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A voz da matriarca, a Roma Negra

Publicado sábado, 27 de novembro de 2021 às 06:00 h | Atualizado em 27/11/2021, 09:49 | Autor: Isabel Oliveira

Imagem ilustrativa da imagem A voz da matriarca, a Roma Negra
Feito de folha, efó é um prato típico do candomblé oferecido a Nanã

      Roma Negra/Divulgação 

Edson Carneiro, citado por Vivaldo da Costa Lima, contou em um dos seus livros um episódio que muito diz sobre a Bahia e suas referências negras no estado, principalmente na capital baiana e recôncavo. De acordo com Lima, a expressão “Roma Negra” é uma derivação de “Roma Africana”. Ela teria sido dita, uma certa vez, pela mãe de santo Eugênia Ana Santos, conhecida como mãe Aninha, do Axé Opô Afonjá, em São Gonçalo do Retiro. O episódio ocorreu durante um depoimento que concedeu à antropóloga americana Ruth Landes nos anos 1930. Segundo a famosa mãe de santo, “assim como Roma é o centro do catolicismo, Salvador seria o centro do culto aos orixás”, afirmou.

Baseado neste episódio, o mano Caetano cantou o Reconvexo, onde há os seguintes versos: 

Eu sou a sombra da voz da matriarca da Roma Negra

Você não me pega

Você nem chega a me ver

Meu som te cega, careta, quem é você?

Imagem ilustrativa da imagem A voz da matriarca, a Roma Negra
Eugênia Ana Santos, mãe Aninha do Axé Opô Afonjá

     Foto: Internet

E a Roma Negra de mãe Aninha está impregnada nos versos, nas ruas, nas esquinas, na gente preta, cuja cultura sobreviveu na arte da capoeira, nos batuques do candomblé, na gastronomia, que surgiu pela força da sua religiosidade e como princípio das necessidades do candomblé, resultando no que se conhece hoje como a cultura baiana, secular aculturação que partiu da diáspora negra pela coragem e resiliência do negro.  

Diáspora é uma palavra de origem grega que significa separação de um povo ou de muitas pessoas por diversos lugares, que no caso dos africanos no período da escravidão deu-se pela força. 

Arrancados de suas terras de origem, os negros eram separados por etnia desde a África para evitar reações de revolta. Assim, sem comunicar-se, sem entender outros idiomas, sem encontrar os elementos culturais que lhes pertenciam, coube aos negros reinventar sua cultura pela resistência.  

Foi com esta identificação e pertencimento que as empresárias Mônica Tavares e Diana Rosa trouxeram para a cidade mais negra fora da África o restaurante Roma Negra, resgatando elementos da cultura diaspórica, representada, inclusive, na gastronomia. Não à toa, o restaurante é cravado numa das regiões mais emblemáticas da cidade de Salvador: o Pelourinho. 

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Bolinho de maniçoba, um dos destaques do cardápio

      Roma Negra/ Divulgação 

“Nós buscamos algo que deixasse explícito a nossa vontade de reconectar com esse passado, de dizer de onde viemos, dos povos que passaram por aqui, a nossa história, porque a gente tem influência em nossa culinária, no nosso jeito de vestir, na nossa forma de dançar e também de resgate territorial”, conta Mônica Tavares. Ela continua: ”Um espaço de celebração da gastronomia da diáspora africana”, afirma. 

Mônica enfatiza que a expressão cunhada por mãe Aninha em anos idos foi a grande inspiração para este resgate. “Na década de 30 ela deu esse apelido a essa cidade. Vamos buscar, vamos voltar a nossa ancestralidade, vamos buscar isso lá na essência, beber na fonte e dizer que hoje formamos esse povo diversificado, mas que tem origem e uma história”, fala emocionada. 

