Menu
Pesquisa
Pesquisa
Busca interna do iBahia
HOME > colunistas > A TARDE MEMÓRIA
COLUNA

A Tarde Memória

Por Cleidiana Ramos*

ACERVO DA COLUNA
Publicado sábado, 09 de setembro de 2023 às 7:00 h | Autor:

Guardião da tradição ijexá, Ilê Axé Kalé Bokun celebra 90 anos

Reconhecido como patrimônio de Salvador, terreiro foi destaque em edições de A TARDE

Ouvir Compartilhar no Whatsapp Compartilhar no Facebook Compartilhar no X Compartilhar no Email
Yalorixá Vânia Amaral
Yalorixá Vânia Amaral -

A nação ijexá foi tema de um registro em página dupla na edição de A TARDE de 29 de julho de 2007. Na primeira reportagem, o texto destacou a identificação de terreiros dessa tradição em Salvador a partir de um mapeamento realizado pelo Centro de Estudos Afro Orientais da Ufba (Ceao). A demanda foi apresentada pela Prefeitura de Salvador por meio das secretarias de Reparação e Habitação. A página seguinte abrigou uma entrevista pingue-pongue com o antropólogo Vivaldo da Costa Lima em que ele explicava que o ijexá não se esgota em ritmo, mas que é um complexo ritual. Na reportagem o protagonismo foi para o terreiro Ilê Axé Kalé Bokun. Localizada em Plataforma, a comunidade, que foi reconhecida como patrimônio de Salvador em 2019, está festejando 90 anos.

“O fundador do Kalé Bokun, Severiano Santana Porto, filho de Logum Edé, foi consagrado por tia Jerônima. Os dois eram parentes de tia Cândida de Oxalá. Da Ribeira, onde sediou a primeira casa, o babalorixá, título que, no caso dele, era o que indicava o mais alto posto da casa, migrou para o local conhecido como Bate-Estaca, em Plataforma. Foi ali que ele consagrou seus primeiros filhos-de-santo. Depois, mudou-se para a Rua Antônio Balbino, no mesmo bairro, onde a casa está até hoje. A data de apresentação dos primeiros consagrados – 20 de agosto de 1933 – é o marco de fundação do terreiro”. (A TARDE, 29/07/2007, p.11).

Download
368.14kb

Nação é um termo utilizado para caracterizar a origem da herança religiosa de um terreiro de candomblé a partir de marcadores como o idioma dos ritos. O ijexá faz parte da categoria nagô, que engloba diversos grupos que utilizam o iorubá. O território da atual Nigéria é o local de procedência da maioria deles. São tradições de culto aos deuses chamados orixás. Na nação ijexá todos são cultuados, mas Oxum, a senhora das águas doces, e seu filho Logum Edé, têm um maior protagonismo.

Um dos elementos muito fortes nos ritos dessa nação é o toque que tem um ritmo compassado e marcado pelo instrumento chamado agogô, um conjunto de varetas de metal, e pela cabaça adornada por contas conhecida como xequerê. Além disso, os tambores, conhecidos como ilu, são tocados com a mão- nas tradições ketu e jeje usa-se as varetas chamadas agdavi. O ritmo foi popularizado pelos afoxés, especialmente o mais famoso deles: o Filhos de Gandhy. Por isso, em 2007, na entrevista, o antropólogo e professor emérito da Universidade Federal da Bahia ( Ufba) Vivaldo da Costa Lima (1928 – 2010) reiterou:

“Ritmo coisa nenhuma. O ijexá é um complexo ritual, baseado, naturalmente, nas origens e nas vertentes nagôs ou iorubanas de Oyó, os seus vizinhos iorubás, mas que tinham uma característica própria. O ijexá é uma nação de santo, com rituais próprios, dentro da língua que hoje chamamos de iorubá-nagô. O ritmo é uma das características do ijexá, tocado até no (afoxé) Filhos de Gandhy. Mas, não é só aquilo: o ijexá era uma nação independente. Conheci, na África, pessoas importantíssimas de uma grande hierarquia de poder. O rei de ijexá era chamado de owá. Eu me dava muito com o sobrinho dele, que era um doutor em física, John Fagbemi. Essa palavra quer dizer “Ifá me trouxe”, “Ifá me pariu”, “Ifá me teve”. Ele me levou algumas vezes a Ilexá, cidade ijexá. Lá conheci muitas coisas.”. (A TARDE, 29/07/2007, p.12).

