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A Tarde Memória

Por Cleidiana Ramos* | [email protected]

ACERVO DA COLUNA
Publicado sábado, 19 de fevereiro de 2022 às 6:02 h | Autor:

Festa de Itapuã tem protagonismo da comunidade local

No final da década de 80, celebração ganhou mais uma lavagem e os moradores foram responsáveis pela realização

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Baianas participam de cortejo para a realização da lavagem das escadarias da igreja em Itapuã
Baianas participam de cortejo para a realização da lavagem das escadarias da igreja em Itapuã -

No conjunto de celebrações do ciclo de verão que pesquisei para a tese intitulada Festa de Verão em Salvador, orientada pela professora Fátima Tavares, a realizada em Itapuã, que teria acontecido nesta semana se não fosse a pandemia de coronavírus, tem as características do que podemos chamar de uma festa local. O evento não tem um público tão amplo como o da Lavagem do Bonfim ou da Festa de Iemanjá, mas há uma grande conexão com os moradores do bairro, que foram os protagonistas da reorganização dessa celebração no final da década de 1980.

Como outros espaços da orla atlântica da cidade, Itapuã, no início do século XX, era um lugar distante do centro de movimentação da cidade ainda chamado de “arrabalde. A Festa acontecia em homenagem a Nossa Senhora da Conceição, padroeira do bairro, no período de movimentação mais intensa da localidade com a presença dos veranistas.

Uma das primeiras referências sobre a Festa de Itapuã em A TARDE apareceu em meio a informações trágicas com a notícia da morte de Alexandre Nunes que, ao voltar da comemoração, morreu enquanto bebia com os amigos.

“A viagem, se bem que divertida, era longa e esfalfante. Já de volta, ao chegarem os cavalleiros à Pituba, entraram em uma venda ali existente e, enquanto os demais comiam doces ou bebiam água, Alexandre pediu cerveja gelada. Com o corpo agitado, bebeu o primeiro copo sentindo-se logo mal. Ao beber o segundo caiu pesadamente. Estava morto. Estabeleceu-se confuso por falta de transporte, sendo, ao depois, o cadáver do moço transportado para o Instituto Nina Rodrigues, donde a família o retirou hontem, para sepulta-lo no cemitério da Quinta dos Lázaros, dispensada a necropsia pela autoridade-,que excluiu a hypothese de crime”. (A TARDE, 4/2/1922, p2).

Na década seguinte, uma reportagem deu mais detalhes sobre a celebração em Itapuã. Na imagem que acompanha o texto aparece uma procissão. A descrição enfatiza os ofícios religiosos, mas ao final reitera que os próximos dias teriam mais animação.

“Hoje, amanhã e depois as festas continuarão tão ou mais animadas do que até agora”. (A TARDE, 3/2/1933, p2).

Edições de A TARDE apontam diferentes formatos experimentados pela Festa de Itapuã
Edições de A TARDE apontam diferentes formatos experimentados pela Festa de Itapuã | Foto: Arquivo A TARDE

Pausa

De 1940 a 1960 houve uma pausa nas menções sobre a Festa de Itapuã em A TARDE. Como o jornal é um importante mediador de aspectos importantes para a coletividade, esse hiato pode ser um indicador de como a comemoração atravessava algum tipo de perda de elementos que lhe davam mais proeminência.

Uma possibilidade é que estivesse ocorrendo algum tipo de ofuscamento, devido à visibilidade cada vez maior para a Festa de Iemanjá no Rio Vermelho, que ampliou sua projeção a partir desse período. Mas é apenas uma hipótese baseada na análise de reportagens sobre as festas de verão em A TARDE. Nesse período a Festa de Itapuã ocorria no início de fevereiro.

O retorno de citações à comemoração em A TARDE aconteceu em 1960. A reportagem relacionou a celebração no bairro com o culto a Iemanjá por meio da notícia de que a cidade receberia uma caravana formada por sacerdotisas e sacerdotes de candomblé e umbanda, que viajavam pelo país levando um quadro com a imagem da orixá. O grupo denominado “Comissão de Iemanjá” era presidido por Dala Paes Leme, de umbanda, e Joãozinho da Goméia, de candomblé.

“Certa vez pescadores das praias de Itapoã acreditaram ter observado uma visão: uma linda mulher, cabelos caídos sobre os ombros, trajando comprido manto branco, saía das águas sobrassando um ramalhete de flores. Conta a lenda que a deusa tinha um manto azul e trazia nas mãos grinalda de rosas que era a oferenda daqueles que todos os anos no dia da sua festa emparzem flores sobre o mar em sua honra”. (A TARDE 19/1/1960, p.3).

