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A Tarde Memória

Por Andreia Santana*

ACERVO DA COLUNA
Publicado domingo, 02 de março de 2025 às 6:00 h | Autor:

Trio elétrico reinventou a história do Carnaval há 75 anos

Criação dos músicos Dodô e Osmar, em 1950, mudou a forma como as pessoas celebram a festa

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Família Macedo na icônica Fobica de Dodô & Osmar
Família Macedo na icônica Fobica de Dodô & Osmar -

No Carnaval de 1935 o povo de Salvador se divertiu a valer na Pituba com os carros alegóricos do Bando Anunciador. Havia um em formato de cisne, outro imitando uma baleia. Um terceiro servia de passarela para os pierrots e ‘pierrettes’ exibirem um certo charme inspirado em Veneza. A edição de A TARDE do dia 04 de fevereiro daquele ano eternizou a cena. Osmar Macedo tinha 12 anos em 1935 e, certamente, nas folias de sua adolescência, acompanhou os desfiles de carros alegóricos na cidade, sem nem imaginar que um dia, seu nome e o do parceiro Dodô (Adolfo Antônio do Nascimento) batizariam os circuitos carnavalescos do Campo Grande e da Barra. E, muito menos, prever que a criação dos dois transformaria para sempre a festa.

A revolução aconteceu 15 anos depois desse desfile na Pituba. O ano era 1950 e a história, velha conhecida dos carnavalescos, registra que Dodô e Osmar adaptaram um Ford 1929, acrescentando duas bocas de alto falante, eletrificaram um violão e um cavaquinho e arrastaram uma multidão de foliões com aquele som diferente. A semente da mudança havia sido plantada ainda no final dos anos 1930 e no decorrer dos anos 1940, a partir do espírito inventivo dos dois.

Outra edição de A TARDE em um 04 de fevereiro, só que do ano de 1996, resgata a criação do trio elétrico e a disrupção que a engenhoca provocou na festa a partir do primeiro desfile da Fobica. Entrevistado para a reportagem de 96, o designer carnavalesco Pedrinho da Rocha, que na ocasião preparava um livro sobre a história do trio, afirmou para quem, àquela altura, ainda duvidava: 'Foi o trio elétrico que alavancou a nova música baiana. Com essa maravilhosa engenhoca, as bandas e cantores baianos puderam levar seu som para praticamente todos os cantos do país; se fazer ouvir, independentemente da programação musical das rádios".

Moraes Moreira, o primeiro a cantar em um trio, na praça Castro Alves em 1990
Moraes Moreira, o primeiro a cantar em um trio, na praça Castro Alves em 1990 | Foto: Cedoc A TARDE

Sem trio, a história dos 40 anos da Axé Music, certamente, seria outra. Foi no ambiente dos trios, dos encontros na Praça Castro Alves, das experimentações musicais com as sonoridades diversas da Bahia que, em 1985, o ritmo batizado de Axé Music surgiu. Mas, por ora, vamos continuar falando da outra efeméride do ano, o aniversário desse caminhão sonoro que arrasta foliões pelas ruas há 75 carnavais.

Dodô e Osmar criaram uma tendência que se eternizou em uma tradição. Nos anos 1950 outros grupos surgiram no cenário carnavalesco seguindo o estilo e a forma musical que os dois estabeleceram a partir da clássica Fobica. Dodô já era famoso por, ainda nos anos 1940, descobrir a solução para a microfonia que resultava da conexão de um violão a uma caixa de som eletrificada, novidade trazida para a Bahia pelo violonista Benedito Chaves. Pesquisador e fabricante de instrumentos musicais, Dodô começou a estudar formas de eliminar o zumbido residual e teve êxito na empreitada.

“Dodô no violão e meu pai no cavaquinho era uma coisa tão característica, tão forte, que todos passaram a seguir. A partir de 1955/56, veio o Conjunto Atlas, Conjunto Cinco Irmãos…, o povo é que começou a chamar tudo de trio elétrico. Mas eles seguiam a mesma forma de apresentação em cima do caminhão, como meu pai e Dodô estabeleceram. Eles botavam percussão de um lado, percussão do outro, mais rebaixadas, e ficavam mais no alto, porque eram eletrificados”, conta o músico Armandinho Macedo, filho de Osmar. Segundo ele, o melhor som sempre era o de Dodô e todo mundo buscava a amplificação feita por ele.

Multidão de foliões segue o trio de Armandinho Dodô & Osmar no Campo Grande no Carnaval de 1992
Multidão de foliões segue o trio de Armandinho Dodô & Osmar no Campo Grande no Carnaval de 1992 | Foto: Cedoc A TARDE

Criado no trio

Armandinho cresceu vendo o cenário do Carnaval se desenvolver a partir da criação de seu pai e de Dodô, tendo ele próprio, a partir dos anos 1970, contribuído com essas mudanças. Osmar, recorda o filho, que teve o centenário de nascimento comemorado em 2023, era metalúrgico, inventor de soluções importantes para o ramo da construção civil e o setor naval, conhecido e respeitado por grandes empreiteiras, como mostra reportagem de A TARDE de 27 de novembro de 1994. O texto lista as contribuições dele para obras como a Ponte do Funil, o Porto de Aratu, o Centro Administrativo da Bahia e a Linha Vermelha, no Rio de Janeiro, por exemplo.

“Meu pai era um bolador, foi um revolucionário na construção civil,i um cara que fez tanta coisa e, também, músicas maravilhosas”, afirma Armandinho, que nas apresentações no trio ao lado do pai costumava participar do ‘desafilho’, quando Osmar o desafiava em duelos musicais memoráveis para quem seguia os artistas nos circuitos. “Você imagina o que é a pessoa ser criada filho de Osmar, tocando em casa, aquela coisa envolvente que era a música que ele fazia”.