Dentre os elementos de cultura que resgata toda essa ancestralidade, a gastronomia merece um capítulo à parte.  A chef e gastróloga Carolinna Esteves comanda a cozinha com iguarias de predominância da cultura preta encontradas nas especiarias, raízes, folhas, como o efó, e frutas ligadas à diáspora.

Carolina, que nasceu em Queimadas, sertão baiano, tem fortes referências da terra. Por isso, leva um pouquinho dessas referências para o Roma Negra, adaptando ao seu novo desafio. 

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Arroz de bobó

      Roma Negra/Divulgação 

"A ideia é explorar os produtos de origem africana, mantendo como referências as receitas tradicionais, mas adaptando-as à comida brasileira, sertaneja, baiana e regional. Mas todos os pratos no cardápio têm alguma referência da cozinha diaspórica ou uma memória ancestral. São frutas, raízes e especiarias. O dendê é um dos ingredientes mais representativos da cultura negra”, diz Carolinna. 

Ela conta que talvez um dos pratos mais fiéis à cultura negra apresentados no Roma Negra é o Mullenga. 

“Leva efó, que é um prato típico do candomblé, um prato oferecido a Nanã, a orixá mais velha do panteão africano. Trata-se de um refogado da folha de taioba ou língua-de-vaca, servido com camarão na pasta de amendoim com gengibre e leite de coco, tudo empalhado na folha de bananeira”, entrega. 

Carolina também cita a comida da diáspora de outras terras, com elementos tão fruto da dispersão quanto a nossa. Por isso o Roma Negra quis trazer a jambalaia ou jamba, como apelidou por aqui , para que experimentássemos o sabor da comida dos negros de Nova Orleans, nos Estados Unidos, de onde a iguaria foi originada. Mas aqui, sofreu algumas poucas adaptações, pois é um prato revisitado. 

“Esta é uma releitura do Jambalaia, um prato norte-americano, típico em Nova Orleans, mas que foi criado por mãos pretas. O prato sofreu algumas influências europeias também, é uma espécie de paella, só que africana. Um prato bastante aromático com sabores fortes e marcantes em que você consegue obter uma explosão de sabores do início ao fim”, conta. 

É por isso que hoje o Roma Negra vai nos ensinar a preparar esta receita tão alegre, colorida, atrativa e saborosa, bem característica dos irmãos negros do outro lado das Américas. 

Jambalaya (Jamba)

Ingredientes 

200g de arroz vermelho (mas pode ser substituído) 

50g de frango em cubos

50g de linguicinha 

200g de camarões grandes

300ml de caldo de camarão

1 colher de chá de páprica doce

1 colher de chá de páprica picante

1 colher de chá de canela

2 cravos

2 folhas de louro

30g de cebolinha

30g de pimentão vermelho

30g de pimentão amarelo

30g de cebola roxa

4 carocinhos de pimenta branca (batida no pilão porque realça o sabor)

Modo de fazer

Faça um caldo com as cascas dos camarões e reserve.

Sele o frango e a linguiça. Adicione a cebola, os pimentões, os caroços de pimenta branca para realçar o sabor (batida no pilão ou picada), páprica picante e doce, a colher de chá de canela, tempero cajum (misturas de especiarias),  a folha de louro e os cravos. Em seguida, refogue toda a mistura incluindo o arroz. Na sequência, adicione o caldo de camarão, previamente preparado e a cebolinha.  Deixa em cocção por uns 5 minutos.  Desligue o fogo e reserve.

Agora é a vez dos camarões, que devem ser temperados no alho e salteados separadamente para não passar do ponto. Em uma frigideira bem quente sele os camarões em um fio de azeite doce e misture aos ingredientes já preparados anteriormente. 

Separe um camarão para decorar o prato e outros elementos, que podem ser o milho e o quiabo. Arrume decorando e sirva.

Imagem ilustrativa da imagem A voz da matriarca, a Roma Negra
Jambalaya ou Jamba é um prato criado por mãos pretas originária de Nova Orleans

Roma Negra/Divulgação

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