Na capital baiana, segundo o texto, o quadro em que Iemanjá é retratada com cabelos trançados, diferentemente da versão mais conhecida em que ostenta longos cabelos lisos, foi levado a diversos terreiros. No dia 3 de fevereiro daquele ano, de acordo com a reportagem, seria transportado para a Festa de Itapuã. O texto informa que há cinco anos a pintura era levada em peregrinação.

Dez anos depois a festa já integrava o calendário do ciclo de verão. Os trios elétricos passaram a fazer parte da programação o que desagradou os defensores do modelo mais antigo. Em 1974, por exemplo, a notícia sobre a festa foi publicada na edição de 8 de fevereiro de A TARDE. A data estava em uma zona intermediária: após o dia 2 de fevereiro e a semana anterior ao Carnaval que, naquele ano, teve como feriado o dia 26.

“Pela primeira vez, as baianas não foram a pé buscar a água de Janaina — deusa dos rios e da água doce — na lagoa do Abaete, para fazer a lavagem do adro da Igreja de Nossa Senhora de Itapuã, que começou com uma hora de atraso, depois que houve, por volta das 11h10min, uma ligeira melhoria do tempo, chuvoso e frio. Elas foram obrigadas a utilizar um ônibus para ir até a lagoa, porque o caminho estava cheio de lama. Da lavagem somente participaram dez baianas do terreiro da mãe-de-santo Ondina: estava previsto que mais de 60 baianas estariam presentes, mas as fortes chuvas impediram o deslocamento delas e dos carroceiros, que chegaram depois de terminada a lavagem, feita ao som de músicas modernas como “Xodó” e “Boi da Cara Preta”, que o povo cantou, alegremente”. (A TARDE, 8/2/1979, p3).

Reorganização

No início da década de 1980 aumentaram as queixas sobre a descaracterização da Festa de Itapuã. Além da proximidade maior com o Carnaval e introdução dos trios elétricos, a paróquia local transferiu a festa da padroeira para o dia litúrgico em que a Igreja Católica celebra Nossa Senhora da Conceição: 8 de dezembro. Na capa da edição de 27 de janeiro de 1983, A TARDE fez uma crítica à transferência da comemoração católica.

“O povo vai reviver a sua tradição, apesar das divergências provocadas por alguns párocos, que somente trazem prejuízo para as festas populares da Bahia, onde o povo sempre manifestou a sua fé, sem permitir que o lado profano apagasse o brilho dos atos religiosos. Os moradores de Itapuã e Pituba se queixam disso e acham que alguns padres, divorciados dos costumes da nossa terra, estão quebrando tradições que se incorporaram ao povo baiano e afastando os turistas, que para aqui vêm apreciar as nossas festas populares”. (Povo faz a lavagem de Itapuã, A TARDE, 27/1/1983, capa).

Com a saída dos ritos católicos a lavagem das escadarias da igreja, que fica fechada no dia da festa, passou a ter maior protagonismo. Em 1989, uma comissão de moradores do bairro, após uma reunião com a Emtursa, na época um órgão da prefeitura, decidiu pela realização de duas lavagens: uma nas primeiras horas da manhã realizada pela comunidade local e a outra um pouco mais tarde com a participação das baianas.

Em 2003, o Bando Anunciador da festa voltou a ser incorporado à programação. O ponto de saída da edição que acompanhei em trabalho de campo há cinco anos era a casa da enfermeira Eunice Gomes de Souza, conhecida como Dona Niçu. Na reportagem de A TARDE, publicada em 21 de fevereiro de 2003, ela relatou um sonho que a levou a defender a lavagem realizada pelos moradores.

“Um dia, há 17 anos, eu sonhei que tinha que fazer uma lavagem antes, para preparar a que viria mais tarde” explicou dona Niçu, como é conhecida a enfermeira aposentada Eunice Gomes de Souza, iniciada no culto afro-baiano e uma espécie de mãe do ritual que inicia a festividade”. (A TARDE, 21/2/2003, pA6).

Edições de A TARDE apontam diferentes formatos experimentados pela Festa de Itapuã
Edições de A TARDE apontam diferentes formatos experimentados pela Festa de Itapuã | Foto: Arquivo A TARDE

O esforço de Dona Niçu, já falecida, sua família e de outras moradoras e moradores do bairro foi fundamental para a renovação da festa. Embora tenha essa característica mais local, a comemoração em Itapuã acolhe os visitantes de braços abertos e se tornou o encerramento, com chave de ouro, do ciclo do verão e, ao mesmo tempo, abre-alas para o início do Carnaval.

A reprodução de trechos das edições de A TARDE mantém a grafia ortográfica do período. Fontes: Edições de A TARDE, Cedoc A TARDE. Confira mais conteúdo de A TARDE Memória, no portal A TARDE, e em A TARDE FM.

*Cleidiana Ramos é jornalista e doutora em antropologia

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