Download
889.25kb

Vivaldo da Costa Lima é o autor de um artigo intitulado O conceito de nação nos candomblés da Bahia, publicado em 1976, no volume nº 12 da revista Afro-Ásia, vinculada ao Ceao. O texto mostra como um termo político passou a designar um conjunto de elementos definidores de uma herança étnica. O artigo também apresenta como se davam as relações em solo africano entre vários desses grupos culturais que estão na base das religiões de matrizes africanas na Bahia, especialmente o candomblé. Um dos mais proeminentes antropólogos brasileiros, Vivaldo da Costa Lima escreveu outros trabalhos com leitura obrigatória para quem realiza pesquisas no campo das religiões afro-brasileiras e da antropologia da alimentação, como A família de santo nos candomblés jejes-nagôs da Bahia; São Cosme e São Damião- o culto aos santos gêmeos no Brasil e na África; A Anatomia do acarajé e outros escritos; Lessé Orixá: nos pés do santo, dentre outros.

Por essa confusão em relação ao ritmo circulou a informação de que essa nação estava extinta. Mas, no levantamento intitulado Mapeamento dos Terreiros de Salvador, uma ampla pesquisa sobre as casas de santo da capital baiana coordenada por Jocélio Teles dos Santos, doutor em antropologia e professor titular da Ufba, realizada a pedido das secretarias municipais de Reparação e Habitação, foram identificados 1,3% de terreiros ijexá no universo de 1.149 pesquisados no estudo.

Resistência

O Kalé Bokun foi um desses locais de resistência e preservação dos ritos na tradição ijexá. Especialmente algumas das celebrações internas preservaram as formas próprias de culto dessa nação.

“Foi uma longa luta e nós continuamos resistindo e mantendo a tradição que foi sendo construída por meio da nossa família religiosa”, diz Vânia Amaral, ialorixá do Ilê Axé Kalé Bokun. A importância do terreiro foi reiterada com o seu registro como patrimônio de Salvador em 2019. “Esse foi um dos resultados dessa nossa história de resistência”, completa Mãe Vânia.

O Kalé Bokun tem a orixá Oxum como a sua principal divindade, como explica Mãe Vânia. “Nós somos um povo de culto das águas. Para nós da nação ijexá esse elemento é fundamental”, diz. A história do Kalé Bokun e a sua importância para a preservação da tradição ijexá foi registrada no livro Ijexá, o povo das águas. De autoria de Vilson Caetano de Sousa Júnior, antropólogo, professor da Ufba e babalorixá do Terreiro Ilê Obá L´Oke, a obra resultou do estudo realizado por ele para sedimentar o tombamento do terreiro.

Essa tradição é mais uma daquelas que enriquece a nossa já rica herança africana. E, como geralmente, acontece, os elementos ijexá foram além do campo religioso. Está na música como a bela canção É D´Oxum, de Gerônimo e Vevê Calazans e Ijexá, composta por Edil Pacheco e imortalizada na voz de Clara Nunes. O ijexá é marcante também no Carnaval por meio da beleza dos afoxés e alimenta outras criações e suas potencialidades. Ele continua sempre em movimento como as águas.

  • Shirley Stolze | Ag. A TARDE
Data: 12/03/2019
    Shirley Stolze | Ag. A TARDE Data: 12/03/2019 |
  • Guardião da tradição ijexá, Ilê Axé Kalé Bokun celebra 90 anos
    |
  • Guardião da tradição ijexá, Ilê Axé Kalé Bokun celebra 90 anos
    |
  • Guardião da tradição ijexá, Ilê Axé Kalé Bokun celebra 90 anos
    |

Cleidiana Ramos é jornalista e doutora em antropologias

*A reprodução de trechos das edições de A TARDE mantém a grafia ortográfica do período.

APONTE A CÂMERA DO CELULAR E ACESSE CONTEÚDOS DO A TARDE MEMÓRIA

Download
723.23kb

APONTE A CÂMERA DO CELULAR E ACESSE O PROJETO REC A TARDE

Download
724.86kb

Compartilhe essa notícia com seus amigos

Compartilhar no Email Compartilhar no X Compartilhar no Facebook Compartilhar no Whatsapp

Assine a newsletter e receba conteúdos da coluna O Carrasco