Nhoque da fortuna

Verônica Rabelo/Divulgação Cantina Cosa Nostra
Amanhã é dia de atrair sorte! Dia de cumprir uma deliciosa tradição, provavelmente trazida pelos imigrantes italianos no século XIX. Neste domingo, é dia de comer nhoque ou o “gnocchi della fortuna”, um petisco envolto em superstições e lendas que, dizem, atrai sorte a quem o saboreia sempre no dia 29 de cada mês.
Por trás da história do nhoque, há uma fábula que se espalhou por muitos países. Com algumas variações, diz a lenda que São Pantaleão, em uma noite de 29 de dezembro, maltrapilho, andando por um vilarejo da Itália, bateu em uma casa humilde e pediu comida. O jantar era nada mais nada menos que o nhoque. Apesar do pouco alimento à mesa, o maltrapilho não deixou de ser servido. Os sete pedacinhos de massa foram divididos para cada um dos presentes. Depois que o mendigo foi embora, a família percebeu que embaixo dos pratos havia muitas moedas de ouro.
Há também uma explicação relacionando o nhoque ao Dia de São Genaro, na Itália. Essa tradição teria se difundido a partir de italianos emigrados para a Argentina nos anos 1980. Quem explica essa curiosidade é o jornalista de ascendência italiana Eduardo Diogo Tavares, que há 19 anos cultiva a tradição.
“O fato de o alvo do pedido ser São Genaro e não São Pantaleão se deve à grande popularidade de São Genaro entre os italianos que emigravam através do porto de Nápoli, cidade que abriga a catedral dedicada a ele. Muitos pediam proteção e votos de fortuna. Daí o "gnocchi da fortuna".
Eduardo Diogo, filho do “pracinha” Ítalo Diogo Tavares, conta que começou a tradição para homenagear o pai, que gostava muito de comida italiana, casou-se com uma descendente de italianos e acabou abraçando a tradição quando morava em Rio de Janeiro, nos anos 1980. Nádya Argolo, jornalista e esposa de Diogo, emenda: “Nós começamos a fazer o nhoque quando o pai de Diogo faleceu em 2002, portanto há 19 anos”.
O então tenente da Força Expedicionária Brasileira (FEB) do 5º Exército Aliado foi um dos 25 mil militares comandados pelo general Mascarenhas de Morais que lutaram na II Guerra Mundial. A força brasileira atuou, principalmente, em algumas regiões da Itália.

Gazeta do Povo/ reprodução
Conta Diogo que as reuniões com o pai eram sempre regadas a nhoque, quando coincidia de a data cair no dia 29. Um mês depois da morte do pai, o jornalista andava pelas ruas de Barra Grande, na Península de Maraú, quando se deparou com um restaurante italiano. No local, havia o nhoque. Tomou aquilo como grande sinal e resolveu homenagear o “pracinha” e sua ascendência italiana.
“Falei: caramba! Acho que a partir de hoje eu vou fazer essa homenagem não só pela minha própria origem da família materna, mas também em homenagem ao meu pai”.

Reprodução/Acervo pessoal
Desde então ele e a esposa não passam a data sem o nhoque na mesa. “Desde 2003, até hoje, eu e Nádya nunca deixamos de comer nhoque no dia 29. Quando é fevereiro, mês que não tem a data, a gente come no dia 28 ou dia 1º de março, mas não deixamos de cumprir a tradição”, diz, em tom de satisfação.
O casal já passou por alguns sufocos para fazer valer a tradição. Um caso bem pitoresco ocorreu em Coimbra, Portugal, onde a maioria dos restaurantes não vende nhoque.
“Eu olhava, tinha pizzaria e nada de restaurante italiano. Quando achava, não tinha nhoque. Até que achamos o restaurante de uma brasileira, de são Paulo, que tinha receitas italianas inspiradas na nona dela. Perguntei se tinha nhoque, ela respondeu com um ‘geralmente’. Ah, mas tem que ter! Porque a gente tem esse compromisso no dia 29 de comer nhoque”, contou, com muito humor. E o nhoque foi servido com pompa e circunstância!

