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Dura lex, sed lex

Publicado sexta-feira, 29 de julho de 2022 às 05:45 h | Autor: Luiz Carlos Lima* | [email protected]
Cada dia fica mais visível as ações da Aneel em favor 
dos grupos econômicos monopolistas
Cada dia fica mais visível as ações da Aneel em favor dos grupos econômicos monopolistas -

O grande escritor mineiro Fernando Sabino ficou conhecido ao escrever, de forma brilhante, a seguinte frase: “para os pobres se aplica o conceito de dura lex, sed lex (a lei é dura, mas é a lei), mas para os ricos e poderosos o conceito é dura lex, sed latex (a lei é dura, mas estica). Uma sutil crítica ao sistema judiciário à época, mas ainda presente em diversas facetas de nossa sociedade brasileira.

No âmbito do setor das energias renováveis, estamos presenciando esse conceito refletido na aplicação da Lei 14.300/2022, que trata os direitos dos consumidores de produzirem sua própria energia. No artigo 30, a referida lei estabelece que a Aneel - Agência Nacional de Energia Elétrica e distribuidoras de energia elétrica, “deverão adequar seus regulamentos, suas normas, seus procedimentos e seus processos, a fim de cumprir as disposições da Lei, em até 180 (cento e oitenta) dias da data de publicação”. A Lei foi publicada em 07/janeiro deste ano e, portanto, as regras deveriam estar adequadas até o último dia 07/julho. Porém para estes a LEX, neste caso, é LATEX!

Nenhuma regra foi feita até o momento. A única consulta pública aberta pela Aneel (031/2022) tratou da regulamentação dos artigos 21 e 24 da Lei, sobre as regras de venda de excedentes de energia já comprada pelas distribuidoras, numa eventual sobra decorrente do aumento da geração distribuída. O assunto é claramente de interesse único das distribuidoras. Os artigos da Lei que beneficiam os milhões de consumidores e prosumidores (aqueles que produzem sua própria energia) não foram regulamentados e sequer lançados em consulta. Por consequência, não vêm sendo aplicados. 

Por outro lado, o prazo de carência para início da cobrança do uso do fio pelas distribuidoras vai se esgotar em 06/janeiro/2023, com ou sem as regulamentações definidas. Ou seja, para benefício do consumidor o conceito é dura LEX, sed LEX.

Cada dia ficam mais visíveis as ações da Aneel em favor dos grupos econômicos monopolistas, em sua maioria privados, que atuam no setor elétrico. A Agência foi criada pela Lei 9.427/96 e teve por finalidade regular e fiscalizar a produção, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica, em conformidade com as políticas e diretrizes do governo federal. Em tese a fiscalização deveria buscar a preservação do interesse público, dos cidadãos que precisam cada vez mais de energia em suas vidas. Imagine-se 24 horas sem energia e o caos que decorre de uma vida sem climatização, iluminação, internet, conexão celular etc. Estamos tratando de uma necessidade essencial à vida moderna, que apenas na distribuição de energia fatura mais de R$ 25 bilhões/mês (dados do Anuário Estatístico de Energia Elétrica 2021- ano base 2020 emitido pela EPE – Empresa de Planejamento Energético).

A despeito de todas essas dificuldades, o setor de energias renováveis, notadamente da geração distribuída, vem batendo recordes a cada dia. Na última segunda-feira, 25/julho/22 os sistemas fotovoltaicos conectados à rede atingiram a marca de 12.000 MW(megawatts) de potência instalada. Isso através de 1,5 milhão de consumidores que geram a sua própria energia. Para uma noção de valor, Itaipu binacional possui 14.000 MW de potência instalada. 

Somos 1,5 milhão de consumidores com geração própria, num universo de 86 milhões em todo o Brasil, ou seja apenas 1,7% possuem essa prerrogativa. Muito espaço ainda para que muitos possam ter essa opção de energia verde, sustentável, barata e contributiva à preservação do meio-ambiente, mas não será tão simples, afinal a força da energia para todos não é tão intensa nem tão forte quanto o lobby das empresas de distribuição de energia. 

Segundo o ranking VALOR1000 das 50 maiores empresas do Brasil, 9 são distribuidoras de energia. Só nos resta apelar para o Congresso Nacional, para o TCU, afinal o poder concedente da distribuição é a União e, pelo visto, através de seu agente regulador, não está muito preocupado com os nossos direitos de cidadão.

*Engenheiro eletricista, especialista em Gestão e Comercialização de Energia Elétrica

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