Imigrantes acrescentam novos sabores ao caldeirão gastronômico baiano | A TARDE
Atarde > Colunistas > Histórias & Sabores

Imigrantes acrescentam novos sabores ao caldeirão gastronômico baiano

É nos sabores e sentimentos das receitas típicas que os imigrantes abrem o caminho para a integração de culturas

Publicado sábado, 23 de julho de 2022 às 07:39 h | Autor: Isabel Oliveira
Arepa é um alimento típico da América Latina, especialmente na Venezuela e Colômbia
Arepa é um alimento típico da América Latina, especialmente na Venezuela e Colômbia -

Não é de agora que o país recebe levas de população migratória, formanndo aqui um grande caldeirão de culturas. Esse fenômeno até foi definido por Michelle Machado de Oliveira e Enilde Faulstich, em pesquisa sobre a língua portuguesa, da seguinte forma: “Sob uma perspectiva metafórica, (...) o Brasil é uma síntese da grande Ibéria, com populações, em grande escala, ameríndias, africanas, europeias, asiáticas, pois, no auge das imigrações, vieram para o Brasil povos variados, a saber, portugueses, espanhóis, italianos e alemães, japoneses, entre outros”.

No nosso século, outra leva de imigrantes, desta vez de venezuelanos, peruanos, libaneses, dentre outras nacionalidades, por motivos diversos, instalou-se na Bahia, trazendo na bagagem suas culturas, seus jeitos e maneiras, sua gastronomia. E misturado a tudo isso, a vontade do pertencimento nas terras estrangeiras nesse novo desafio, buscando encontrar régua e compasso, como disse o mestre Gil.

Maria Eumelia cozinhando a arepa, comida à base de milho
Maria Eumelia cozinhando a arepa, comida à base de milho |  Foto: Raphael Muller / Ag. A TARDE
 

Pertencimento expresso pela venezuelana Maria Eumelia Villarroel, 40 anos, há pouco mais de três no Brasil, fugindo das perseguições políticas do seu país. 

“Na Venezuela eu tinha tudo, minha vida, casa, negócio, meu restaurante… mas a coisa foi complicada por causa da política. A gente foi perseguida, tivemos que fechar o restaurante e fomos para Trinidad e Tobago, ilha muito perto da Venezuela. Mas a xenofobia foi horrível, não deixou que a gente evoluísse. A gente procurou outro país e eu tenho um irmão que mora aqui há cinco anos”, conta. 

Mariangela Nascimento, professora da Ufba e coordenadora da Comissão de Direitos Humanos do Núcleo de Apoio a Migrantes e Refugiados (Namir/Ufba), nos lembra sobre este pertencimento, citando Hanna Arendt em um dos seus artigos.

“Hannah Arendt enfatiza que o direito fundamental de cada indivíduo, antes de qualquer direito enumerado em declarações e positivado, é o direito a ter direitos, isto é, o direito de pertencer a uma comunidade disposta e capaz de garantir-lhe qualquer direito, pelo fato da sua humanidade”. 

Para Maria Eumelia, o sentimento de pertencimento tem muito a ver com a cultura de um modo geral, mas a cultura da gastronomia é objeto especial da integração com a cultura baiana e brasileira.

“A receptividade do baiano agora está sendo boa, poderia ser melhor, mas a gente faz tudo passo a passo. Aqui as pessoas amam seus temperos, sua cultura, seus sabores, suas raízes, mas também acho que tem que ser feito um trabalho para que os baianos aceitem o trabalho da nossa cultura, que é vizinha deles”. 

Caracas, Venezuela
Caracas, Venezuela |  Foto: Divulgação Internet
 

É com grande espanto que Maria Eumelia relata o fato, curioso para ela, de não conhecermos nem termos qualquer contato com a comida venezuelana, uma vez que somos países que fazem fronteira. 

“A gente está tentando que aqui em Salvador as pessoas conheçam a nossa gastronomia. Aqui as pessoas conhecem a gastronomia chinesa, japonesa, italiana, portuguesa. Aqui tem muita influência da gastronomia francesa, mas é muito estranho que da Venezuela, que está na fronteira, o Brasil não conheça nada da gastronomia.  A gente tem alguns pratos típicos e quer que os baianos conheçam nossa comida”, diz, com seu forte sotaque, tentando compreender como até hoje a cultura da Venezuela não chegou até os brasileiros.

Quando diz isso, Maria Eumelia revela a necessidade da integração das culturas, de valorizar o que traz na bagagem e, devagarinho, “dar a conhecer”, como diz, a sua cultura por meio da gastronomia.  

Para Sarah Oliveira Carneiro, jornalista e professora com pós-doutorado em Ciências Sociais do Centro de Cultura, Linguagens e Tecnologias Aplicadas da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, a gastronomia tem sido uma porta de contato da cultura que os refugiados e imigrantes trazem consigo. 