Armandinho recorda que para o pai e para Dodô, ‘botar o caminhão na rua’ era, principalmente, uma grande brincadeira, no mais puro espírito lúdico do Carnaval. Osmar tinha uma metalúrgica nos fundos da casa da família e o trio elétrico já saía pronto para arrastar multidões, com todos os músicos em cima.

“Não era como hoje, que os músicos vão de van. Saía todo mundo já em cima do caminhão, de Campinas até o Centro da cidade, para tocar. E como meu irmão Betinho, mais velho, já tinha ido, ele me contava a maravilha que era ficar ali em cima com a multidão toda atrás. E eu ficava doido: 'quero ir, quero ir'. Tem uma cena, meu pai passando, ele fazia uma exibição na porta de casa, e eu chorando, minha mãe me segurando, e eu 'me leve, me leve'. Eu me lembro de meu pai me dizendo: 'meu filho aprenda a tocar que eu te levo no trio elétrico'”, conta Armandinho sobre seus tempos de garoto, antes de começarem os ‘desafilhos’ que deleitavam os foliões.

Músicos do trio de Armandinho, Dodô & Osmar no Encontro de Trios de 1996
Músicos do trio de Armandinho, Dodô & Osmar no Encontro de Trios de 1996 | Foto: Antonio Queiroz/Cedoc A TARDE/26-02-1996

Primeiro cantor

Relembrar os 75 anos do trio elétrico sem falar em Moraes Moreira é impossível. Primeiro artista a cantar em um trio, justamente no de Dodô & Osmar, Moraes também foi o responsável por gravar Jubileu de Prata, a música que celebrou os 25 anos da criação do trio elétrico, em 1975. Só que, como toda boa história, essa também é comprida e começa um pouco antes, ainda nos anos 1960, quando Armandinho ouvia o rock de bandas como Beatles, Rolling Stones e Led Zepellin.

“Eu comecei a entrar no mundo da guitarra e o cavaquinho era a minha guitarra. Comecei a tocar essas músicas [de rock] no cavaquinho e a desenvolver uma fusão com o som da guitarra. Em '67, me lembro, alguém encomendou uma guitarra com Dodô, que junto com meu pai fazia no formato diferenciado deles, eles não tinham o modelo americano de guitarra. Alguém pediu para fazer no modelo tradicional e Dodô fez. Quando eu vi, disse: 'ah, seu Dodô, eu quero um cavaquinho assim, tipo guitarra'. E ele, 'não, isso aí é de americano'... Mas ele fez o cavaquinho e eu adorava, porque queria mostrar que meu cavaquinho reproduzia o som da guitarra”.

Em 1974, Armandinho conheceu a turma dos Novos Baianos, quando Dadi Carvalho chamou os músicos do grupo para ‘ouvir o cara lá do Dodô & Osmar que toca igual a Jimmy Hendrix no cavaquinho'. Um ano depois, no Rio de Janeiro, ele vai tocar com Moraes Moreira e é Moraes quem o leva para conversar com o executivo da gravadora Continental. Osmar queria que o filho procurasse Gal Costa para gravar Jubileu de Prata, mas a cantora naquele ano não pretendia gravar nada de Carnaval.

Osmar tocando com os Filhos no Carnaval de 1985
Osmar tocando com os Filhos no Carnaval de 1985 | Foto: Cedoc A TARDE

“Eu disse, pronto, como é que a gente faz? Aí, Moraes, eu estava com ele, me disse: 'Mano, vamos arrumar uma gravadora, a gente faz um compacto, eu canto a música'. Ele me levou na Continental e quando eu contei a história para o presidente da gravadora, ele disse, 'vamos fazer um LP comemorativo dos 25 anos do trio, O Jubileu de Prata'. Eu já tinha o repertório todo na mão. Ele perguntou: tem música para um LP?’ E eu, tem para [fazer] dois”, revela Armandinho.

No embalo de Jubileu de Prata, Moraes estava no Carnaval de 75 acompanhando a festa no trio Dodô & Osmar. Até então, os trios só tocavam, não havia cantores. No caminhão, os filhos de Osmar guardavam em uma caixinha um microfone apelidado de brincadeira com o nome de ‘Meus Amigos’.

“O microfonezinho era só para o meu pai dar o 'Boa Noite meus amigos, meus filhos queridos'. Meu pai tinha toda essa coisa, parecia um político falando em cima do trio e a gente chamava o microfone de 'meus amigos' e ele ficava guardado porque dava muita microfonia”, conta Armandinho.

No embalo da festa, cavaquinho daqui, guitarra dali, Moraes não aguenta e altas horas da noite diz: ‘Armando, pega o ‘meus amigos’, vamos cantar o Jubileu de Prata, o povo ajuda’. “Os trios eram bem pequenos e o povo ajudava, realmente, cantando. E, cara, deu um resultado, meu pai ficou empolgado, 'primeira vez que tem um cantor no nosso trio elétrico' e o Moraes super animado. E pronto, a gente estabeleceu, a partir de 75, a banda e o cantor de trio elétrico”, recorda Armandinho, demonstrando que a beleza do Carnaval de Salvador está justamente na genialidade de improvisar maravilhas.

*Colaboraram Priscila Dórea e Tallita Lopes

*Os trechos retirados das edições históricas de A TARDE respeitam a grafia da época

*Material elaborado com base em edições de A TARDE e acervo do CEDOC/A TARDE

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