Contracondutas
Confira a coluna Olhar Econômico desta sexta-feira
Michel Foucault, grande filósofo francês dos tempos modernos, em seu livro Segurança, Territórios e População (1978) apresentou o conceito de poder como sendo a capacidade de conduzir as condutas dos indivíduos na sociedade. Definiu que essas condutas mudam ao longo do tempo, frente às resistências sofridas por elas, ao que chamou de “contracondutas”.
Em outras palavras: as lutas de poder se dão mais em torno da “maneira” como somos governados, do que sobre a existência do poder em si dos governantes. A reação ao poder se estabelece contra o modo pelo qual os governos determinam a liberdade dos indivíduos, criando assim uma provocação permanente para mudanças.
Esse conceito/pensamento brilhante se estende sobre nossa sociedade, e é possível observar essas lutas tocando nos aspectos mais imediatos da vida humana, fazendo os jogos de poder ficarem visíveis a todos. O embate da verdade com as fake-news, a medicalização da vida, a redução das desigualdades sociais, a captura do corpo pela sexualidade, a presença da ecologia nas organizações como fator decisivo para longevidade das empresas e da vida no planeta, são alguns exemplos tangíveis.
Focando no nosso tema, a sustentabilidade do planeta passou a ser um elemento de condução para todos nós. As práticas de governança baseadas em princípios sociais e ambientais (ESG), estão diariamente nos jornais e redes de informação, como nunca foi visto na história. Vestidos em diversas bandeiras, o assunto ultrapassa fronteiras, mercados e blocos políticos. Está dentro de casa: com os alimentos orgânicos, biologicamente corretos, produzidos com responsabilidade à saúde e com energias renováveis.
Está também nos maiores mercados mundiais, como nos combustíveis verdes e nos EV´s (veículos elétricos), mostrando uma saída honrosa e disruptiva para o petróleo que carboniza nossa atmosfera atacando nosso clima. Forte elemento para a popularização das contracondutas preconizadas por Foucault, os smartphones permitem a seus usuários uma presença real nas discussões relevantes da nossa sociedade, transformando as redes sociais num meio de informação veloz, poderoso e decisivo.
Atua inclusive na eleição dos governos e, portanto, na reformulação do poder através de seus conduzidos. Outro forte agente das contracondutas é o setor de energia. Através da permissão para a produção de nossas próprias necessidades de energia, e com o surgimento dos sistemas de armazenamento (baterias de longa duração e capacidade) e dos veículos elétricos, o indivíduo tem a possibilidade de insurgir-se contra o hábito de passar semanalmente num posto de gasolina, ou ter de pedir à Coelba para ter luz em casa.
Dois mercados gigantescos, que movimentam bilhões anualmente com grande influência em nossas vidas, literalmente ameaçados. Uma realidade ainda para poucos, porém com forte tendência de crescimento pela acessibilidade e viabilidade econômica.
Uma realidade plausível em curto/médio prazo, a depender dos que conduzem. Nesse sentido, o novo relatório do Fórum Econômico Mundial, Fostering Effective Energy Transition 2023– publicado em 28 de junho de 2023 em Genebra, na Suíça, informa que os investimentos em energias renováveis em 2022 atingiram o recorde de US$ 1,3 trilhão, um aumento de 19% em relação a 2021 e de 70% em relação a 2019. Na mesma direção, o relatório do Banco Europeu de Investimento, da Aliança Solar Internacional e da União Africana, publicado em novembro de 2022, “Africa´s Extraordinary Green Hydrogen Potential”, afirma que a produção de hidrogênio verde na África deverá atingir 50 milhões de toneladas/ ano até 2035.
Nas nossas terras, um sinal positivo foi dado pelo ministro da Casa Civil, Rui Costa, que numa declaração dada ao JR Entrevista nesta quarta-feira, 19, afirmou que o governo federal vai criar um fundo verde para captar recursos internacionais e financiar a descarbonização da economia. Ou seja, o foco da transição energética precisa mudar para nações mais populosas e em desenvolvimento na Ásia, América Latina, África e Oriente Médio, pois elas respondem por uma parcela significativa da população mundial.
Embora vários países estejam comprometidos com a transição energética e tenham vastos recursos de energia renovável, eles carecem de financiamento e conhecimento técnico para desenvolvê-los plenamente. Ao obterem esse apoio, um futuro mais seguro, sustentável e equitativo pode ser encontrado reforçando um ambiente favorável para que esses países estejam na vanguarda, diminuindo as desigualdades sociais e econômicas que nós desejamos.
*Engenheiro eletricista, especialista em Gestão e Comercialização de Energia Elétrica