Fãs de Raul Seixas renovam devoção ao ‘Pai do Rock’ a cada geração
Cantor faria 80 anos neste sábado; no acervo de A TARDE sobrevivem os registros da relação dos admiradores com o legado do artista

O músico Rafa Luz e o chef de cozinha Sérgio Pinto compartilham o Raulseixismo, a devoção ao cantor e compositor Raul Seixas que reúne grupos de fãs do país inteiro. Os raulseixistas são uma tribo formada por muitas outras, que se unem pelas letras das canções e pela admiração e inspiração na trajetória de vida e nas ideias defendidas pelo artista nascido em Salvador, em 28 de junho de 1945.

Raul faria 80 anos neste sábado, mas quase 36 anos após ele migrar para o plano astral, seguindo a lógica de sua personalidade poética e mística, os fãs se renovam e mantêm vivo o legado de um dos pais do rock nacional.
“O cantor e compositor Raul Seixas tem um público grande e heterogêneo, do qual se destacam os raulseixistas. Estes não apenas admiram um cantor de rock, mas transformam suas vidas, estabelecem relações com seus pares, distanciam-se de outros e criam sociabilidades próprias, articulando-se no tecido social de uma forma específica”, diz trecho do artigo de Juliana Abonízio, publicado na edição número 30 do periódico Estudos de Sociologia, da Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual de São Paulo (Fclar/Unesp).
O artigo analisou 300 cartas dentre as milhares enviadas para o fã-clube Raul Rock Club, agremiação da qual o próprio cantor era participante ativo, segundo reportagem publicada em A TARDE, em 7 de abril de 1991, sobre fã-clubismo na Bahia.
No caso do Raul Rock Club citado na reportagem, a origem é São Paulo, mas a relação com a Bahia se baseava, além da origem do próprio artista, na conexão entre os muitos grupos de fãs dentro e fora do estado onde Raul nasceu. “Raul Seixas talvez reúna o maior número de fãs clubes no país”, afirma a reportagem.
No acervo histórico de A TARDE, preservado no Centro de Documentação (Cedoc) do jornal, a relação de carinho e saudade dos fãs de Raul está presente nas fotografias e nas coberturas jornalísticas que mostram os encontros dos admiradores e as homenagens ao cantor após a sua morte, em 21 de agosto de 1989.

“Jaquetas pretas, algumas de couro, blusões coloridos por baixo, com o retrato do ídolo, botas, tatuagens e uma idéía fixa na cabeça: reverenciar o pai do rock brasileiro e atestar que o autor do verso "eu nasci, há 10 mil anos atrás", tem, no mínimo, mais 10 mil para ser cultuado”, diz trecho de uma reportagem de 22 de agosto de 1995, sobre a visita anual que fãs do cantor fazem ao seu túmulo no cemitério Jardim da Saudade. O mesmo texto de 30 anos atrás revela que naquele ano, a Bahia contava com nada menos que 55 fãs-clubes dedicados ao legado do Maluco Beleza.
Na quase obrigatória peregrinação anual ao Jardim da Saudade, sempre tem alguém, ou vários alguéns, com um violão à tiracolo para tocar Raul por horas. Os raulseixistas e outras tribos improvisam almoço e jantar no cemitério parque, em uma versão contemporânea e mais solar da Sociedade Epicureia, grupo de estudantes que eram também escritores e poetas e se encontravam em cemitérios, em 1845, para farras literárias. A diferença é que a sociedade alternativa formada pelos fãs de Raul não tem aquele elemento gótico e sinistro oitocentista.

“A obra de Raul é o maior símbolo de transgressão que este país já conheceu, por isso, sua tribo pretende perpetuá-la através das gerações”, disse ao A TARDE uma devota que esteve na vigília de 1995.
Malucos e alternativos
Rafa Luz tem 20 anos de carreira e no seu repertório, as canções de Raul são uma constante. O primeiro contato com a obra do artista aconteceu no fim da adolescência, aos 12 anos, após ele assistir um dos videoclipes do cantor no Fantástico. “Eu assistia alguns clipes e sempre aparecia aquela coisa de luz das estrelas, cor do luar, coisas da vida, e isso me chamava muito a atenção. Eu, menino, não sabia explicar nenhum daqueles contextos, mas sabia que aquelas palavras me agradavam de alguma forma”.

