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COLUNA

Kátia Najara

Por Empresária, cozinheira, blogueira | [email protected]

ACERVO DA COLUNA
Publicado quinta-feira, 17 de novembro de 2016 às 11:43 h | Autor: Empresária, cozinheira, blogueira | [email protected]

A cozinha do autoconhecimento

Quase todos os cozinheiros, especialmente aspirantes e estudantes de gastronomia, buscam “diferenciais”. Uma nova ideia (se é que ela existe), um novo produto, um novo acento, uma nova técnica, um novo formato, um novo.

É natural que quando ela perceber que a “sua” incrível “nova” ideia surgiu na cabeça de mais algumas dezenas de outras pessoas, vá se sentir frustrada, quiçá roubada. Vai ficar chateada, vai magoar e jurar para si que da próxima vez vai patentear. Mas quando for, vai descobrir na hora que alguém já fez isso. Há dois anos.

Eu tenho pra mim que isso acontece porque estas pessoas estão procurando esse “diferencial” no lugar errado. Ora, se todas elas habitam a mesma atmosfera profissional, assistem aos mesmos programas, leem os mesmos livros e revistas, seguem as/os mesmas/mesmos chefs, visitam os mesmos restaurantes? E por mais atentas que estejam as suas antenas as possibilidades de novas inspirações, dentro deste mesmo e mesmo círculo, são mínimas. Vai dar aquele desâmino diante da constatação de que tudo parece já ter sido inventado. Daí o jeito vai ser “reinventar”, “reler”, muito mais fácil pegar carona em algo que já exista e “repaginar” a parada, né não? Vamo’ facilitar?

O novo

Iconoclastia gastronômica

Vai valer super “resgatar” culturas e tradições populares do interior; vai valer superesfaquear clássicos de todas as nações, dar aquele velho toque gourmet que vai bombar, lógico, porque, veja bem, se para quem estuda e pesquisa não há novidade, imagine para quem é manipulado pelas mídias.

E tome-lhe carré de bode, pirão de queijo fino, ragu de rabada, risoto de fumeiro, brûleé de milho verde, pana cotta de jaboticaba. Tudo incrível, mas apenas quase novo.

E onde está o novo, se é que faz-se tão necessário e urgente?

O novo eu não sei onde encontrar, mas o traço pessoal eu sei. Numa viagem muito mais longa. Pra dentro de si.

Singular é o indivíduo

É por isso que todas as vezes que sou convidada a falar para estudantes de gastronomia toco na mesma tecla: quantas vezes foi ao cinema esse mês? Quantos livros leu (não vale os técnicos), quantos álbuns ouviu, quantas exposições visitou este ano? Onde a arte te tocou? Onde a visão alcançou? Porque a arte é um caminho; porque a arte é um outro lugar onde poucos habitam e onde há muita inspiração, para quem de fato consegue acessá-la.

A arte é um caminho para o autoconhecimento, assim como a psicanálise e até a religião. Qualquer fresta que se abre para o interior é um caminho.

Falo de um caminho mais longo prum infinito particular, nem sempre confortável , elegante e climatizado como o salão do restô, mas único. E é por isso que não há nada novo, porque não há tempo para essa história de autoconhecimento, queremos o caminho mais curto e vivemos para o mundo exterior, de fachada, sem saber quem somos, porque o caminho para o genuíno é sempre cruzado pela urgência, com atalho mais prático para o repaginamento.

Como imprimir um traço pessoal, quiçá parir algo genuinamente novo sem o acervo cultural que a arte e a leitura concedem, e sem autoconhecimento?

Quem sabe uma viagem para dentro, com bilhete de volta, apenas com a bagagem de sua própria existência, referências e memórias, sem excesso de bagagens externas como tevê, rede social, eventos para formadores de opinião, altos investimentos em restaurantes, e ausência de opinião alheia, levem a algum lugar onde nunca se foi, porque singular é o indivíduo.

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