Por que o Censo demográfico importa? O caso do FPM
FPM faz parte de um conjunto de transferências intergovernamentais do governo federal para os municípios
Pipocou na imprensa baiana nestes últimos dias matérias sobre a indignação de prefeitos com o Censo Demográfico. Isto porque, com a prévia do Censo, a população de diversos municípios reduziu. O alvoroço entre os políticos de aproximadamente 101 municípios do Estado é devido ao fato de que a população mensurada pelo IBGE entra na base de cálculo do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Essa indignação tem se estendido a municípios de diversos estados do Brasil.
O FPM faz parte de um conjunto de transferências intergovernamentais do governo federal para os municípios e está presente na Constituição Federal. Estas transferências chegam a responder por mais de 80% da receita municipal para alguns municípios, e os prefeitos argumentam que alterações na base de cálculo do mesmo poderá representar demissão de funcionários e paralisação de serviços essenciais, como educação e saúde. Outros, céticos da produtividade política em transformar receitas em bens públicos, se mostram indiferentes pois pensam que receita adicional vira corrupção.
Como sempre fazemos neste espaço, iremos nos debruçar sobre o que a ciência econômica aplicada fala sobre o FPM e sobre transferências governamentais como um todo. As melhores evidências científicas sobre o FPM utilizam a própria regra do programa para avaliar os impactos do mesmo. A definição dos valores recebidos por cada município é condicional ao tamanho populacional. Desta forma, existirão diversos municípios com populações muito próximas, mas um recebendo muito mais recursos que o outro.
Assim, utilizando essa variação e dispondo de informações observáveis dos municípios (PIB per capita, percentual de pessoas com emprego formal, entre outras), os pesquisadores são capazes de tecer conclusões causais sobre o FPM, comparando municípios que são extremamente similares, mas que recebem recursos do FPM muito díspares. A técnica é conhecida como regressão descontínua.
Em artigo publicado por Fernanda Brollo e um grupo de pesquisadores italianos na revista American Economic Review em 2013, é demonstrado que mais recursos do FPM aumentam o nível de corrupção e reduzem o nível de escolaridade dos candidatos a prefeito. Uma evidência de que os recursos se transferem ao poder político, minando candidatos que poderiam ser mais produtivos. Ponto negativo pro FPM.
Por outro lado, artigo publicado por Litschig e Morrison na American Economic Journal, também em 2013, mostra que os maiores recursos do FPM aumentam a escolaridade per capita e reduzem a taxa de analfabetismo. Ademais, a taxa de pobreza dos municípios também reduziu. Ainda sobre efeitos positivos, Rafael Corbi e coautores, mostram em artigo publicado na Review of Economic Studies que mais recursos do FPM estão relacionados a aumento do emprego, tanto público, quanto privado. Dois pontos positivos para o FPM.
Portanto, a redução abrupta da arrecadação municipal pode ter efeitos negativos sobre indicadores socioeconômicos. As queixas dos prefeitos, portanto, fazem muito sentido e se respaldam na ciência econômica. O IBGE, agora sob o comando do Ministério do Planejamento, precisa com urgência definir uma estratégia para avaliar os danos do novo Censo. Roberto Olinto, que presidiu o IBGE entre junho de 2017 e julho de 2018 argumentou que os problemas decorrem do corte de orçamento, redução do questionário e problemas de amostragem.
O Censo demográfico é utilizado para a definição de diversas políticas públicas no Brasil, bem como o mais importante instrumento para compreensão das características sociais e econômicas da população brasileira. Permitindo, inclusive, tecer conclusões sobre as características de cada município, ou do nível do setor censitário, que pode ser menor que um bairro em algumas cidades. Portanto, auditar, avaliar, e apontar soluções (ou simplesmente refazer tudo do zero) para o atual Censo é primordial.
Doutor em Economia, professor, pesquisador na UNU-WIDER - United Nations University World Institute for Development Economics