A figura magra, com barba grande e óculos escuros chamava a atenção do garoto, que mais velho começou a estudar a obra de Raul Seixas junto com outro amigo. “Eu morava no interior do estado, vim morar em Salvador e conheci um amigo que comprou essa minha ideia. A gente começou a estudar um pouco da obra dele e naquela época não existia internet, então a gente tinha que correr atrás de realmente buscar os discos. A minha mãe teve uma grande influência nisso também, porque minha mãe tinha um disco de Raul, que eu lembro até hoje que eu ouvi até furar", acrescenta.
Para Rafa Luz, a música de Raul é mágica e dialoga com pessoas de todas as idades. “As letras são muito fortes e objetivas, aquilo que você queria ouvir, que você queria fazer”, afirma, completando que o cantor merecia um museu ou centro de cultura para preservar seu legado em Salvador, sua cidade natal. “Existem alguns espaços alternativos, mas que são pessoas que são fãs e que por acreditarem tanto na obra de Raul e não quererem que essa obra se apague, fazem esse tipo de movimento. Mas, eu acho que poderia ter um incentivo maior aqui na Bahia para que a obra desse cara continue se perpetuando”, opina.
O desejo de Rafa pode acontecer mais rápido do que ele pensa. Ao menos, a edição da Revista Muito do último domingo (22) sobre Raul Seixas trouxe a informação de que a prefeitura de Salvador estaria em contato com a família do cantor para criar um memorial em sua homenagem.
O outro fã ouvido para essa reportagem, Sérgio Pinto, foi um adolescente criado no Subúrbio. Ele era punk e se converteu ao Raulseixismo. Dono do boteco Panela de Barro, em Plataforma, no Subúrbio Ferroviário, ele enveredou pela gastronomia e hoje é chef de cozinha. Seu contato com Raul, aos 16 anos, deu um sentido novo à rebeldia e à revolta que sentia.

“Eu era do movimento punk de Salvador, era punk como qualquer jovem da periferia, aquele cara meio rebelde, meio revoltado, mas sempre procurando galgar algum lugar na sociedade. Então, por isso, passei a pesquisar, estudar e escutar músicas. E veio o Raul Seixas, aquele maluco, cabeludo, barbudo, que me chamou a atenção, que era um cara hiper, super inteligente”, elogia.
Sérgio via a si mesmo nas letras de Raul e, com o passar do tempo, percebeu que a obra do artista é atemporal. Mesmo depois de tornar-se chef, não perdeu sua conexão com o cantor. Grafites de Raul enfeitam as paredes do Panela de Barro, que atrai alternativos e outros fãs para ouvir e, principalmente, tocar as músicas do ídolo.
“A forma que eu tive de homenagear Raul Seixas foi colocando em cada prato meu o nome de uma música do Raul. As do lado A e as do lado B, que muita gente não conhece. É uma forma das pessoas lembrarem também e não deixarem a essência do Raul Seixas morrer. A gente está sempre aqui tocando músicas do Raul também, aqui o espaço basicamente é voltado a esse público”.
Raulzito multimídia
O Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD) divulgou na sexta-feira, 27, véspera dos 80 anos de Raul Seixas, um ranking com as 10 músicas mais tocadas do ídolo. A grande vencedora deve seu sucesso ao TikTok. Cowboy Fora-da-Lei lidera a preferência na rede social, o que também explica a popularidade de Raul e a renovação da sua base de fãs, já que o TikTok é uma rede frequentada por usuários bem mais jovens que outras mídias sociais como o Instagram.
Na ordem da primeira à décima, o top 10 de Raul é formado por: Cowboy Fora-da-lei; Se ainda existe amor; Maluco Beleza; Metamorfose Ambulante; Gita; Tente outra vez
Medo da chuva; Ainda queima a esperança; O dia em que a Terra parou e Eu nasci há 10 mil anos atrás. O levantamento foi feito com base nas execuções - vezes em que uma música é tocada - na rádio, em shows, som ambiente [a trilha sonora no dentista], música ao vivo em bares como de Sérgio Pinto, casas de eventos, no Carnaval e no São João. A já citada reportagem da Muito também abordou a relação das músicas de Raul com o São João. O som que ele fazia, inclusive, inovou ao misturar rock, baião, temas místicos, humor, protesto e um certo deboche tipicamente baiano.
Para comemorar os 80 anos de nascimento de Raul, o streaming Globoplay estreou a minissérie Raul Seixas - Eu sou. A série de oito episódios conta a vida e a trajetória artística do cantor, que é vivido pelo ator Ravel Andrade. Um álbum com seis cantores da nova geração tocando as canções de Raul Seixas deve também ser lançado pela efeméride. Os raulseixistas de Salvador dizem amém!