História de amor e força feminina conduzem o Museu Costa Pinto há 55 anos
Espaço de cultura no Corredor da Vitória foi criado por viúva para abrigar os mais de três mil itens de uma coleção particular
Margarida Costa Pinto construiu um museu desde os alicerces, por amor. Em 1946, o seu marido Carlos morreu e, para atender ao último desejo dele, de que a sua coleção particular de arte decorativa nunca saísse da Bahia, ela iniciou o movimento que, 23 anos mais tarde, resultaria no Museu Carlos Costa Pinto, no Corredor da Vitória. O espaço foi inaugurado há 55 anos, em 05 de novembro de 1969, como uma contribuição à memória histórica e social baiana. No local estão em exposição peças que remontam aos séculos XVIII e XIX doadas pela criadora da instituição.
“O museu é o legado deles [de Carlos e Margarida], é também sobre o amor que ele tinha pela Bahia. Ele não deixou escrito que aqui seria um museu, mas ele dizia a ela que tinha vontade que essa coleção não saísse daqui. E ela percebe esse sonho dele. Ela construiu essa casa depois da morte dele, a casa ficou pronta em 1958. Em 1968, ela constituiu a Fundação Museu Carlos Costa Pinto, e, em 1969, o museu foi inaugurado”, resume a museóloga e diretora executiva da casa, Bárbara Santos.
Ela destaca que o diferencial na gestão do museu está na energia majoritariamente feminina que comanda o local. “O museu sempre foi gerido por mulheres. Margarida foi a instituidora, depois veio a dona Mercedes Rosa [a primeira diretora], que chegou aqui seis ou sete anos antes da inauguração, recebeu a coleção das mãos de Margarida, estudou, classificou e organizou esse acervo. Durante anos ela foi a diretora e ainda hoje é a grande fonte de consulta da equipe técnica, que é toda feminina”, conta Bárbara, que assumiu o posto depois que Mercedes Rosa se afastou da direção.
“Minha história se confunde com a do museu. Eu me casei no ano em que cheguei aqui e digo que me casei com o meu marido e com o museu. Eu cheguei para trabalhar com dona Mercedes e durante anos fui sua diretora adjunta. Esse museu nasceu de uma história de amor e é mantido pelo grande amor da equipe, que é muito coesa”, enfatiza.
Desde março deste ano, o museu vem passando por uma reestruturação que começou com a alteração do nome original para o acréscimo também do apelido de sua fundadora. Agora, a denominação oficial é Museu Carlos e Margarida Costa Pinto. Além disso, houve reformulação da identidade visual, a inclusão do iorubá e do tupi nos textos sobre o acervo e um novo olhar para a programação.
A coleção de uma vida
Na página 3 da edição de 06 de novembro de 1969, A TARDE destacou a inauguração do museu, na noite de 05 de novembro, com a chamada ‘Coleção da vida inteira é agora acervo de museu’. As mais de três mil peças em exibição até hoje foram reunidas pelo casal Costa Pinto durante 25 anos. A museóloga Bárbara Santos lembra que o local abriga uma coleção fechada e composta por peças privadas e que, por isso, não recebe novos itens. “É a coleção de Carlos e de Margarida Costa Pinto. Então, ele [o museu] cresce em serviços, em tornar-se mais inclusivo para a população”.
Mais adiante, o texto de A TARDE enumera alguns itens do acervo: “Jóias de ouro. usadas pelas baianas no tempo da colônia, numerosas peças de prata, louças, telas e móveis constituem o acervo do nôvo museu, que vem constituir mais uma atração turística da Bahia, servindo também ao ensino e à cultura. Tendo esperado durante mais de vinte anos pela existência de condições para sua abertura, o museu pôde ser inaugurado graças ao convênio celebrado entre a fundação, sua proprietária, e o Governo do Estado”, diz trecho da reportagem.
Até hoje, o Costa Pinto é mantido por convênios com o governo baiano através do incentivo proveniente de políticas de ações continuadas na área da cultura. “Não é fácil manter um museu desse porte, não só a parte de estrutura, como a parte de ação educativa. Estamos sempre ativas para garantir recursos, na busca de parceiros ou com o aluguel do espaço”, acrescenta Bárbara Santos.
