O motim bolsonarista
Ocupação de 30 horas no Congresso marca episódio mais grave desde redemocratização

Na semana passada, a Câmara dos Deputados e o Senado foram palco de um dos episódios mais graves desde a redemocratização. Um grupo de parlamentares bolsonaristas ocuparam passaram a noite nos plenários, colaram adesivos que simulavam censura e até chegaram a se acorrentar, uma paralisação que ultrapassou as 30 horas. A estratégia era forçar a votação da anistia para os envolvidos no 8 de janeiro e empurrar uma PEC que revogasse o foro privilegiado, retirando a prisão domiciliar de Bolsonaro das mãos do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes.
A retomada dos trabalhos só ocorreu após a intervenção do ex-presidente Arthur Lira (PP-AL), o que permitiu que Hugo Motta reassumisse a Presidência e abrisse a sessão. O achincalhe dos bolsonaristas proibiu o presidente da Casa de ocupar a sua cadeira de presidente usurpada por um grupo de deputados.
O trabalho legislativo até prevê a obstrução como um mecanismo regimental, mas jamais será uma ação que se equipara a usurpar a mesa, espaços físicos e impedir deputados de trabalhar. Trata-se de um mecanismo violento típico do bolsonarismo. O padrão de linguagem violenta como método mostrou mais uma vez que quando os bolsonaristas estão sob pressão preferem destruir as engrenagens institucionais a negociar dentro das regras do jogo. O uso de crianças como escudo simbólico, a recusa em obedecer ao regimento e, acima de tudo, a ocupação física das Mesas Diretoras representam um projeto de poder que despreza a política como mediação.
A resposta institucional foi firme, mas limitada. O pedido de suspensão dos mandatos dos envolvidos está em curso. No entanto, é flagrante a fragilização da liderança da presidência da Câmara e as condições institucionais necessárias para frear este tipo de ação autoritária danosa a médio e longo prazo.
Há um outro elemento: os bolsonaristas miram o STF como o grande mal do país, colocando na rua um discurso da Suprema Corte como um “partido político”, o que legitima uma espécie de competição e aniquilação. Por trás deste tipo de raciocínio está a narrativa levada pela família Bolsonaro até Trump de que existe um complô para perseguir um lado da disputa pelo poder. Se na semana passada o ataque ao STF veio das ruas em protestos mobilizados pela base bolsonarista, dias depois o front foi o legislativo, combinado ao ataque internacional do tarifaço e a perseguição do governo americano aos ministros do STF.
No final das contas, estamos diante de um ataque sistêmico às instituições políticas brasileiras, sendo que não há como os democratas deixarem de ir às ruas e buscar uma mobilização mais ampla contra este tipo de ação. A defesa da soberania e da democracia precisam ser inegociáveis.
*Cláudio André é professor Adjunto de Ciência Política da UNILAB e pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais (UFRB). E-mail: [email protected].
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