“Então, a partir disso estamos conhecendo vários fenômenos ligados à interculturalidade porque qualquer gastronomia que passa por um processo de circulação ou de diáspora precisa sofrer alterações. É evidente que essas receitas que os imigrantes estão trazendo estão passando por algumas alterações. Mas eu enxergo este movimento como um movimento promissor e uma possibilidade de acolhimento, de inserção no mundo do trabalho e de uma possibilidade de conexão nossa com a cultura que vem com essas pessoas. Então, reconheço aqui, pelo menos, três grandes boas consequências dessa conexão de saberes a partir da gastronomia”, reflete. 

A peruana Edith Hernández acredita que muitos produtos baianos são similares aos peruanos
A peruana Edith Hernández acredita que muitos produtos baianos são similares aos peruanos |  Foto: Shirley Stolze / Ag A Tarde
 

A peruana Edith Giovana Gallardo Hernández viu em Salvador, por causa do litoral e o potencial de frutos do mar, algo similar aos produtos encontrados no Peru. E percebeu que o ceviche era uma forma de trazer a cultura peruana, dentre outros alimentos, para a capital baiana. Mas um ceviche original, pois o que conhecemos, segundo ela, não é o ceviche verdadeiro do Peru. 

“O modo de preparo é totalmente diferente do que vocês, brasileiros, conhecem e têm comido nos restaurantes, né? É uma mistura com tomate, manga e não sei o quê mais de coisas boas, mas não tem nada a ver com o ceviche peruano”, conta meio rindo da nossa criatividade e transformação do prato tradicional do peruano. 

  • O ceviche é um prato de origem peruana
    O ceviche é um prato de origem peruana |
  • Ceviche peruano é feito com peixe cru ou camarão marinado em suco de limão ou de lima
    Ceviche peruano é feito com peixe cru ou camarão marinado em suco de limão ou de lima |
  • O acepipe também leva pimenta ou piri-piri
    O acepipe também leva pimenta ou piri-piri |
 

“Ceviche é originário do Peru, o nosso prato, o carro chefe. Ele nos representa na gastronomia mundial. É através do ceviche que estou trazendo minha cultura peruana, muito enraizada em nosso país, nas casas, nas ruas. Para mim, é um prato muito afetivo. Nos reunimos em família e dizemos:  Vamos fazer um cevitito!  Juntos preparamos, então é muito afetivo. E eu vim com a mentalidade, para o Brasil, de fazer o meu próprio espaço, levar a minha cultura, levar para onde eu estiver, levar comigo essa coisa que eu amo fazer: cozinhar”, revela.

O chef Jawad Mizher comercializa comida árabe e também japonesa
O chef Jawad Mizher comercializa comida árabe e também japonesa |  Foto: divulgação @siriacomidaarabe
 

O sírio Jawad Mizher, 34 anos, no Brasil há oito, formado em gastronomia e chefe de cozinha, veio a convite de um amigo, acabou gostando e ficando por aqui. Hoje, ele comanda o próprio negócio, o restaurante Surya Comida Árabe e Oriental, que comercializa comida árabe e também japonesa.  

“Inicialmente, foi difícil para conseguir me adaptar e foi muito trabalho, pois aqui em Salvador a culinária árabe não é muito conhecida como nos outros estados no Brasil”, acredita. 

Quando chegou à Bahia, Maria Eumelia tratou de introduzir um bocadinho de gostosura do seu país em Salvador. 

“A gente procurou conhecer a gastronomia de Salvador, os temperos, os sabores, fizemos uma pesquisa e depois de mais de três anos conseguimos trazer a comida típica venezuelana. A gente está tentando fazer com que as pessoas conheçam a nossa gastronomia”, diz. 

Para trazer algo típico da Venezuela, Maria Eumelia teve certa dificuldade com os ingredientes. Ela tentou reproduzir a arepa, um prato de origem indígena, comida típica do local. O prato é feito com uma farinha de milho de um jeito muito próprio e não há nada similar na Bahia. Ela conta que teve que usar a criatividade e recorrer ao modo antigo de se fazer, como na Venezuela de outrora, e reproduzir a comida típica por aqui. O produto é oferecido no @colheresepanelas, de Maria Eumelia, vendido por meio delivery 

A arepa pode ser recheada com ingredientes infinitos
A arepa pode ser recheada com ingredientes infinitos |  Foto: Raphael Muller / Ag. A TARDE
 

“Quando cheguei, eu comecei a pesquisar, vi que precisava de uma farinha para dar a conhecer meu prato, mas eu não conseguia. Então eu tive que retroceder, usando a técnica das minhas avós, que faziam esse prato com milho natural, cozido, passado por um moinho e aí a gente conseguiu fazer em Salvador. O nome é arepa, feito com farinha de milho, assado, recheado com ingredientes infinitos”, detalha. 

O moinho de Maria Eumelia em ação 

 

 

 

Eumelia foi parar nas Sete Portas, atrás de um equipamento que ela chama de moinho, um moedor, que pudesse “espremer” o milho, base para a receita venezuelana com ingredientes adaptados para a confecção do prato típico. 

