A PEC do “Brasil do Brasil”
Confira a coluna Conjuntura Política
A "PEC do Quinquênio" prevê um aumento salarial de 5% a cada cinco anos para uma seleta elite do funcionalismo público. Inicialmente aplicável apenas a juízes e membros do Ministério Público, a proposta em tramitação no Senado incluiu advogados da União e delegados da Polícia Federal. Se aprovada, a PEC pode vir a custar até R$ 81,6 bilhões nos próximos dois anos, um valor que financiaria facilmente o custo anual do Programa Bolsa Família, beneficiando cerca de 21 milhões de famílias brasileiras.
Dados do Atlas do Estado Brasileiro (IPEA) revelam que os cerca de 5,5 milhões de servidores públicos federais têm um salário médio de R$ 3.400,00. A elite deste grupo, que é sustentada pelo teto salarial de R$ 44.008,52, compõe apenas 0,1% dos brasileiros com os melhores rendimentos, ou seja, o topo da pirâmide de renda salarial e familiar do país. A expansão dos benefícios para esse grupo elitizado aumenta a disparidade dentro da estrutura estatal.
Um levantamento de 2023 do site UOL mostrou que mais de 30 mil salários superaram R$ 100 mil desde 2020. Além do salário base, magistrados ainda recebem R$ 4.377,73 de auxílio-moradia quando necessitam se deslocar ou morar fora de seus municípios de origem. Em contraste, esse valor representa 42% do salário bruto inicial de professores doutores em dedicação exclusiva nas universidades federais.
Com discrepâncias tão acentuadas, é surpreendente que o governo atual não tenha priorizado uma reforma administrativa que focasse na unificação de carreiras do serviço público e em uma política de reajustes salariais mais equânime, especialmente para servidores da educação, que enfrentam uma defasagem salarial superior a 35%. As mobilizações atuais em torno de um Estado de Greve são legítimas e atestam as fraquezas do governo para reestabelecer um debate orçamentário mais qualificado.
A herança de uma realidade fiscal irresponsável produzida pelo governo anterior de Bolsonaro cobra um diálogo franco e participativo sobre o planejamento orçamentário a médio e longo prazo. Caso contrário, continuaremos a servir a um "Brasil do Brasil” das elites, que já deram provas de serem anti-republicanas e pouco democráticas quando o assunto é igualdade social.
A briga em curso do governo Lula pela retomada do controle do orçamento conforma-se na tentativa de equilíbrio político necessário e estratégico ao presidencialismo na coordenação de recursos para as políticas públicas até a ponta, lá nos municípios. Fora isso, o Congresso rouba o protagonismo da presidência em uma inversão institucional e delegativa quanto ao papel de cada um dos Poderes. Do jeito que está, os deputados governam em plena luz do dia como se fossem presidentes. Queremos isso mesmo?
*Professor Adjunto de Ciência Política da UNILAB e pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais (UFRB) - [email protected].