A Terra está com febre
Confira a coluna Olhar Econômico
Um vídeo do Papa Francisco circula nas mídias sociais pedindo para escutarmos o clamor da Terra febril, enferma com temperaturas acima do normal. Fala sobre os gritos dos mais prejudicados com as catástrofes climáticas: as camadas mais pobres da população, que perdem seus entes queridos, suas casas e seus poucos pertences. Notícias de secas no interior do Brasil, atingindo mananciais sagrados de água potável como o Pantanal e a Amazônia, colocam em alerta autoridades atônitas e sem planejamento, diante de fenômenos, cada dia mais presentes, destruindo comunidades, a economia, a saúde física e mental das pessoas. Um olhar mais atento e curioso pode ver desastres ambientais acontecendo em todas as partes do planeta: enchentes históricas devastando cidades e regiões da Europa, inundações na Ásia ceifando vidas, tornados e furacões com forças jamais vistas, não cessam de sinalizar a fúria de um ser machucado em agonia, a natureza sendo vítima e algoz da humanidade. Não me venham defender a tese dos efeitos cíclicos no planeta, afinal, se aconteceu algo parecido no passado, não havia 8,13 bilhões de pessoas morando aqui.
Num mundo capitalista, a resposta aos desafios, segue um sinal econômico-financeiro, porém em se falando de “meio ambiente” falta uma metodologia de cálculo, respeitada, confiável e aceita para traduzir os estragos em cifras (Reais). Não é simples contabilizar: custos diretos, indiretos, lucros cessantes e efeitos de médio-longo prazo que justifiquem investimentos na prevenção e planejamento. Sem o sinal econômico para atrair o setor privado, cabe às políticas públicas o incentivo para fazer acontecer.
Desde 1992, quando foi criada a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC) no Rio de Janeiro, 198 países aderiram à causa de frear a emissão de gases de efeito estufa. O Protocolo de Kyoto (1997) e a Carta de Paris (2015) são resultados desse movimento contínuo e louvável para sensibilização e estabelecimento de uma consciência ambientalmente sustentável, com pilares fortes. Um exemplo notável disto está na movimentação frente ao programa de qualificação organizacional “ESG” que, mesmo sendo ações de efeito a longo prazo, trazem uma mudança gradativa na perspectiva dos negócios diante da Terra febril.
Porém, o que fazer para minimizar os ataques promovidos pela natureza no hoje? Como proteger as vidas nessas situações? Numa era de tecnologias disruptivas, 11.300 satélites em órbita, IA-inteligência Artificial e SUPERCOMPUTADORES, como os algoritmos de cálculo das previsões climáticas podem ser mais efetivos com informações dos potenciais desastres permitindo planos para minimizar seus efeitos?
No Brasil, notadamente o setor elétrico nacional, sofre com as secas que agem sobre as bacias hidrográficas. Nossa matriz de geração de energia, dependente de 53% das chuvas e reservatórios, se coloca em risco de fornecimento nessas circunstâncias. Para agir em prevenção, o diretor geral da ANEEL, Sandoval Feitosa, anunciou nesta quarta-feira (18/09/24) a permanência da bandeira vermelha, pelo menos até o final do ano. Cobrar bandeira vermelha na conta de luz significa usar fontes de energia mais caras e poluentes (termelétricas a combustíveis fósseis - carvão, óleo e gás natural) liberando gases de efeito estufa na atmosfera, contribuindo ainda mais para o aquecimento global e a poluição do ar. É o péssimo exemplo de combater o fogo jogando gasolina e pagando caro por isso!
Do outro lado do planeta, a ARENA – Agência Nacional de Energias Renováveis da Austrália (www.arena.gov.au) lançou em 11/09/24 um programa de AUD$513 milhões (equivalente a cerca de R$2,0 bilhões) para estimular a produção e reduzir o custo dos sistemas de bateria no país objetivando desligar termelétricas e ligar sistemas de geração solar/eólica a baterias de grande porte, garantindo assim um fornecimento estável e ininterrupto. Em números: o consumidor brasileiro paga mais de R$2,0/kWh por uma termelétrica em operação (dados: Leilão Energia de Reserva de Capacidade -2021). Um sistema de energia renovável com uso das BESS- Battery Energy Storage Systems (baterias) se torna viável, atualmente, com energia entre R$1,60 a R$1,80/kWh. O Brasil tem minério para produção em larga escala de baterias, tem tecnologia para produzi-las e tem sol/vento para mantê-las sempre carregadas para quando necessárias. São iniciativas em forte expansão em todos os cantos do mundo, exceto no Brasil. O que nos falta? Qual a razão dessa “inércia” por aptidão? Por que não houve sequer um leilão de energia de reserva de capacidade para esse tipo de aplicação. Se não foi pensado, fica o convite ao MME – Ministério de Minas e Energia, começar a pensar nisso. É bom para o Brasil, para o mercado de energia e para o planeta Terra, com febre!
*Engenheiro eletricista, especialista em Gestão e Comercialização de Energia Elétrica