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Kátia Najara

Por Kátia Najara

ACERVO DA COLUNA
Publicado quinta-feira, 04 de junho de 2015 às 8:31 h | Autor: Kátia Najara

Não temais, jovens cozinheiros!

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Katia Najara
Katia Najara -

Esta semana fui convidada a falar sobre tendências e desafios do mercado gastronômico para estudantes de gastronomia de uma universidade. Adoro. Adoro porque os temas a mim mais caros são justamente aqueles que não são discutidos nos reality shows que tanto seduzem os nossos jovens aspirantes a chefs, e meio que me sinto na obrigação de salpicar algum molho de tomate em suas dolmãs tão branquinhas e engomadas. Oh, dó!
É o que eu chamo de dar uma enlouquecida, uma chacoalhada em suas cabeças. E a julgar pela roda quentinha que se forma ao meu redor ao fim das palestras, pelo número de seguidores e e-mails que recebo após estes encontros, muitos deles não se incomodam com as manchas. Que bom.

Tags

"Tags, Katita, tags! São apenas vinte minutos de fala". Okay, tags. Economia criativa, memória afetiva, identidade, História, Cascudo, Pollan, Fisher, Leila Carreiro, responsabilidade sócio-ambiental, slow food, comida de rua, Redemoinho, agricultura familiar, economia solidária. "Pronto, já deu de tags, são vinte minutos". Okay, já deu de tags.

E aproveitei para olhar cada rosto durante as falas dos meus colegas (o Divino ouviu as minhas preces e me deixou por último). E do meio de tantas expressões de curiosidade, excitação, esperança, dúvidas, encantamento, deslumbre e também sono e tédio, eis que surge o semblante de uma garota que na realidade não estava ali de corpo presente, mas que percebi naquele momento, que andou povoando a minha mente desde que a tinha visto há algumas semanas num desses reality shows de gastronomia. A garota mais corajosa que já vi nos últimos tempos.

Vovó na cova dos leões

Trata-se de uma competição de confeitaria entre três jovens candidatos, sempre muitíssimo bem preparados, muitos com experiência de cursos em excelentes escolas da gringa, que apresentam doces elaboradíssimos (é desse sensacionalismo da tevê a culpa de tantos superlativos neste parágrafo).

Pois bem, essa moça foi defender um doce simples, de vó, bem ali no meio da cova dos leões. E mesmo nervosa, sob forte pressão, e ouvindo comentários sarcásticos (e eu diria desrrespeitosos até) do tipo "já terminou?", "que simples, não?", "não tem decoração?", essa jovem heroína defendeu até o fim a sua proposta. Obviamente foi excluída. Mas eu vos pergunto: por quem? Por representantes arrogantes de um mundo fake patrocinado por produtos alimentícios compostos por ingredientes que sequer sabemos pronunciar?

Bom pra ela.

Troféu Rosa de Tomate

Não, meus queridos, não! Prometam olhar menos para fora e mais para dentro! Se conectem com suas memórias afetivas para buscarem os cheiros, sabores, produtos e costumes que os faziam felizes, e transformem essas reminiscências em marcas pessoais, ainda que trajadas com as mais finas vestes da alta gastronomia, pois ninguém está pedindo para que não ousem, pirem, glamourizem.

Mas também, se for a singeleza o que te representa, vá na fé, e assuma a sua decoração de rosa de casca de tomate, que ela há te tocar corações. E depois, tudo não é uma questão de forma e a releitura? Então! Você há de criar uma rosinha contemporânea(!), feita minuciosamente com tomatinho sweet, quem sabe, e disposta não no centro dos empadões, como a mamãe fazia, mas como mini espirais soltos despojadamente entre as folhas de endívia da salada. O que importa é que ela estará lá.

Não se intimidem diante da ditadura social que transforma todas as pessoas em concorrentes, e todos os concorrentes em maratonistas da excelência técnica e estética, para depois lançá-los a furiosas fogueiras de vaidade.
Se o apuro estético do doce do programa os fizerem sentir uns fracassados, desliguem essa m#@&* de televisão, "declare guerra a quem finge te amar", e se apeguem a Luis da Câmara Cascudo, Michael Pollan, MFK Fisher e aos cadernos de receitas das suas avós.

Porque a tendência do mercado, meus amigos, eu preciso crer, que sejam cozinheiros independentes, criativos, cultos, livres, politizados, carinhosos com a natureza e consigo mesmos, e conscientes de sua enorme responsabilidade e tarefa de nutrir corpos e mentes capazes de ajudar a salvar o mundo de uma completa debilidade. Eu acredito é na rapaziada.

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