Do dendê ao xinxim: o legado centenário de Maria de São Pedro
Receitas transmitidas pela oralidade mantêm viva a tradição da quituteira que marcou época no Mercado Modelo

Os tempos eram bem outros na Cidade Baixa de Maria de São Pedro. O cenário político, social e as pessoas que transitavam tinham a frequência quântica de outrora, como se dizia na linguagem de antigamente, nos tempos da cozinheira, quando sequer existia o conceito contemporâneo de chef de cozinha. Há exatos 100 anos, a ilustre Maria de São Pedro inaugurou seu primeiro cantinho de guloseimas, onde oferecia os melhores acepipes da Bahia, frequentados pela nata baiana e também estrangeira.

Quituteira de mão cheia, Maria de São Pedro marcou a memória degustativa de Antônio Maria, cronista recifense que passou uma temporada em Salvador. Em um texto saudoso sobre a então cozinheira falecida, ele chegou a mencionar o querido Anísio Teixeira, um dos ilustres comensais de seu restaurante.
“Sabia do dendê todos os milagres e consequências. Quem passasse na Bahia, nós levávamos para lá. Um dia foi o Braga, com Tônia Carrero (naquele tempo Mariinha) e Aníbal Machado. Voltavam da Europa e traziam as primeiras notícias do existencialismo. Contavam de Sartre, como ele era, onde parava, quem o seguia. Anísio Teixeira ouvia e contava com acolhimento. Odorico Tavares, poeta de versos renunciados, emudecia nos olhos azuis de Mariinha”, diz na sua crônica publicada originalmente no jornal O Globo de 1958, intitulada Um botão de rosa a Maria de São Pedro.

Essas personagens vívidas, retratadas em crônicas e livros, provaram do dendê de Maria de São Pedro na moqueca de peixe, de camarão, no arroz, na farofa e até, como registra Antônio Maria em uma de suas crônicas, em um “ovo cozido no molho oleoso de coco e dendê’’.
Até que um dia veio Neruda, “comedor exagerado de pimentas, bom paladar de aguardente, olhos sonolentos de andino. O azeite de galinha de xinxim lhe escorria pelo canto da boca”, narra Antônio Maria. Até hoje, o xinxim de galinha é também uma das comidas campeãs de venda do restaurante.

As iguarias de Maria de São Pedro são transmitidas na família pela oralidade. Não há caderninho de receitas, não há registro escrito, mas desde a época da famosa cozinheira da velha Bahia, a família preserva cada detalhe dos pratos, o sabor e todo o modo de fazer — incluindo o tempo de cozimento e, se duvidar, até o “ponto do cheiro” da iguaria que Maria ensinava.

Alice dos Santos Marques, a caçula da única filha viva de Maria de São Pedro, Eunice dos Santos Marques, hoje com 90 anos, conta: “Todas as receitas são originais. Todas passadas de ‘boca’ para os filhos e os netos. Quem entrar lá para cozinhar, se inventar moda, sai”. Ela se refere à contratação dos funcionários e à necessidade de deixar claro o rigor na execução das receitas que guardam a essência das comidas da avó.
Maria de São Pedro teve 12 filhos, dos quais 10 biológicos e dois filhos das cozinheiras de seu tempo, que ela criou como se fossem seus.
Imagine-se sentado nas mesas do restaurante da Alfândega e, depois, no Mercado Modelo, onde o restaurante permanece até hoje, tendo a Baía de Todos-os-Santos bem à frente. Como terá sido para o então jovem Jorge Amado e tantas outras personalidades que passaram por lá? Amado registrou suas impressões no livro Bahia de Todos-os-Santos: guia de ruas e mistérios de Salvador, onde também incluiu referências à saborosa comida da saudosa Maria de São Pedro.

“Mestra da maior das artes, a da culinária, preservou e engrandeceu a tradição da inexcedível comida baiana, sua cor, seu perfume, seu sabor divinos. Seu antigo restaurante era uma festa em frente à rampa do Mercado Modelo, que o fogo devorou. Creio que Odorico Tavares, Wilson Lins e eu muito concorremos para que Maria de São Pedro e seu restaurante se fizessem célebres em todo o país [...] rainha do vatapá e do efó, do caruru e do abará, das moquecas e dos xinxins, do dendê e da pimenta, rainha da delicadeza e da cordialidade!”, diz o amigo Jorge Amado.
Maria de São Pedro se transformou em uma lenda da Cidade Baixa e de toda a Bahia, cativando os fregueses com a sua gastronomia simples e saborosa.

“Maria de São Pedro era uma mulher bondosa, extremamente bondosa. Atenciosa, sabia receber, sabia cativar e cultivar os seus clientes, tinha uma mão maravilhosa para cozinhar. São vários fatores que envolveram essa mulher negra sem muita educação, cultura, mas que tinha um dom maravilhoso de cozinha e uma cordialidade e gentileza imensa”, afirma a neta Alice.
Alice conta que toda a família busca preservar a culinária da avó:
“Até hoje nós tentamos manter isso, buscando o conhecimento e a valorização do trabalho que foi feito por ela. Dentro do nosso espaço, as pessoas vão até o restaurante em busca dessa essência, desse tempero transmitido por Maria de São Pedro. Todos nós, suas netas e netos, procuramos conservar e preservar a sua culinária e a força de mulher que nos foi transmitida. Até hoje preservamos esse legado e buscamos um futuro melhor através da culinária, valorizando o nome de Maria de São Pedro”.

Ela reitera: “Nós sempre permanecemos fiéis ao que foi passado da mãe para a filha e da filha para as netas. O que é que nós mudamos? Apenas a forma de servir, a decoração, a montagem do prato. Mas a essência do tempero, do que foi passado, continua a mesma. Não podemos perder essa essência, é o que nos torna diferentes: a conservação e a preservação do que foi transmitido de Maria de São Pedro para suas filhas”.
“Hoje somos netas de Maria de São Pedro, eu e as minhas irmãs, minhas primas, já temos até bisnetos de Maria de São Pedro trabalhando junto ao restaurante, para que não seja só 100 anos, e tentamos dar continuidade a esse legado, buscando sempre o melhor, a valorização do espaço”, finaliza Alice.

Vamos trazer para a coluna Histórias & Sabores o legado, o clima e a atmosfera que impregnam os pratos do restaurante Maria de São Pedro, na celebração dos 100 anos de um dos estabelecimentos mais marcantes da culinária baiana, reverenciado por grandes personalidades e amigos da cozinheira de Santo Amaro da Purificação.
Para saudar Maria de São Pedro, sua neta Alice compartilhou a receita de xinxim de galinha, prato lembrado por muitos, mas sobretudo pelos grandes admiradores Jorge Amado e Antônio Maria.
Xinxim de Frango
Ingredientes:
550 g de coxa e sobrecoxa de frango
240 g de cebola
20 g de gengibre
120 g de tomate
30 g de coentro
360 g de camarão seco
100 ml de sumo de limão
100 ml de azeite de dendê
3 dentes de alho
Modo de preparo:
Limpe o frango com água, metade do sumo de limão e reserve.
Machuque o gengibre, sal, alho e coentro. Após, acrescente tomate e cebola em cubos pequenos e camarão seco pulsado no liquidificador. Coloque tudo em uma panela, adicione o restante do sumo de limão, envolva o frango no tempero e leve ao fogo até atingir o cozimento. Acrescente o azeite de dendê e deixe ferver por mais 10 min. Sal a gosto.
Sugestão de acompanhamento:
Arroz branco e farofa de azeite de dendê.
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@isabel _qoliveira
Isabel Oliveira ( facebook)
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