Representatividade importa
Após a Conquista da primeira medalha feminina do Brasil na ginástica numa Olimpíada, as redes sociais trouxeram à tona um vídeo de 2009 com uma pequena Rebeca Andrade treinando junto com Daiane dos Santos e outras referências da ginástica nacional. As redes sociais também nos lembraram de um vídeo da pequena Rayssa Leal com apenas 7 anos de idade conhecendo pela primeira vez a Letícia Bufoni, sua grande referência no esporte.
Daiane e Letícia foram o que chamamos em economia de Role Models, que podemos traduzir como modelos de inspiração, referências. Mas porque isso importa? Existem estudos mostrando o papel da representatividade em diversas áreas. Os pesquisadores brasileiros Avarte, Firpo e Pieri publicaram um estudo mostrando que em municípios brasileiros nos quais mulheres são eleitas prefeitas em uma disputa bastante acirrada há um aumento do número de garotas entre 16 e 18 anos que buscam retirar o título de eleitor, em comparação a municípios nos quais mulheres não foram eleitas. Em um estudo realizado para a índia, publicado na revista Science, a Nobel em economia, Esther Duflo, e coautores encontraram que a maior presença de mulheres em cargos de liderança política provoca um aumento das aspirações profissionais futuras em meninas entre 11 e 15 anos. Mais impactante, esse fenômeno reduziu a diferença educacional entre meninas e meninos a zero.
As evidências não param por aí. Em artigo publicado na prestigiada American Economic Review, pesquisadores mostraram que a presença de professoras nas disciplinas iniciais em universidades americanas melhora o desempenho das alunas ao longo do curso. Existem outras evidências que mostram que a presença de professoras também reduz a evasão escolar. Esses resultados também são verificados no caso da identificação racial de alunos com professores da mesma etnia, quando esses alunos fazem parte de alguma minoria. Sabendo que há uma relação positiva entre melhor nível de educação e aprendizado com rendimentos no futuro, podemos inferir que representatividade pode melhorar indicadores de emprego e renda, por exemplo.
Gil do Vigor
Quantos jovens vão se inspirar em Rayssa e Rebeca? Mas quantos também se inspirarão no Gil do Vigor, que superou adversidades e irá começar seu PhD na Universidade de California-Davis no próximo mês? Quantos conseguem se inspirar e se enxergar nas dicas financeiras da Nath Finanças, que enfrenta diariamente o preconceito de homens brancos da Faria Lima? Ou quantos jovens que possuem aspirações políticas irão se motivar após o governador Eduardo Leite ter afirmado ser gay?
Apesar de representatividade importar, um grande problema para a existência de Role Models é a desigualdade de oportunidades. Negros e Mulheres, LGBTQ+, indígenas e outras minorias possuem, em média, menos oportunidades e sofrem mais com discriminação. Por isso, eles precisam se esforçar mais para conseguir acessar os mesmos postos de trabalho ou receberem rendas similares, em relação aos seus pares oriundos de grupos não minoritários.
Rebeca e Rayssa, por exemplo, têm outra característica em comum. As duas foram beneficiadas por programas sociais. Rebeca pelo programa de Iniciação Esportiva de Guarulhos e Rayssa pelo Bolsa Família. Será que elas se tornariam medalhistas olímpicas sem esses programas? Mas será que elas teriam o incentivo sem suas referências? Estes casos sugerem que políticas públicas e empresariais, que garantam a presença de minorias na política, na universidade, em cargos de liderança pública e de grandes empresas são fundamentais. Essas políticas podem começar desde cedo, com a oferta de educação pública de qualidade, de programas sociais que garantam as condições mínimas para ter acesso a bens de consumo e saúde, ou de programas que garantam condições básicas de vida, para que os jovens da periferia possam praticar esportes. Também podem ser executadas em momentos mais tardios da vida, como a bem-sucedida política de cotas das universidades federais brasileiras. Representatividade importa, Role Models importam, e políticas públicas bem pensadas podem quebrar a barreira da desigualdade de oportunidades.