As águas (democráticas) de março
Confira a coluna Conjuntura Política
A última pesquisa Datafolha realizada no final de março testou a percepção dos brasileiros em relação à política e à sociedade. Diante de um ciclo de tensionamento autoritário nos últimos anos sob a liderança de um presidente golpista, o objetivo da pesquisa é razoável: entender as forças e as fraquezas da nossa democracia no âmbito da opinião pública e das ideologias enraizadas social e politicamente.
A pesquisa mostrou que para 71% dos brasileiros a democracia ainda é a melhor forma de governo, embora 46% acreditem que o Brasil é uma democracia com grandes problemas, ou seja, com diversos desafios a serem superados. A pesquisa também apontou que 55% dos entrevistados acreditam que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) planejou um golpe para se manter na presidência. Além disso, 63% dos entrevistados não querem anistia para os envolvidos na tentativa de golpe no 8 de janeiro de 2023, havendo uma reprovação para os atos golpistas que buscaram negar o resultado das eleições presidenciais e que buscou impedir a posse de Lula.
A força latente de uma visão autoritária na sociedade brasileira foi testada com a pergunta se há circunstâncias em que uma ditadura é melhor do que uma democracia. O apoio médio desde 1989 é de 14%. Felizmente, somente 7% acha que uma ditadura pode ser uma boa saída, o que é gente suficiente para fazer barulho na sociedade civil e ajuda a explicar a sustentação resiliente e radical do bolsonarismo.
Esses dados refletem um cenário de alerta quanto ao descontentamento e desconfiança em relação ao sistema político. A democracia, embora seja vista como a melhor forma de governo carrega consigo um viés crítico que justifica o debate público sobre os caminhos para o seu fortalecimento. Os sinais de alerta são preocupantes: sobre os atos do 8 de janeiro, por exemplo, 77% dos eleitores de Bolsonaro acham que não passou de um episódio de vandalismo. E 60% dos bolsonaristas avaliam que o ministro do STF Alexandre de Moraes faz um trabalho ruim/péssimo à frente das investigações.
Para 28% dos entrevistados, em geral, devemos comemorar o dia 31 de março de 1964, ou seja, a força política potencialmente autoritária gira em torno de quase um terço da nossa sociedade. Este número sustenta uma hipótese: as forças político-partidária de extrema-direita conseguiram ´puxar o tapete dos partidos de centro-direita que se equilibravam entre a democracia e o neoliberalismo.
Isso quer dizer que a polarização entre Lula e Bolsonaro é a tradução da batalha entre forças democráticas (e neoliberais) contra a extrema-direita acostumada a desprezar a democracia pelo mundo afora. Tudo leva a crer que as próximas eleições presidenciais de 2026 continuarão cercadas por uma forte polarização.
*Professor Adjunto de Ciência Política da UNILAB e pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais (UFRB) - [email protected]