Diogo Tavares/ Acervo pessoal
E para quem deseja cumprir a tradição ou experimentar o nhoque, muitos restaurantes em Salvador oferecem a iguaria no cardápio, como o tradicional restaurante italiano Cantina Cosa Nostra, na Pituba. De acordo com a gerente e proprietária do local, Marta Barrero Inácio, no dia 29 os pedidos aumentam em cerca de 30%.
“No dia da tradição, 29, vendo muito, principalmente por meio de delivery, por conta da pandemia”, mas durante toda a semana as pessoas gostam de comer nhoque. Saem muitos pedidos”, conta.
Abaixo a deliciosa receita, prática e barata, preparada por Nádya Argolo, que esteja onde estiver com o marido Diogo Tavares, tem que comer o “gnocchi della fortuna”

Raphael Müller/Ag. A TARDE
O molho
Ingredientes
4 tomates maduros
3 colheres de sopa de azeite
2 colheres de sopa de bacon picadinho
4 dentes de alho picados
1 cebola ralada
Sal a gosto
1 pitada de açúcar
Folhas de manjericão a gosto e temperos a gosto
Modo de fazer
Cozinhe na água fervente os quatro tomates bem maduros até soltar as peles. Em seguida, passe a polpa em uma peneira para depois amassar com um garfo.
Em uma panela, aqueça o azeite e frite o alho, a cebola e, em seguida, o bacon. Coloque a polpa e aproveite um pouco do caldo em que cozinhou os tomates. Adicione o sal e uma pitada de açúcar para cortar a acidez. Acrescente folhas frescas de manjericão, orégano, alho desidratado e as ervas que desejar. Deixe ferver e está pronto.

Raphael Müller/ Ag. A TARDE
Antes da massa
Enquanto prepara a massa, é preciso deixar fervendo a água para o cozimento do nhoque. Numa panela funda, coloque a água, que pode ser temperada a gosto. Se desejar, coloque uma pitada de sal, manjericão fresco, orégano, alho granulado e uma pimenta-de-cheiro. Isso para os mais corajosos. Mas pode ser pimenta do tipo que não arde, como a biquinho.
A Massa
4 batatas grandes
1 ovo inteiro
1 colherzinha de manteiga ou azeite de oliva
Sal a gosto
Para início de conversa, vamos prestar bastante atenção nas batatas. É preferível escolher as de casca mais fina e mais durinhas, que devem ser bem cozidas e com casca. É importante deixar esfriar totalmente para então descascar e espremer.
Coloque uma xícara de farinha de trigo e comece a misturar com as mãos até perceber que a massa se solta da mão. Coloque mais farinha, se precisar, até encontrar o ponto certo para modelar a massa.

Raphael Müller/ Ag. A TARDE
Com a massa pronta, modelar em formato de rolinho, que não precisa ser feito de forma regular
Feitos vários rolinhos, é só cortar em pequenos pedaços quadradinhos com uma faca lisa, sem serra.
Em seguida, colocar uma boa porção desses quadradinhos em uma escumadeira, peneira inox ou de alumínio e mergulhar delicadamente na água, previamente aquecida e temperada. Quando os quadradinhos retornam à superfície da água é hora de retirá-los e arrumar no refratário.

Raphael Müller/Ag. A TARDE
Prepare um refratário untando com azeite de oliva ou manteiga, em seguida uma porção de molho para receber o nhoque.
Coloca-se uma camada dos nhoques, cobre-se com o molho e assim, sucessivamente, até que a última camada seja a do molho. Finaliza com queijo parmesão ralado, salpicando.
É de suspirar e revirar os olhos, mas não esqueça o ritual!
Atenção! Antes de comer, deve-se colocar uma nota de qualquer valor sob o prato. Na sequência comer os sete primeiros nhoques em pé. Ao terminar a refeição, a nota deve ser guardada até o próximo dia 29. E está cumprida a tradição, como conta a lenda, e esperar dias melhores!

Antes de comer, deve-se colocar uma nota de qualquer valor sob o prato