Eu quero ser livre
Confira a coluna Olhar Econômico
Parodiando a música do Queen: I want to break free (“eu quero me libertar”), ser livre para escolher de quem, quando e como comprar eletricidade. Consumir energia é essencial para tudo que fazemos. Assim como comida, seguro, internet, temos o direito de dispor de opções para adquirir energia limpa, por um preço competitivo com quem possa oferecer também um atendimento diferenciado. O grande sonho do ser humano é ter liberdade e por esse ideal muitas guerras, revoltas e manifestações, acontecem até hoje. Porém, aqui no Brasil, especificamente no setor elétrico, vivemos uma realidade diferente. Somos reféns de um arcabouço regulatório e econômico-legal arcaico, defasado e manipulado por um oligopólio vivendo num “oceano azul”, que faz de tudo para manter a situação como está, afinal, com lucros de bilhões (vide tabela1) esses grupos econômicos privados dividem e dominam o mercado. Ao lado dessa situação há uma população insatisfeita, sem atendimento presencial, sem ter a quem reclamar, ordeiros e atados por uma regulamentação criada para não penalizar o mal serviço prestado pelos agentes responsáveis por algo essencial e de utilidade pública.
O Mercado Livre de Energia no Brasil foi previsto na Lei do Novo Modelo do Setor Elétrico em 1995 (Lei 9.074) porém o Ambiente de Contratação Livre (ACL) só veio a ser regulamentado pelo Decreto 5163/2004. Desde então pouco se falou sobre a abertura total, até 2022, quando o MME-Ministério de Minas e Energia publicou a PORTARIA NORMATIVA 50/GM/MME/22, abrindo o acesso ao mercado livre de energia para cerca de 200 mil consumidores que tenham sua própria subestação, os chamados clientes do Grupo A. Desde janeiro/2024 eles podem sair à compra de energia de quem oferecer uma melhor proposta em relação a custoxbenefícios. Esses ganharam sua carta de alforria, mas, como na época da libertação dos escravos, a maioria ainda está “morando nas senzalas”. O assunto é novo e complexo, e como filhos agarrados aos pais, esses clientes sentem medo de sair dos braços conhecidos das distribuidoras. A liberdade cede espaço ao medo! Mas são, ainda, duzentos mil num universo de 89 milhões de consumidores no Brasil! No último 12/julho/24 a CCEE-Câmara de Comercialização de Energia Elétrica realizou o seminário Justiça Tarifária e Liberdade do Consumidor, trazendo à discussão a tendência já delineada pelo MME dessa abertura acontecer com a devida cautela e em etapas, porém não deixar de acontecer até 2027. Uma das principais questões que precisam ser resolvidas para concluir a abertura do mercado, são os subsídios colocados dentro das contas de energia. Explicamos: apesar do Brasil ter um custo de produção de energia dos mais baixos do planeta, nós consumidores pagamos uma das tarifas mais caras do mundo.
Como assim? Sendo a energia uma necessidade que atinge a todos, ficou fácil o caminho de embutir benefícios e alguns interesses nas contas de luz. Esses subsídios são reunidos numa conta chamada CDE – Conta de Desenvolvimento Energético, que é um fundo de natureza contábil, instituído pela Lei 10.438/2002, com o objetivo de custear, por 25 anos, a universalização do serviço de energia elétrica, o desenvolvimento energético dos estados, a competitividade de fontes de energias renováveis, subsídios às tarifas sociais, a irrigação agrícola e ao carvão mineral nacional (sic). Essa conta foi de R$ 37,17 bilhões em 2023, ou seja 15,3% de toda receita paga pelos consumidores “cativos” (sem liberdade). Ocorre que, quem se torna consumidor livre também se livra de pagar esses subsídios. Se o mercado de energia abrir e todos puderem ser “livres”, quem vai pagar essa conta? Pior ainda, como ela é devida todo mês, quem fica por último, paga uma conta maior, pois o rateio será pelos que ficam. Esse é um dos entraves para o processo de abertura do mercado de energia, pois depende uma decisão política do Governo Federal, ou uma proposição do poder legislativo. O debate está aberto, e esperamos que até 2027 “a liberdade abra as asas sobre nós”, consumidores de energia cativos.
*Engenheiro eletricista, especialista em Gestão e Comercialização de Energia Elétrica