A cobertura da inauguração destacou também a presença de 500 convidados que prestigiaram a iniciativa de Margarida Costa Pinto, como o governador da época, Luiz Viana Filho, o historiador e professor Pedro Calmon, o arcebispo primaz e cardeal Dom Eugênio Sales, ex-ministros, jornalistas e diretores de outros acervos pelo país.
Meses depois da abertura oficial, em 21 de março de 1970, A TARDE voltou a fazer reportagem enfatizando a importância da mostra permanente, com descrições detalhadas das peças mais ricas e imponentes. O texto também afirmava que o local atraía desde os moradores da cidade, das mais variadas classes sociais, até especialistas em arte decorativa:
“Já se contam por milhares as pessoas que o percorreram, e a tôdas elas impressionou profundamente: a especialistas de relevo mundial, como o Professor Robert Smith. a pessoas de cultura e sensibilidade, a turistas despreocupados, a estudantes ávidos de intêresse. a gentes de todo o mundo que por aqui passam, a museólogos de exigente parecer, a embaixadas de ilustre comitiva, a gente simples que gosta de ver e admirar, simplesmente”, afirma o texto.
O Museu Costa Pinto sempre teve ampla cobertura do jornal ao longo das décadas. Nas bodas de prata, em 1994, a página de turismo da edição de 30 de março trouxe inúmeras fotografias de peças e do mobiliário e um roteiro de visitas. “Na entrada do museu existe uma planta baixa de perspectiva isométrica, indicando a localização de todas as salas e os anexos, traçando assim um roteiro de visitas. [...] No hall de entrada do museu estão os castiçais de banqueta de praia, balangandãs e conjunto de cruz e lanternas usados em procissões. Subindo a escada, à direita, está a saleta com porcelana chinesa”, detalha o roteiro da época.
História de liberdade
“O museu reúne objetos, mobiliário, as porcelanas que retratam uma época.. Nós já tivemos uma exposição belíssima que conta a história da Vitória. As casas do Pelourinho eram cheias do que está aqui dentro hoje. Isso é importante para que a cidade se reconheça nesse espaço. E, as Joias de Crioula, que hoje denominamos de Joias de Liberdade, são o diferencial da casa, é uma coleção muito bonita, que já viajou o mundo inteiro para várias exposições”, complementa a diretora executiva.
As chamadas Joias de Crioula, as peças de maior destaque no acervo do Costa Pinto, consistem em peças em ouro ricamente lavradas que, junto com o mobiliário, a prataria, louças, cristais, quadros e objetos decorativos, revelam os dias de opulência da nobreza baiana enriquecida a custa da escravidão. Essas joias e balangandãs, no entanto, contam também uma outra história de luxo e ostentação como símbolo da conquista da liberdade por mulheres que juntaram pecúlio para negociarem as próprias alforrias, quando a riqueza do açúcar começou a minguar os cofres dos senhores.
Nos tempos coloniais, eram as mulheres que serviam no âmbito doméstico que desfilavam ornamentadas com essas joias opulentas como uma forma de, com seus corpos trabalhados em ouro, exibirem a abastança da casa senhorial. No século XIX, muitas dessas mulheres também passaram a trabalhar para juntar dinheiro. As ganhadeiras trabalhavam para os patrões e para si mesmas no comércio, geralmente. Quando reuniam o suficiente, compravam a própria alforria. Ostentar ouro, agora, era uma forma das chamadas negras do partido alto afirmarem sua condição de liberdade e o novo status social ao vestirem-se luxuosamente.
Para enfatizar essa história de reconquista de independência e poderio feminino é que o Museu Carlos e Margarida Costa Pinto agora chamam as Joias de Crioula de Joias de Liberdade. Essas peças, junto com as roupas ricamente trabalhadas, também eram um marcador identitário de resistência, pois junto com o ouro, as negras do partido alto carregavam elementos das religiões de matriz africana.
*Colaboraram Priscila Dórea e Tallita Lopes
*Os trechos retirados das edições históricas de A TARDE respeitam a grafia da época
*Material elaborado com base em edições de A TARDE e acervo do CEDOC/A TARDE