Maria Milza fortaleceu devoção a Nossa Senhora das Graças
Povoado de Alagoas recebe, anualmente, milhares de romeiros no entorno da obra deixada por “Mãezinha”
A comunidade de Alagoas, um povoado do município de Itaberaba, localizado a 270 quilômetros de Salvador, vai celebrar, em novembro deste ano, os 65 anos da romaria que abriga. O centro dessa celebração é a devoção a Nossa Senhora das Graças divulgada por Maria Milza dos Santos Fonseca (1923-1993), leiga consagrada - pessoa que mantém os votos, como o de obediência ao bispo, mas sem vínculo com uma congregação religiosa- chamada carinhosamente de “Mãezinha” e conhecida por ter o dom de mediar cura para problemas de saúde. Um ano antes da romaria de Alagoas alcançar projeção, um anúncio foi publicado em A TARDE como ex-voto, ou seja, o agradecimento por um milagre.
“AGRADECIMENTO- Venho através destas colunas deste Jornal, com a devida vênia e gratidão, agradecer a viva voz, as graças recebidas de Nossa Senhora por intermédio de sua mensageira Maria Milza, cujas graças tenho recebido. Sofria de infarto miocardiaco e dores anginosas, passando por mãos de muitos médicos, em Conquista, onde resido, Salvador, São Paulo, e muitos outros. Tirei 85 radiografias, constatando o mal que destruía a minha vida. Tendo ecoado aos meus ouvidos a milagrosa notícia de que existe neste povoado de Alagoas essa mensageira de Nossa Senhora, apressei-me em vir até aqui e recebi as graças. Tirei novas radiografias, e essas constatam a minha completa cura, estou curado, graças a Nossa Senhora, estou com saúde, reconquistei esse grande tesouro. Genuflexo aos pés de Nossa Mãe, faço as minhas preces invocando a Ela, que continue dando saúde, forças e luzes a Maria Milza, sua mensageira, para que e!a prossiga praticando a caridade, curando os enfermos e ensinando o caminho do bem e da salvação aos menos esclarecidos. A Maria Milza, a minha eterna gratidão. Salve Nossa Senhora das Graças. HELVÉCIO AMORIM, Residente em Vitória da Conquista. (Firma reconhecida). (A TARDE, 5/1/1956, p.4).
Segundo a maioria dos relatos, em 1955, após uma estadia na casa de um tio, Maria Milza ouviu uma voz que lhe dizia para arrumar tudo em Alagoas, pois Nossa Senhora estava esperando por gente que viria de todos os lugares. Cinco anos antes, as adolescentes Ilza Carneiro e Bernadete Cardoso contaram ter visto uma mulher vestida de branco, com um manto azul, e envolta em uma atmosfera de luzes junto a uma formação rochosa que passou a ser chamada de Pedra do Silêncio. Maria Milza então assumiu a missão de transformar o local em área de culto para Nossa Senhora das Graças.
“Maria Milza foi alguém de muita fé e humildade que fomentou a devoção a Nossa Senhora das Graças. A Igreja sempre tem muito cuidado em relação aos relatos de aparição, acompanhando tudo de forma muito prudente, mas uma das coisas que chamava a atenção em Alagoas era a discrição. Tive ainda a oportunidade de ouvir uma das adolescentes que teve a visão, quando ela já era uma mulher e a forma do seu relato indicava a seriedade, o respeito, o que nos dá uma certa tranquilidade”, diz o frei Gilberto Barcarol, que é o titular da Paróquia de Nossa Senhora do Rosário, sediada em Itaberaba, a qual o povoado de Alagoas está vinculado.
A festa em Alagoas acontece no dia 27 de novembro e costuma reunir, especialmente se cair em finais de semana, de quatro a cinco mil romeiros. No local tem a capela de Santo Antônio, que é o padroeiro da comunidade, a Pedra do Silêncio, além das obras assistenciais criadas por iniciativa do trabalho de Maria Milza. A associação mantém uma creche, abrigo para idosos além da distribuição de cestas básicas.
“Essa obra é resultado de outra característica marcante de Maria Milza. Ela nada fazia em proveito próprio, mas sempre pensando em ajudar, o que é um sinal de santidade”, acrescenta o frei. O local deve ganhar futuramente um santuário, que é o título dado às igrejas que são ponto de romarias. O decreto para criação já foi promulgado por Dom Estevam dos Santos Silva Filho, bispo da Diocese de Ruy Barbosa, território eclesiástico ao qual a paróquia de Itaberaba está vinculada.
O mês de maio é repleto de homenagens a Maria, mãe de Jesus. Em 13 de maio comemora-se o Dia de Nossa Senhora de Fátima. Essa festa está relacionada a uma aparição de Maria, em Fátima, Portugal, de 1916 a 1917, a três crianças camponesas: Lúcia dos Santos, Francisco e Jacinta Marto. Após sobreviver a uma cirurgia de cinco horas para retirar a bala do atentado que sofreu em 13 de maio de 1981, o hoje canonizado como santo, Papa João Paulo II, atribuiu a Nossa Senhora de Fátima o milagre de ter sobrevivido. Como em maio também se celebra o Dia das Mães, o mês costuma ter novenas para Nossa Senhora com a sua coroação no dia 31 em praticamente todas as igrejas católicas brasileiras, ratificando a importância das chamadas devoções marianas.
Crescimento
A TARDE voltou a noticiar a devoção em Alagoas 35 anos após a publicação do anúncio de cura feito por Helvécio Amorim em 1956. Neste período já eram centenas os relatos de milagres em torno da devoção instalada por Maria Milza inclusive com espaço específico para os ex-votos.
“Sua casa, no povoado de Alagoas, tem as paredes cheias de fotos de pessoas que alcançaram graça, óculos de grau, muletas e ex-votos. Em um canto, há 14 sacos cheios de cartas de todas as regiões do País. Maria Milza atende a todas as pessoas que a procura com a mesma simpatia e cordialidade. Conversa com cada uma, faz orações, dá água benta, localiza com rapidez algum problema de saúde e até adivinha pensamentos. ‘É a santa que me fala as coisas’, explicou.” (A TARDE, 12/4/1991, Municípios, p.8).
Dois anos depois, A TARDE passou a acompanhar a internação de Maria Milza em um hospital de Salvador devido às complicações após um AVC. Foram 13 dias de internamento até a sua morte em 17 de dezembro de 1993.
“Em clima de muita comoção com a presença de milhares de romeiros procedentes de diversos municípios baianos, foi sepultada ontem na Igreja de Santo Antônio, no distrito de Alagoas, município de Itaberaba, Mana Milza Santos Fonseca, “Mãezinha", como a chamavam os moradores do lugar ou a Santa de Itaberaba, como era conhecida além das divisas municipais”. (A TARDE, 20/12/1993, p.8).
Mesmo após a sua morte, o fluxo de romeiros a Alagoas é intenso. O carisma de Maria Milza continua a atrair visitantes dos mais diversos destinos concretizando o que ela considerava a missão da sua vida: oferecer um lugar especial para o culto a Nossa Senhora.
*Cleidiana Ramos é jornalista e doutora em Antropologia