Fonte Nova quase foi o palco do milésimo gol de Pelé
Grande festa foi preparada com direito a trio elétrico, mas o Bahia tinha outros planos

Estava tudo pronto para uma grande festa na Fonte Nova em 16 de novembro de 1969. A partida entre Bahia e Santos pelo campeonato nacional era a oportunidade do milésimo gol de Pelé ocorrer em território baiano. Até um terreno de 10 mil metros quadrados foi dado ao Rei do Futebol pelo governador Luiz Viana Filho em Aratu para um empreendimento industrial. Mas a defesa do Bahia impediu a festa que tinha na programação visita ao Bonfim e som de trio elétrico. O Bahia saiu na frente, o Santos empatou, mas o gol do time paulista foi de Jair Bala. Talvez, essa tenha sido a primeira partida em que a torcida do time local queria ver o gol da equipe adversária afinal seria mais do que especial.
“E o milésimo gol de Pelé que todos esperavam, não foi marcado na Fonte Nova. Não que o “Rei” não fizesse por conseguir o tento que era esperado. No primeiro tempo, aos 17 minutos, Pelé chegou a driblar Jurandir. Todo o público ficou de pé esperando o tento. Pelé atirou na certeza que iria marcar, mas surgiu milagrosamente o zagueiro Nildo para tirar a bola em cima da linha de gol. No segundo tempo, Pelé fez outra jogada genial, levou a melhor sobre Nildo, carregou a bola no peito e atirou por cima do goleiro. Novo suspense: a bola passou por Jurandir, mas desta vez bateu no travessão e voltou para a pequena área, onde se encontrava Jair Bala para marcar o tento de empate. Mais uma vez o grande público sentiu-se frustrado. Primeiro, porque já se esperava o triunfo do Bahia por 1X0 e, segundo, porque não foi gol de Pelé. O resultado de 1X1, contudo, foi justo pelo que fizeram as duas equipes, durante toda partida”. (A TARDE, 17/11/1969, p.15).

Mesmo sem o milésimo gol de Pelé, a cobertura de A TARDE foi extensa. Além da chamada na capa foram dedicadas mais três páginas- 14, 15 e 16- ao jogo ocorrido na Fonte Nova. Outras notícias sobre a passagem de Pelé por Salvador, inclusive o encontro com o governador, foram detalhadamente registradas.
“O Governador Luís Viana Filho recebeu, ontem, às 11 horas, no Palácio de Ondina, a Pelé, ocasião em que ofereceu ao "Rei" uma área de 10.000 metros quadrados no Centro Industrial de Aratu, para que ele se torne industrial ali. Na oportunidade, o Governador disse que o pagamento da área seria simbólico (um cruzeiro novo) e que ele próprio fazia questão de efetuá-lo”. (A TARDE, 17/11/1969, p.15).
Na reportagem não foi informado qual seria a atividade da indústria de Pelé. Mas, além de agradecer ao governador, o astro do futebol foi até Aratu para conhecer sua nova propriedade.
O milésimo gol saiu três dias depois da partida realizada na Bahia. Pelé marcou contra o Vasco na partida vencida pelo Santos por 2X1 no Maracanã.
Pelé, o “Olheiro”
Após sete anos da visita a Salvador que só não foi mais marcante porque seu milésimo gol não foi marcado, Pelé retornou na condição de “olheiro” da Seleção Brasileira. Na partida entre Bahia e Grêmio pelas semifinais do campeonato brasileiro, Pelé ficou impressionado com os desempenhos dos jogadores Douglas e Baiaco que defendiam o tricolor baiano.
“Bastante atento, gesticulando e comentando cada detalhe da partida, Pelé assistiu à vitória do Bahia ontem à noite, na Fonte Nova, na Tribuna de Honra, ao lado do presidente Fernando Schimidt e de alguns repórteres que queriam ouvir do astro máximo do futebol mundial suas impressões sobre o jogo. Muito bem-vestido com um conjunto vermelho, ele chegou com 17 minutos após o início do jogo. Atendeu a todos que o abordaram com muita cortesia fazendo comentários sobre o jogo: "O Bahia está realmente multo bem plantado. Seu meio de campo marca muito bem e Baiaco com seu excelente sentido de cobertura está dando uma grande segurança aos zagueiros. Na frente, Douglas como homem de ligação está criando as maiores jogadas de perigo”. (A TARDE 11/11/1976, p.15).

