Novo cálculo do ITCMD nas cotas de sociedades limitadas
Confira a coluna desta sexta-feira

A reforma tributária tem ocupado as manchetes por conta da criação do Imposto sobre Valor Agregado — o famoso IVA dual, composto pelo IBS e pela CBS. Entretanto, um ponto da reforma que começa a provocar inquietações nas famílias empresárias e nos planejadores patrimoniais mais atentos é a nova forma de cálculo do ITCMD nas transmissões de cotas societárias.
Historicamente, o Brasil conviveu com uma cultura de sucessão patrimonial bastante tolerante com valores simbólicos. Especialmente no caso das sociedades limitadas — que compõem a espinha dorsal das empresas familiares no país — era comum que, no momento da transmissão causa mortis ou da doação, as cotas fossem avaliadas com base em valores meramente contratuais, muitas vezes descolados da realidade econômica da empresa.
Na prática, tratava-se de um planejamento tributário “a céu aberto”: com base nesses valores simbólicos, o imposto era mínimo, e o patrimônio empresarial era transferido aos herdeiros com baixo custo tributário e quase nenhuma resistência fiscal. Esse modelo, embora amplamente utilizado, sempre esteve no limite da legalidade e muito distante da justiça fiscal.
Mas agora, essa era parece ter chegado ao fim.
Com a nova redação do artigo 155 da Constituição Federal, a reforma estabelece que os Estados deverão obrigatoriamente adotar critérios objetivos, técnicos e uniformes para a apuração da base de cálculo do ITCMD, inclusive — e especialmente — nas transmissões de quotas societárias. Isso significa que os valores declarados não bastam mais. O que passa a valer é o valor econômico real da empresa.
A base de cálculo do imposto deverá levar em consideração o patrimônio líquido ajustado, avaliações contábeis com métricas de mercado e, eventualmente, métodos mais robustos como o fluxo de caixa descontado. Ou seja, as cotas de uma empresa familiar deixam de ser um número no contrato social e passam a ser tratadas como o que de fato representam: ativos econômicos com valor patrimonial relevante.
Essa mudança exige um novo olhar sobre o planejamento sucessório. A ideia de que bastaria fazer uma doação em vida com reserva de usufruto, ou simplesmente distribuir as cotas em um inventário extrajudicial, precisa ser revista. O risco de autuações por subavaliação torna-se concreto, especialmente com o avanço das ferramentas de fiscalização, cruzamento de dados patrimoniais e digitalização dos registros contábeis e societários.
É importante destacar que o novo modelo ainda está em fase de regulamentação. O Projeto de Lei Complementar 68/2024, já em tramitação, trará diretrizes mais detalhadas sobre a valoração das cotas e os critérios técnicos que deverão ser seguidos. No entanto, os sinais são inequívocos: a era do valor simbólico está acabando, e a sucessão patrimonial está sendo reposicionada sob uma nova ótica — mais técnica, mais transparente e mais comprometida com a justiça fiscal.
Esse novo paradigma exige preparo. Não apenas no campo jurídico, mas também na contabilidade, na governança e na própria mentalidade das famílias empresárias. Planejar a sucessão patrimonial agora exigirá mais do que um testamento ou uma alteração contratual. Será necessário compreender o valor da empresa, dialogar com especialistas, avaliar o momento econômico, considerar o impacto fiscal e tomar decisões com base em dados — e não apenas em convenções sociais ou tradições familiares.
A pergunta que resta é: estamos prontos para isso?
Para muitos, a resposta ainda é não. Mas uma coisa é certa: quanto mais tardia for a adaptação, maior será o custo — econômico, jurídico e emocional. O “novo ITCMD” é, acima de tudo, um convite para tratar as empresas não apenas como um negócio familiar, mas como um legado que precisa ser protegido com inteligência e responsabilidade.