Essa pertença faz parte do mais genuíno sentimento dos povos imigrantes, que por algum motivo saíram de suas terras para fincar morada em outras plagas. É para homenagear essa gente estrangeira, que traz na bagagem grandes histórias, principalmente um sentimento de pertencimento, que hoje nossa receita da Coluna Histórias & Sabores é a arepa! Ficou curioso? 

A arepa é uma receita dos índios venezuelanos
A arepa é uma receita dos índios venezuelanos |  Foto: Raphael Muller / Ag. A TARDE
 

AREPA

Ingredientes:

1 colher de chá de sal.

½ kg milho branco ou amarelo (o que faz a canjica) 

Um pouco de agua para manter as mãos úmidas 

Modo de preparo (na versão brasileira)

Cozinhe o milho para que fique bem macio. Depois de cozido, quando começar a esfriar, passe pelo moinho. Amasse por uns cinco minutos com as mãos, sempre umedecendo com água. E a massa está pronta. Deixe descansar cinco minutos. Em Seguida, divida a massa em dez porções iguais. Forme pequenas bolotas (de mais ou menos 100g) e achate com as mãos até obter discos de 10cm de diâmetro. Cozinhe em uma chapa ou frigideira em fogo médio por dez minutos de cada lado. Abra de um lado e recheie a gosto.

Sugestão de recheio típico venezuelano:

Ingredientes:

Abacate

Frango desfiado 

Maionese

Limão

Sal

Coentro

Modo de preparo:

Misture todos os ingredientes, coloque limão, sal, coentro e está pronto! 

Sugestão de recheio à brasileira 

Ingredientes:

Carne moída 

Queijo prato ou presunto

Frango desfiado

Observação:

O moinho pode ser encontrado nas Sete Portas. Não convém passar o milho em um processador ou liquidificador porque pode comprometer a textura.

NOTAS COM HISTÓRIAS & SABORES

Imagem ilustrativa da imagem Imigrantes acrescentam novos sabores ao caldeirão gastronômico baiano
 

Dulce Café é reconhecido como um dos melhores lugares para comer em Salvador

O Dulce Café, espaço gastronômico que integra o Complexo Turístico Santa Dulce dos Pobres, na Avenida Bonfim, foi reconhecido mais uma vez como um dos melhores lugares para comer em Salvador. A certificação foi concedida pelo aplicativo Restaurant Guru, que tem como base de sua classificação as avaliações de clientes postadas em agências populares (Michelin, Frommer's, Zagat, Zomato, Yelp, Google, Foursquare, Facebook). Esta é a segunda vez que o estabelecimento é premiado pelo aplicativo, a partir do reconhecimento do público, sendo que a primeira conquista foi em 2020. O Dulce Café está aberto ao público todos os dias, das 7h às 17h30.

Chef Léo Grimaldi
 

Experiência gastronômica em jantar a quatro mãos no Mirante Farol da Barra

O chef Léo Grimaldi, que assina o cardápio do Mirante Farol da Barra, no Forte Santo Antônio da Barra, lança o projeto Mirante Convida, que receberá um chef convidado no restô bar a cada edição promovendo um jantar a quatro mãos. A Ideia é mesclar criações e experiências dos chefs, apresentando histórias dos pratos aos comensais e interagir com os clientes. Léo Grimaldi (@lagrimacozinha)- mais conhecido como La Grima, cozinha desde os 16 anos, morou nos Estados Unidos e foi lá que se apaixonou pela arte da culinária passando a estudar gastronomia.  Para curtir a novidade basta fazer a reserva pelo telefone (71) 99642.2555.

Salvador agora conta com o Total Supermercados no Caminho das Árvores

Há mais de um ano mercado de varejo de Salvador e Lauro de Freitas, o Total Supermercados lançou mais uma unidade na capital baiana. Desta vez, no Caminho das Árvores. Com arquitetura diferenciada, a unidade oferece adega com uma grande variedade de rótulos, açougue com cortes de carnes especiais, padaria com pães artesanais e produção própria, estacionamento com manobristas, dentre outros serviços.

Imagem ilustrativa da imagem Imigrantes acrescentam novos sabores ao caldeirão gastronômico baiano
  

Festivais gastronômicos promovem a cozinha baiana; confira a agenda e programe-se!

O interior baiano será palco de vários festivais gastronômicos que visam valorizar a gastronomia regional e os insumos produzidos localmente, De 29 de julho a 14 de agosto a cidade de Jacobina realiza o Festival Delícias de Jacobina, na região da Chapada Diamantina. O Sabores de Teixeira acontece de 14 a 31 de julho. De 28 de julho a 28 de agosto, será a vez do 9º Festival Gastronômico Sabores de Itacaré. Já em outubro, mais dois festivais gastronômicos. Sabores de Juazeiro e o Festival Gastronômico e Cultural do Prado. Em novembro é a vez da 4ª edição do Festival Esquina do Mundo, realizado em Arraial d’Ajuda, distrito de Porto Seguro.

Publicações relacionadas