Sebastião Nery, um que sai de cena sob aplausos, após belo espetáculo
Confira a coluna de Levi Vasconcelos
E você, que passou a vida inteira entre políticos, o que nos diria da sujeira que permeia o jogo da política?
— Em primeiro lugar, vamos botar os pingos nos is. Política não é fim, é meio, é uma ferramenta, como o violão. Daí em diante, depende do tocador, e um bom tocador logo de cara afina o violão. Quem suja a coisa é o tocador. Foi por isso que na ditadura fomos pro pau. Aí a briga era pelo direito de tocar.
Esse foi um dos últimos papos com Sebastião Augusto de Souza Nery ou, simplesmente, Sebastião Nery, que esta semana nos deixou, com uma ressalva: saiu de cena após protagonizar belo espetáculo.
Trajetória — Baiano de Jaguaquara, foi uma figura diferenciada. Jovem, foi seminarista. Também jovem, se elegeu vereador por Belo Horizonte, mas o partido foi impugnado. Elegeu-se deputado estadual pela Bahia em 1962. Tomou posse em 1963 e em 1964 estava entre os 13 que a ditadura cassou. Do grupo, ele era o único que ainda estava vivo.
Em 1982, foi deputado federal pelo Rio. Também foi professor de latim e português e advogado, mas traçou os caminhos mesmo na imprensa, lá atrás, fim dos anos 50, ainda na Bahia com o Jornal da Bahia e A TARDE, depois nos grandes jornais de Minas, Rio e São Paulo.
Mas a marca principal foi o folclore político, criado por ele em 1971, quando lançou o primeiro livro, contando histórias bem humoradas dos bastidores e entorno do poder. Segundo ele, foi um jeito de driblar a censura para falar de políticos que a ditadura censurava.
— Histórias e estórias nunca faltam. Enquanto houver gente, elas estão aí.
Na Bahia, sempre cultivou muitos amigos, como Newton Macedo Campos, segundo ele, além do prazer da convivência, fonte inesgotável de casos cristalinos, é só pegar e beber. Nos últimos tempos, com Mário Kertész e até herdeiros do apreço, como o jornalista Cláudio Leal, neto do ex-deputado Luiz Leal, que com ele foi cassado em 1964.
Com Dom Avelar — Cláudio, que hoje está concluindo doutorado na França, viu a notícia da morte do amigo em Tóquio, a caminho de Pequim, e disse que o jornalismo brasileiro perdeu um dos seus ícones.
Ele lembra que Nery lhe contou uma de Dom Avelar Brandão Vilela, arcebispo primaz do Brasil, com ACM.
Iam os dois viajando num avião, um teco-teco, de repente começou uma forte turbulência, Dom Avelar com cara de assustado perguntou a ACM:
— O que está havendo?
— Eu acho que estamos a caminho de ver Jesus.
E Dom Avelar.
— Não me fale uma merda dessa!
Nery contou o caso nos jornais, Dom Avelar virou uma arara. Quando o encontrou, foi de dedo em riste impondo o cardeal ante o ex-seminarista:
— Ajoelhe-se!
Ajoelhou-se. E Dom Avelar:
— Você vai me dizer agora em confissão quem foi que lhe contou a história do avião?
— Ah, Dom Avelar. No avião só tinha o senhor, ACM e o piloto, né?
Nery dizia que ‘o jornalismo é a história que está sendo escrita todos os dias’. E arrematava: ‘O bom jornalista é aquele que, acima de tudo, não teme desagradar. Vale o interesse público’.
Colaborou: Marcos Vinicius
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