Ilhas de energia (microrredes)
Confira a coluna Olhar Econômico desta sexta-feira
Era tarde de 4 de setembro de 1882 quando Thomas Edison acionou o botão de partida da Pearl Street Station, primeira usina de geração de energia elétrica do mundo, acendendo mais de 3.000 lâmpadas para iluminar ruas e prédios de alguns quarteirões de Manhattan – incluindo a famosa Wall Street, futuro centro financeiro do planeta.
O visionário inventor deu início ao primeiro uso comercial de eletricidade na sociedade moderna, determinando o fim dos lampiões a gás e óleo, poluentes e nocivos à saúde.
A eletrificação foi considerada pela Academia Nacional de Engenharia dos Estados Unidos como a principal realização de engenharia do século XX (www.greatachievements.org). Com capacidade de gerar 600 kW, a Edison Illuminating Company contava com 513 clientes ao final de 1882. Atualmente sob o nome de ConEdison, atende cerca de 3,6 milhões de usuários em Nova York. No Brasil a história começou em 1883, quando o próprio inventor, a pedido do Imperador D. Pedro II implantou o primeiro serviço público de iluminação elétrica no Rio de Janeiro com uma usina termoelétrica a vapor de 52kW para iluminação da cidade de Campos de Goytacazes, fornecendo energia para 39 lâmpadas de duas mil velas cada. Em 140 anos, a indústria de energia elétrica (geração, transmissão, comercialização e distribuição) saiu de zero para se tornar uma das maiores receitas de negócios do mundo, de acordo com a IEA-Agência Internacional de Energia (www.iea.org/reports/key-world-energy-statistics).
Nesse universo de gigantes da economia, um segmento está em franca transformação. A distribuição de energia cresceu considerando as economias de escala, comprando de grandes centrais geradoras que produzem milhões de megawatts-hora para entregar a clientes distantes, através das redes de transmissão e distribuição.
Esse modelo, nascido com Edison, não sumirá, mas está encolhendo rápido, com o surgimento da GD-Geração Distribuída, principalmente utilizando os sistemas fotovoltaicos. A produção é feita junto ao cliente, com custos acessíveis e atende necessidades de potência, mas nem sempre na hora que precisa.
Agora, com os novos sistemas de armazenamento de energia (baterias) esse problema acaba. Impulsionados pela indústria dos veículos elétricos, as baterias estão cada vez mais eficientes, com mais autonomia, durabilidade e preços viáveis. Assim, os componentes que equipam os veículos são adequados para uso nas redes autônomas, também chamadas de microrredes ou ilhas de energia, que podem atender casas, condomínios, comunidades ou até cidades inteiras.
A geração distribuída associada aos novos sistemas de armazenamento e com o auxílio da “internet das coisas” (IoT), permite operar sistemas com estabilidade e confiabilidade necessárias ao conforto dos usuários.
Nesta semana (de 11 a 14/09) o RE+ (+ renováveis), maior evento de energia das Américas, reuniu em Las Vegas (EUA) profissionais das áreas de energia solar, armazenamento de energia, energia inteligente, microrredes, energia eólica, hidrogênio e células de combustível, infraestrutura de veículos elétricos e indústrias do setor para discutir os novos desafios.
As microrredes foram um dos temas de maior destaque e debates, inclusive com uma “cerimônia de desconexão” que “ilhou”, no dia 12/09, todo o centro de convenções em real demonstração da capacidade das redes autônomas. Ilhas de energia tendem a crescer rápido pela viabilidade econômica, confiabilidade frente ao restabelecimento diante de situações inusitadas como catástrofes ambientais, furacões, inundações etc. Tem a praticidade de estar com componentes de produção junto aos usuários, tornando prioritário e ágil o restabelecimento nas panes.
Além disso, é forte agente de aceleração das metas de redução de carbono, por trazer o uso exclusivo de energia limpa, renovável e sustentável. As microrredes vão revolucionar a forma de uso da energia, mas também o negócio em si. Um novo empreendimento imobiliário pode contar com um sistema totalmente autônomo da rede da Coelba e se tornar um excelente negócio para pequenas empresas que queiram explorar o sistema em troca de uma remuneração pela energia, oferecendo energia limpa e mais barata que a vendida na rede convencional.
Esse mercado dobrou na Austrália, em 2022, frente a 2021, e, segundo relatório do US-EIA (Administração de Informações Energéticas USA - www.eia.gov/energyexplained/electricity/energy-storage-for-electricity-generation.php) ao fim de 2022, já há 8.840 MW (2/3 de Itaipu) de potência instalada em baterias nos EUA. Em breve teremos essas estatísticas no Brasil, que precisa evoluir nessa nova vertente, sobretudo quanto à regulamentação da aplicação pela Aneel. Vamos ver se o lobby das distribuidoras irá permitir!
*Engenheiro eletricista, especialistaem Gestão e Comercialização de Energia Elétrica