Transição Energética
Confira a coluna Olhar Econômico desta sexta-feira
As grandes transições na vida humana sempre levaram anos para se consolidarem. Mesmo que se resumam a um capítulo, uma página, quando não um parágrafo num livro de história, levaram décadas, às vezes séculos para se tornarem completas e reconhecidas. Esse paradigma caiu por terra a partir dos anos 1950 com a chegada dos sistemas digitais em substituição aos analógicos no mundo das comunicações e na eletricidade em geral. A partir de então a velocidade das mudanças tornou-se algo surpreendente e inimaginável. Em uma década algumas formas de “fazer” atividades cotidianas mudaram completamente, com reflexos marcantes no comportamento das pessoas e da forma de viver a vida. A tecnologia digital permitiu transições radicais que estão ao alcance de nossas memórias. Exemplos notáveis são a internet, os celulares inteligentes (smartphones), o armazenamento de dados em servidores virtuais (stream´s) e os veículos elétricos (EV´s), cada dia mais presentes em garagens, estacionamentos e frotas empresariais.
Esse viés tecnológico ganha um impulso maior por estar em sintonia com a pauta das políticas de governança empresarial, respeitosas ao meio ambiente e ao social (ESG). Em meio a essa nova realidade, surge um termo, cada dia mais popular chamado TRANSIÇÃO ENERGÉTICA. Trata-se de um compromisso de mudança no setor de energia global, saindo definitivamente dos sistemas à base de combustíveis fósseis para as fontes de energia renováveis, tais como eólica, solar fotovoltaica e outras, associadas ao armazenamento com baterias de íons-lítio, estocagem de hidrogênio verde etc. Essa mudança envolve tanto a energia utilizada na produção industrial quanto no consumo, incluindo petróleo, gás natural e carvão.
O desafio não é pequeno, mas o crescimento vertiginoso das energias renováveis, no mix de fornecimento de energia associado à queda do custo de armazenamento, torna cada vez mais viável pensar num mundo sem emissões de carbono para atmosfera. Como em todo processo de transição, o início requer a superação de barreiras econômicas, tecnológicas e principalmente nos hábitos das pessoas. O movimento é lento, mas quando atinge a escala econômica, dispara o processo de competição pelas melhores técnicas, redução de custos e para atender ao apelo de ser uma organização em prol da sustentabilidade do planeta. Essa mudança, se consolida na medida em que provoca uma corrida de empresas e pessoas para soluções que envolvem autonomia de energia em relação às tradicionais empresas do setor, seja pela geração de energia isolada da rede tradicional, ou pelo uso de veículos elétricos ou híbridos.
Os mecanismos para regulamentação dessa “transição energética” têm sido bastante desiguais. Na Europa, os reguladores assumiram um papel de liderança pressionando por uma economia neutra em carbono, com metas audaciosas de zerar as emissões líquidas de gases com carbono até 2050. Liderados pela China, as economias emergentes vivem um desafio singular de conciliar o acesso à energia para quem ainda não dispõe, simultaneamente com a transição para fontes de energia mais limpas usando tecnologias sustentáveis. Nos EUA, há um impulso político crescente em torno da geração de energia com menor emissão de gases de efeito estufa e uma economia movida a energia limpa. Juntas, quase 200 nações se comprometeram a conter o aquecimento global reduzindo substancialmente as emissões de gases de efeito estufa na 58ª reunião do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas – IPCC (Suíça – março/2023). No entanto, o cumprimento desses compromissos tem sido muito insuficiente, principalmente pelos efeitos das instabilidades causadas pela guerra na Ucrânia.
Independentemente do que virá a acontecer, algumas certezas podemos considerar: primeiro é a velocidade da transição. Planejamentos de longo prazo tendem a virar “tempo perdido” numa era tão dinâmica de transições. Segundo, mas nem por isso menos relevante, é o compromisso das organizações e governos com a descarbonização num mix com a transição energética. Isso ganha importância na medida em que os investimentos só serão sustentáveis se priorizarem os fatores ambientais, sociais e de governança (ESG). A economia não funciona em momentos de catástrofes climáticas ou convulsões sociais. Jamais esqueçamos disso!
*Engenheiro eletricista, especialista em Gestão e Comercialização de Energia Elétrica