Material elaborado com base em edições de A TARDE e acervo do CEDOC/A TARDE