Projeto visa suspender CNH de quem abandonar animal e ajuda a coibir ação
Exploração reprodutiva de cadelas é face perversa de maus-tratos

Limitar direitos civis pode não ser exatamente a solução perfeita para coibir o abandono de animais. Mas, certamente, a proposta, aprovada em comissão na Câmara dos Deputados, de suspender a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) de quem abandonar cães e gatos usando veículo, é um caminho para impedir situações como a que viralizou recentemente. A cena, divulgada em vídeo, mostra um indivíduo descartando um cachorro no bairro do Rio Vermelho, em Salvador.
“A suspensão da CNH é uma medida impactante que pode inibir quem se arrisca a praticar esse ato covarde”, afirma Patruska Barreiro, 48 anos, ativista da causa animal. Ela acredita que a medida afeta diretamente a rotina dos infratores, funcionando como importante elemento de repressão.
Punição
A médica veterinária Livia Maria Passos Peralva, secretária geral do Conselho Regional de Medicina Veterinária da Bahia (CRMV/BA) pensa um pouco diferente. “Acredito que é mais um dispositivo legal sendo criado e não sei se será efetivo pois já temos leis que falam sobre maus tratos”, afirma ela, referindo-se às leis 9.605/1998 e 14.064/2020, ambas sobre crimes desta natureza. Livia afirma que, para resolver a situação de abandono, não é necessária a criação de mais dispositivos legais mas sim conscientização, educação e punição dos infratores.
“A punição precisa ser acompanhada de fiscalização eficiente e campanhas educativas para conscientizar a sociedade sobre a gravidade e as consequências desse crime”, explica Patruska, que recentemente resgatou uma cadela da raça pug, de 3 anos, vítima de exploração reprodutiva.
A cachorrinha, hoje chamada Peppa Pig, chegou ao Instituto Patruska desnutrida, com sinais claros de maus tratos e de exploração reprodutiva, expelindo filhotes mortos.
Na instituição, ela passou por um processo de reabilitação e foi adotada por uma família com quem vive atualmente. A situação de Peppa é a mesma de muitas matrizes (cães fêmeas usadas para reprodução e venda de filhotes) de canis irregulares, outra face perversa do cenário de maus tratos e abandono dos animais no Brasil.
“Muitas pessoas adquirem animais por impulso, enxergá-los como objetos descartáveis e não como seres sencientes gera comportamentos cruéis, em especial quando falamos em matrizes”, alerta Patruska que res gatou também Makeda, uma cadela da raça fila brasileiro. “Ela tinha filhotes na barriga, que nasceram mortos”, conta. Após a reabilitação, Makeda também foi adotada.
Perversidade
Médica veterinária com atuação em reprodução e obstetrícia de pequenos animais, Maíra Planzo já atendeu, ao longo da prática clínica, animais resgatados de situações bem graves de maus tratos. “As matrizes reprodutivas são frequentemente exploradas em sistema de criação inadequados, onde são submetidas a sucessivas gestações sem cuidados veterinários adequados e, muitas vezes, descartadas quando sua capacidade reprodutiva é reduzida”, explica.
Ela defende que o controle do abandono e dos maus-tratos a animais requer uma abordagem multidisciplinar, envolvendo educação, regulamentação, fiscalização e suporte clínico. “O reconhecimento dos animais como seres sencientes, capazes de sofrer e manifestar bem estar deve ser a base de qualquer política voltada à proteção animal”, diz Maíra que não considera a suspensão da CNH como punição para quem abandona animais em veículos uma medida efetiva.
A médica veterinária Ercy Tereza Bono Costa já adotou diversos animais, inclusive resgatados de canis, e tem uma posição firme quanto a este cenário de abandono. “Enquanto a punição não assustar os criminosos para que pensem bem antes de aquirir um animal para chegar ao ponto de abandoná-lo, sempre encontrarão um meio de continuar explorando, maltratando, abandonando ou deixando para morrer nos fundos de qualquer imóvel”, enfatiza. Ercy pensa que as pessoas só deveriam ter animais mediante autorização prévia e licença. “Já adotei 7 cães descartados, por razões diferentes, de canil de reprodução”, conta ela, tutora de Channel (13 anos) e Duquesa (11 anos), yorkshires de descarte de canil.