O Congresso e o próprio umbigo
Confira a coluna Conjuntura Política desta semana

Na quarta-feira passada (25), a Câmara protagonizou um capítulo sintomático da atual crise política brasileira. O presidente Hugo Motta pautou em tempo recorde a votação para derrubar o decreto que aumentava o IOF de forma devastadora: 383 votos pela derrubada e apenas 98 pela permanência, consolidando a maior derrota do governo Lula no Congresso até agora. A lógica deste tipo de ofensiva não é apenas política, mas é corporativa. O plenário ignorou não apenas o Executivo, mas uma parte da sociedade que apoia a criação de uma tributação mais justa.
A derrubada do ajuste do IOF ainda ganhou ares de deslealdade quanto ao compromisso que o presidente Lula buscava firmar na véspera, em reunião no Palácio da Alvorada com as lideranças do Congresso. O principal argumento do governo foi pragmático e expôs um novo parâmetro na organização tributária direta com impacto nas contas. Nas palavras do ministro da Fazenda Fernando Haddad, "quem ganha mais paga mais".
De uma forma geral, ficou claro que o Congresso opera nas sombras em defesa do interesse próprio dos mais ricos e confirma que o Legislativo protege privilégios, sabota tentativas de justiça fiscal e subscreve uma cultura de blindagem daqueles que possuem uma renda altíssima no Brasil.
Há ainda um método que deve ser observado de maneira profunda: a derrota do governo expõe duas dinâmicas relevantes. Em primeiro lugar, uma fissura crescente na relação entre Executivo e Legislativo. O chamado “presidencialismo de coalizão” deu lugar a um presidencialismo congressual no qual o Executivo não pauta mais, apenas negocia sob pressão. Em segundo lugar, uma disputa distributiva é visível onde o Congresso atua para manter a estrutura regressiva da tributação brasileira, protegendo os mais ricos e dificultando qualquer tentativa moderada de justiça fiscal.
Para reverter esse quadro, Lula precisará mais do que uma batalha retórica. A conjuntura vai exigir: 1) ampliar a força política das ruas como um mecanismo de pressão social e defesa do governo; 2) disputar nas redes sociais as posições e conquistas do governo para cada nicho do eleitorado; 3) construir uma narrativa de que o seu governo foi de “arrumação” da bagunça deixada por Bolsonaro; 4) vai precisar falar do futuro e de uma agenda nacional que toque o coração de uma nova classe trabalhadora, mais informal e empreendedora, mais individualista na forma de se organizar social e políticamente.
O governo aprendeu da pior forma possível que não vai dobrar os interesses de um Congresso com viés neoliberal tendo em mãos uma governabilidade débil e acordos frágeis em um momento de baixa popularidade. Há saída sem a ampliação do protagonismo da sociedade como método de pressão?
*Professor adjunto de Ciência Política da Unilab e pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais (UFRB). E-mail: [email protected]