Como é difícil aceitar o novo
Confira a coluna Olhar Econômico desta sexta-feira, 27
O apagão no Brasil ocorrido às 8h31 de 15 de agosto de 2023 despertou os tradicionais críticos da expansão do uso de energias renováveis, acusando o excesso de geração eólica e solar fotovoltaica, como causa do incidente. No entanto, o RAP (Relatório de Análise de Perturbações) da ONS (Operador Nacional de Sistemas), descredenciou as críticas formuladas precipitadamente.
Segundo o relatório, disponível em “ons.org.br”, o ponto de partida do distúrbio foi o desligamento da Linha de Transmissão 500 kV Quixadá-Fortaleza II, operada pela Chesf, devido a uma atuação incorreta na proteção da linha, mesmo operando dentro dos seus limites. O relatório explica ainda a propagação do problema em todo o país, decorreu de uma resposta inadequada dos sistemas de proteção utilizados nas subestações, os quais se baseiam num modelo matemático do Cepel (Centro de Pesquisas Eletrobras), o qual será revisado até 2024, para evitar ocorrências similares. O próprio relatório da ONS aponta que as energias renováveis, ditas intermitentes, podem se inserir em até 70% na matriz energética do Brasil enquanto atualmente estamos na faixa dos 33%.
Disrupção
A evolução tecnológica da humanidade, quando não são fruto das necessidades de uma guerra, sofrem pesados ataques do que está em uso, testado e consagrado. O conhecido nos conforta, já foi avaliado, medido, contestado e inclusive melhorado. Fazer algo novo requer persistência, paciência e muita resiliência para sustentar dois fundamentos essenciais: primeiro a razão para a evolução e segundo como construí-la, afinal tudo que é novo sofre reações pelo medo do desconhecido.
A disrupção (ato de gerar uma ruptura) é um tema que já convivemos sem perceber ao longo de nossa vida, porém na questão energética torna-se um desafio maior do que a disruptiva utilização dos smartphones, por exemplo. É um setor da economia com muito poder econômico dos seus agentes atuais e traz impactos na vida de uma sociedade e estratégicos para um país.
Ainda existem desafios enormes a serem superados pelas energias renováveis. Recente publicação do The Economist de 25 de setembro de 2023, numa matéria intitulada: “A energia renovável tem custos ocultos”, foram listados aspectos críticos de suas desvantagens: “energia renovável não está disponível 24 horas por dia, a eficiência das tecnologias renováveis é baixa, o custo inicial é alto, os locais requerem muito espaço, dispositivos precisam ser reciclados, etc”. Todos esses aspectos são reais, mas quanto custa um planeta asfixiado pelo CO2 na atmosfera? Quanto custa os efeitos do El Niño 2023 sobre a Amazônia?
Em 2011, na realização dos sistemas fotovoltaicos conectados à rede do Estádio de Pituaçu, na capital baiana, o valor dos sistemas custou ao redor de R$ 12 (doze reais) por watt instalado. Neste final de 2023, 12 anos depois, os preços caíram mais de 66%. Os mesmos sistemas estão sendo comercializados ao redor dos R$ 4 (quatro reais) por watt pico. Da mesma forma, outras tecnologias caminham a passos largos para desenvolvimento de soluções mais baratas.
Existe uma forte concentração de recursos nas pesquisas dos sistemas de armazenamento de energia para veículos, mas que se aplicam às residências, comércios e indústrias. Quando aparece uma reportagem criticando o uso, os subsídios ou mesmo o quanto custa produzir um kWh com energia renovável para o planeta, levando em conta toda a cadeia produtiva dos componentes, faço a pergunta: como projetar a inviabilidade de uma tecnologia no futuro utilizando paradigmas e custos do presente? Um estudo realizado pelo engenheiro Mark Jacobson, da Universidade Stanford, publicado na revista Energy & Environmental Science, calculou em US$ 62 trilhões o custo para que a geração de energia eólica, solar e hidrelétrica atendesse plenamente a demanda e substituir completamente combustíveis fósseis.
Parece um número enorme, mesmo espalhado pelos 145 países citados no estudo. Mas os números e as estimativas mostram que os países recuperariam o dinheiro num período relativamente curto, cerca de cinco anos. Números e estudos podem se ajustar aos interesses de quem os faz ou paga, mas a realidade incontestável é que a descarbonização do planeta, pelo uso das energias renováveis, seja no transporte ou demais usos, é necessário à vida do planeta. Pensando que, há pouco mais de um século, a eletricidade substituiu o uso dos azeites e das madeiras. Poucos anos depois, na guerra das correntes de Edison contra Tesla e Westinghouse, a corrente contínua cedeu espaço a corrente alternada permitindo levar energia mais longe com custos menores.
Desde lá, a eletricidade protagonizou uma mudança sem precedentes da vida na Terra, e as fontes renováveis, mesmo que custem mais caro atualmente, nos oferecem uma saída para que amanhã, com o peito estufado e os pulmões limpos de CO2, possamos gritar, VALEU A PENA investir.