Igrejas de mais de 200 anos em Salvador predominam no sonho das noivas
Embora as paróquias de bairro sejam mais buscadas com o passar do tempo, as cerimônias em templos seguem mobilizando casais

“Suntuoso modelo em tafetá de seda pura, com pala e saia-base em organza plissada, bordado com renda e entremeios, e rebordado com pérolas, lantejoulas, miçangas, strass e canutilhos”. Na edição de domingo de 03 de março de 1991, A TARDE abria uma série sobre casamentos apresentando os croquis e a lista dos tecidos nobres para a confecção do vestido dos sonhos de qualquer noiva católica que desejasse uma cerimônia como manda o figurino tradicional: na igreja, com véu e grinalda.
A estreia da série foi toda dedicada ao vestido, item importante para as nubentes. Nas demais reportagens, os protagonistas eram o buffet e a igreja.
Nesse quesito, os templos históricos de Salvador tinham a preferência naquela época e ainda hoje, embora com o passar dos anos, os casais optem pelas igrejas de suas paróquias de origem, segundo informações da Arquidiocese de Salvador. Maio, mês do calendário católico dedicado à Virgem Maria, também segue firme entre os preferidos, daí ser conhecido como o Mês das Noivas na tradição casamenteira.
“Em torno desse tema da igreja existem muitas realidades e uma delas é o investimento financeiro. É um grande investimento que se faz quando se procura realizar aquele casamento das novelas, aquele casamento muitas vezes idealizado pela mídia. Mas, na verdade, a escolha do templo depende muito da devoção de cada pessoa e da beleza do templo”, afirma o padre Marcos Studart, assistente eclesiástico do Setor Família e membro da diretoria do Pontifício Instituto para as Ciências do Matrimônio e da Família, da Arquidiocese de Salvador.
O religioso acrescenta que muitos casais procuram os templos ligados à própria devoção ou que tenham laços profundos familiares, como por exemplo, porque os pais foram batizados ou casaram em uma determinada igreja. “O templo tem importância porque é o lugar que acolhe a cerimônia, que supostamente é uma cerimônia para toda a vida e que marca a vida”, continua o padre Marcos.
Entre as igrejas históricas tradicionais que estão na preferência dos noivos, ele cita a Conceição da Praia, a Paróquia de Nossa Senhora da Vitória e a Capela de Santo Antônio, na Graça. Em sites especializados em cerimônias de casamento aparecem a Igreja de Santa Teresa, no Museu de Arte Sacra; a Catedral Basílica, no complexo do antigo Colégio dos Jesuítas; e a Igreja da Casa Pia dos Órfãos de São Joaquim, um dos endereços de casamento da elite baiana.

Complementam a lista, a Igreja de Santa Terezinha, no Chame-Chame, a Pupileira, em Nazaré, Ordem Terceira do Carmo, Nossa Senhora das Mercês, Santo Antônio da Barra, Santa Clara, no Convento do Desterro, e a igreja do Bonfim, só para citar algumas das mais antigas e famosas da cidade.
“Algo bem interessante, que eu acho que já é resultado de nosso tempo, é uma tendência da mudança na escolha de templos tradicionais, que geralmente são marcados por uma cerimônia pomposa, para o casamento nas próprias paróquias. Muitas pessoas estão optando por isso, onde encontram a possibilidade de realizar uma cerimônia mais simples e com muita beleza”, diz o padre Marcos.

Além de facilitar a presença de amigos e familiares, o casamento nas paróquias de origem acaba reforçando laços de fé em comunidade, defende o religioso. “É importante ressaltar que em todas as igrejas, o mais importante não é [somente] o aspecto histórico ou a beleza do templo, mas sim a boa vontade de cada noivo, de cada noiva, e o desejo de constituir essa nova vida através do matrimônio”.
Pompa e circunstância
A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) já criticava o exagero nas cerimônias de casamento suntuosas nos anos 1990. “Para os mais ricos, um lembrete: a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) não está satisfeita com o que considera ‘excessos de pompa e exibicionismo nas cerimónias’”, diz trecho de outra reportagem sobre o setor de casamentos em A TARDE, em 02 de maio de 1993.
Na ocasião, a reportagem refletia a crise econômica que o país atravessava, antes da criação do Plano Real, que é de 1994, e trazia dicas para o casamento dos sonhos apesar da conjuntura desfavorável. Trazia ainda dados da queda no número dos casamentos, usando dados do IBGE de 1980 e 1990, tanto no país, quanto na Bahia.
O mais curioso era uma tabela de preços, em dólar, com os valores para a cerimônia nas principais igrejas, sem contar com a parte de recepção após a celebração. Em maio, quando a reportagem foi publicada, a moeda corrente no país era o Cruzeiro (Cr$). De agosto de 1993 a junho de 1994, o dinheiro circulante era o Cruzeiro Real (CR$) e, em julho de 1994, a moeda mudou para o Real (R$) que vigora até hoje. A tabela em dólar se explicava pela estabilidade da moeda norte-americana diante das incertezas e da transição monetária que o Brasil vivia na época.

Além dos templos católicos já citados, o Mosteiro de São Bento também entrava nessa lista publicada em 1993. Fora do catolicismo, a tabela informava quanto custava casar na Seicho No Ie do Brasil e na Presbiteriana da Bahia. E trazia orientações sobre como economizar no aluguel do carro que levaria a noiva até a igreja e no vestido, que era bem mais em conta ser alugado, na época, do que confeccionado conforme a descrição que abre essa reportagem.
Benção colonial
O casamento enquanto instituição social e sacramento católico é um evento antigo. Mas, segundo o padre Marcos Studart, o formato foi mudando com o passar do tempo. “Com a estruturação da igreja e dos sacramentos foi que o casamento tomou esse formato de ser dentro de um templo, com a presença de uma testemunha qualificada, músicas, leituras, todo um ritual em torno da celebração”, enumera.
Na Bahia, os ritos católicos do casamento chegam com o colonizador português e, basicamente, após a fundação de Salvador, em 1549, que marca de fato o processo de ocupação sistemática do território. A própria igreja da Conceição da Praia tem sua origem ligada à chegada de Thomé Souza, que foi quem trouxe para a cidade a ser construída, a imagem de Nossa Senhora da Conceição. A versão atual do templo, por sua vez, foi erguida no século XVIII, com as famosas pedras de Lioz transportadas de navio e já cortadas para serem encaixadas na montagem da igreja.

“Houve uma mudança muito grande, eu acho até que bem radical, do tempo da colônia para os tempos de hoje. Até mesmo porque hoje o casamento é uma decisão tomada dentro de um ambiente de mais liberdade, de mais consciência, onde os casais passam por um processo de formação”, acrescenta o padre Marcos.
Ele revela também que as primeiras cerimônias católicas de casamento eram apenas uma bênção aos noivos e não a celebração que costumamos ver nos dias atuais.
*Colaboraram Priscila Dórea e Tallita Lopes
*Os trechos retirados das edições históricas de A TARDE respeitam a grafia da época
*Material elaborado com base em edições de A TARDE e acervo do CEDOC/A TARDE