Na estadia em Salvador, Pelé cumpriu uma extensa agenda para além do futebol: passeio de lancha pela Baía de Todos-os-Santos, um almoço com representantes do Bahia e participou do lançamento da campanha “Bahia Gigante”. Ao lado do sócio Alfredo Saad promoveu um empreendimento imobiliário em Mar Grande.
Quatro anos depois, a relação com Saad trouxe alguns problemas para Pelé. Ele foi apontado como testemunha por advogados de um caso de despejo do Royal Dance Center que ficava na Barra, pois o bailarino e diretor do estabelecimento, Diógenes Magalhães, afirmou que Pelé tinha conhecimento de algumas questões apontadas no processo. O ex-jogador foi intimado por meio de carta rogatória, um instrumento para comunicação entre a Justiça de países diferentes, pois na época ele estava morando nos Estados Unidos.
Ajuda a Hollyfield
De 1995 a 1998, Pelé foi ministro dos Esportes no governo de Fernando Henrique Cardoso. Nessa condição ele foi procurado pelo pugilista baiano Reginaldo Hollyfield Andrade. O projeto do boxeador era promover uma luta para que houvesse a unificação de títulos mundiais. A visita foi também uma ocasião política, pois o boxeador viajou a Brasília em companhia de políticos da Bahia.
“O pugilista baiano Reginaido "Hollyfield" Andrade, em audiência bastante concorrida com o ministro extraordinário dos esportes, Edson Arantes do Nascimento, Pelé, recebeu ontem manifestação de apoio que pode ser decisiva para a realização da primeira unificação de dois títulos mundiais por um brasileiro, e no Brasil, Hollylield conseguiu a audiência por intermédio do deputado federal Marcos Medrado (PPB-BA), que tem se mobilizado no sentido de apoiar o campeão. O vereador Alcindo da Anunciação, aliado de Medrado, também acompanhou o campeão, juntamente com o deputado estadual Paulo Carneiro, presidente do Vitória, que debateu com Pelé a lei do passe”. (A TARDE, 18/4/1996, Esportes p.18).
Pelé recebeu a proposta, segundo o texto, com entusiasmo e prometeu apoiar Hollyfield. A proposta tinha um custo total de US$ 6 milhões dos quais a maior parte- US$ 5 milhões- estava assegurada pela Rede de TV que patrocinava o então campeão mundial Roy Jons Jr. O restante, US$ 1 milhão, teria que ser bancado por um acordo entre governo brasileiro e iniciativa privada na proposta levada por Hollyfield.

Além da cobertura destes eventos mais próximos do cotidiano baiano, a trajetória de Pelé foi cuidadosamente registrada em A TARDE. Os títulos pela Seleção Brasileira, os marcos da sua carreira vitoriosa no esporte estão relatados em reportagens e especiais. São detalhes de um reinado que se tornou incontestável a ponto de ser celebrado mesmo pelas torcidas adversárias. Como ele mesmo disse de outras formas, foi um atleta único o que torna comparações estatísticas apenas o que elas são: números. Mas reproduzir a aura que tomou a vida desse atleta é algo que, se ocorrer, vai entrar para o patamar do fantástico.
*Cleidiana Ramos é jornalista, doutora em antropologia e produz os conteúdos de memória para canais do Grupo A TARDE
*Íssala Queiroz é estudante de jornalismo e atua nos projetos sob supervisão de Cleidiana Ramos